Rubem Alves
A idéia desta história não é minha. Meu é só o jeito de contar. Sobre uma águia que foi criada num galinheiro e foi aprendendo sobre o jeito galináceo de ser, de botar ovos, de ciscar a terra, de comer milho, de dormir em poleiros. E como todo aprendizado exige um esquecimento, ela desaprendeu o vôo nas alturas, o ar puro da montanha, a vista se perdendo no horizonte, o doce sentimento de liberdade... E como ninguém lhe falasse sobre estas coisas e todas as galinhas cacarejassem os mesmos catecismos, ela acabou por acreditar que não passava de uma galinha com perturbação hormonal. Tudo grande demais. Aquele bico curvo, sinal certo de acromegalia e desejava muito que o seu cocô tivesse o mesmo cheiro certo do cocô das galinhas.
Um dia passou por lá um homem que vivera nas montanhas e viu o vôo orgulhoso das águias.
- O que faz você aqui? Ele perguntou.
- Este é o meu lugar, ela respondeu. Todo o mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros, ciscam o chão, botam ovos e finalmente viram canja. Nada se perde, tudo se transforma, utilidade total.
- Mas você não é galinha, ele disse. É uma águia!
- De jeito nenhum. Eu nem sequer voar sei. Pra dizer a verdade, nem quero. A altura me dá vertigem. É mais seguro ir andando passo a passo.
E não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Até que o homem não mais agüentando aquela coisa triste de uma águia transformada em galinha, agarrou a águia à força e a levou até o alto de uma montanha, atirando-a bruscamente lá de cima do abismo. A pobre água começou a cacarejar de terror, voando rasteira em bruscos zig-zags. Mas depois, pouco a pouco, com tranqüila dignidade, esticou o pescoço para cima e para frente e começou a plainar bela, confiante e cada vez mais alto, até fundir-se no azul do firmamento. Aí ela compreendeu enfim que seu nome não era galinha, mas águia.
Esta história foi escrita na África, um profeta dizendo aos seus seguidores:
- Vejam a que estado os brancos nos reduziram, águias que andam como galinhas. É preciso aprender a voar de novo.
Mas eu senti que era muito mais que isso. E comecei a ver por todos os lados, águias exploradas e humilhadas, felizes por ciscar a terra e comer milho. E nesta coisa que chamam lar, de chinelo, de pijamas, bob na cabeça e os mesmos cacarejos milharescos longe do ar frio das montanhas. Também as escolas que se especializaram nesta curiosa metamorfose de transformar as águias em galinhas para que nunca falte canja.
E os pais se rejubilam quando a magia chega ao fim. E as águias solitárias que são sempre perigosas e imprevisíveis recebem seus diplomas galináceos. Agora são iguais como todos os demais. Podem arranjar seus empregos, botar seus ovos e chocar seus filhos até o glorioso momento de serem transformadas em canja.
...E as águias acabam por perceber que o seu tempo já passou.
E-mail: antoniocneto@terra.com.br
A idéia desta história não é minha. Meu é só o jeito de contar. Sobre uma águia que foi criada num galinheiro e foi aprendendo sobre o jeito galináceo de ser, de botar ovos, de ciscar a terra, de comer milho, de dormir em poleiros. E como todo aprendizado exige um esquecimento, ela desaprendeu o vôo nas alturas, o ar puro da montanha, a vista se perdendo no horizonte, o doce sentimento de liberdade... E como ninguém lhe falasse sobre estas coisas e todas as galinhas cacarejassem os mesmos catecismos, ela acabou por acreditar que não passava de uma galinha com perturbação hormonal. Tudo grande demais. Aquele bico curvo, sinal certo de acromegalia e desejava muito que o seu cocô tivesse o mesmo cheiro certo do cocô das galinhas.
Um dia passou por lá um homem que vivera nas montanhas e viu o vôo orgulhoso das águias.
- O que faz você aqui? Ele perguntou.
- Este é o meu lugar, ela respondeu. Todo o mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros, ciscam o chão, botam ovos e finalmente viram canja. Nada se perde, tudo se transforma, utilidade total.
- Mas você não é galinha, ele disse. É uma águia!
- De jeito nenhum. Eu nem sequer voar sei. Pra dizer a verdade, nem quero. A altura me dá vertigem. É mais seguro ir andando passo a passo.
E não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Até que o homem não mais agüentando aquela coisa triste de uma águia transformada em galinha, agarrou a águia à força e a levou até o alto de uma montanha, atirando-a bruscamente lá de cima do abismo. A pobre água começou a cacarejar de terror, voando rasteira em bruscos zig-zags. Mas depois, pouco a pouco, com tranqüila dignidade, esticou o pescoço para cima e para frente e começou a plainar bela, confiante e cada vez mais alto, até fundir-se no azul do firmamento. Aí ela compreendeu enfim que seu nome não era galinha, mas águia.
Esta história foi escrita na África, um profeta dizendo aos seus seguidores:
- Vejam a que estado os brancos nos reduziram, águias que andam como galinhas. É preciso aprender a voar de novo.
Mas eu senti que era muito mais que isso. E comecei a ver por todos os lados, águias exploradas e humilhadas, felizes por ciscar a terra e comer milho. E nesta coisa que chamam lar, de chinelo, de pijamas, bob na cabeça e os mesmos cacarejos milharescos longe do ar frio das montanhas. Também as escolas que se especializaram nesta curiosa metamorfose de transformar as águias em galinhas para que nunca falte canja.
E os pais se rejubilam quando a magia chega ao fim. E as águias solitárias que são sempre perigosas e imprevisíveis recebem seus diplomas galináceos. Agora são iguais como todos os demais. Podem arranjar seus empregos, botar seus ovos e chocar seus filhos até o glorioso momento de serem transformadas em canja.
...E as águias acabam por perceber que o seu tempo já passou.
E-mail: antoniocneto@terra.com.br
6 comentários:
Eu achei muito interessante essa historia1
Moral Da Historia:Nunca tente ser o que ou alguem que você não é!!
Tem muito mais por tras dessa historia, as vezes convivemos com pessoas que tem atitudes de galinha, mas somos aguias e acabamos nos contaminando com suas atitudes e somos influenciados a termos atitudes de galinhas como elas, aí alguém vem e nos alerta e nos lembra de onde nos viemos, de Deus é claro, então somos aguias...
Olá, Prof. Antonio!
Fiquei encantada com esta crônica do Rubem Alves!
Na mesma linha, ele também escreveu "O aluno perfeito" (http://www.historianews.org/2011/03/textos-historicos-cronicas.html) que eu -- como estudante de Pedagogia -- sou apaixonada pela crítica dele à essa educação baseada na memorização.
Ambos os textos tem esse elemento freiriano da busca pra se libertar da opressão.
Uma lição de vida que deve ser reaprendida a cada dia. Afinal, como diria Paulo Freire, somos seres em constante processo de aprendizado.
Parabéns pelo blog!
Um grande abraço,
Kátia
São Paulo / SP
adorei esse resumo seu obg isso me ajudou muito ta!!!
adorei esse texto que vc publicou aqui na nete amei me ajundou muito!!!
Na verdade a aguia e a galinha é do autor leonardo Boff.
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