domingo, 31 de maio de 2009

MANOEL DE BARROS: O POETA DA (DES)INVENÇÃO


O motivo central dessa edição é investigar acerca de determinados recursos estilísticos e explorações semânticas que se comportam como elementos recorrentes nos escritos do poeta Manuel de Barros, (natural de Corumbá, Mato Grosso - 1916) cuja projeção nacional se deu a partir dos anos 1980. Mas que, de há muito, já vinha chamando a atenção dos críticos e dos analistas acadêmicos, especialmente, por conta de uma dicção própria, concentrada, de modo mais intenso, na captação das coisas simples do dia-a-dia. Mesmo que estas nem sempre comportem a atmosfera do que a tradição acostumou-se a identificar como inerente ao material poético.
O trabalho de Manoel de Barros, trata, portanto, de uma poesia intrigante, desafiadora e, sobretudo, inaugural. Seus livros já antecipam a estranheza poética nos próprios títulos, tais como: ´Poemas concebidos sem pecados´ (1937), ´Face imóvel´ (1942), ´Compêndio para uso dos pássaros´ (1961), ´Gramática explosiva do chão´ (1969), ´Arranjos para assobio´ (1983), ´Livro de pré-coisas´ (1986), ´O guardador de águas´ (1989), ´O livro das ignorãças´ (1993), ´Livro sobre o nada´; (1996), ´Retrato do artista quando coisa´ (1998), dentre outros. Percorrermos, assim, um dos múltiplos caminhos desse poeta lavrador que colhe do chão as palavras.
Se, em João Cabral de Melo Neto, havemos a identificação da palavra com a pedra, isto é, a idéia de uma aprendizagem do poeta no sentido de tirar lições da pedra: com esta podendo aprender a exatidão da forma, a impassibilidade, a resistência à porosidade. Sendo, portanto, impermeável a sentimentalismos, sob a severidade das rimas toantes; em Manoel de Barros, se sedimenta a concepção da palavra como um organismo vivo: a palavra-vegetal, a palavra-animal.

"...Para entrar em estado de árvore
é preciso partir de um torpor animal
de lagarto às 3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato sair na voz..."
Ou, quando não, a palavra-mineral - mas esta, ao contrário da palavra-pedra em João Cabral, estática e impassível, anuncia-se portadora de anima.
Adoecer de nós a Natureza:- botar a aflição nas pedras. Como se vê, a palavra, enquanto morada do poético, imprime-se como a marca fundamental da criação literária de Manoel de Barros. É daí que resulta a sua poesia, ou seja, do seu próprio cotidiano com as palavras, estabelecendo entre elas novas relações, produzindo efeitos novos, para, assim, poder extrair a forma oculta que toda forma abriga. Tudo nele é preocupação com a linguagem, ´uma vontade de recuperar a virgindade das palavras'.
A sua atitude de casar uma palavra já gasta com outra também gasta parece produzir a primeira vez de uma palavra. Nesse sentido, o poeta busca não apenas simples relações semânticas, pois, mais que isso, aspira às ressonâncias, aos ritmos inefáveis, às inumeráveis sensações:
'Mas eram coisas desnobres como intestinos
de moscas que se mexiam por dentro de suas palavras'.

"...Gostava de desnomear:
para falar barranco dizia: lugar onde avestruz esbarra.
Rede era vasilha de dormir.
Traços de letras que um dia encontrou nas pedras de uma gruta.
Chamou: desenhos de uma voz.
Penso que fosse um escorço de poeta..."

A poética de Manoel de Barros se enquadra na categoria daquelas coisas que, segundo Santo Agostinho, existiam para ser desfrutadas, isto é, prazer em si mesmo. Nesse sentido, o discurso é elaborado a partir de um entrelaçamento de palavras para que desemboquem sempre num jogo de pensamento, do qual se depreende o inesperado ou a estranheza:

"...Desinventar objetos.
O pente, por exemplo.
Dar ao pente funções de não pentear.
Até que ele fique à disposição de ser uma begônia.
Ou uma gravanha.
Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma..."

Eis o universo de Manoel de Barros: a (des)invenção. Ou reinvenção. Há, em toda a sua construção poética, o gosto pelo desvio ou o gozo de palmilhar o não-sabido. Persegue, sobretudo, o nada, pois é daí que espera extrair a essência do que desconhece. Trata-se, a rigor, de uma aprendizagem às avessas: desaprender para, assim, ter condições de que apalpar o invisível; desse modo, ignorando as coisas pode, enfim, reencontrá-las.
A primeira parte do Livro das Ignorãças tem como título ´Uma didática da invenção´, e a epígrafe bem sintetiza os poemas: ´As coisas que não existem são mais bonitas´, isto é, a poesia habita o gênesis, daí a reiteração dos exercícios de metalinguagem, uma vez que a poesia quer conhecer a si mesma, anseia de parar o que havia na imagem antes que esta se revelasse. Memória e aprendizagem se inter-relacionam.
Em Manoel de Barros ocorre, exatamente, aquela epifania drummoniana do ´esquecer para lembrar'. Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois, em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos -o verbo tem que pegar delírio. Nesse excerto - como em tantos outros - observa-se que as palavras gravitam as altas zonas da linguagem, à semelhança dos pontos privilegiados que a magia discerne e une misteriosamente no mundo: a ´criança´, ao mudar ´a função de um / verbo.' Não delira, mas, sim, o próprio ´verbo´, tocado, agora, pela transformação; por isso, o poético reside em ´fazer nascimentos´, em entregar as palavras ao delírio. Insetos que se arrastam, árvores que voam, arbustos que cantam - tudo isso implica, na poética de Manoel de Barros, o desdobramento de imagens que comunicam a revelação.
As palavras se movem no poema. E o leitor nunca se cansa de se surpreender. A poesia concretiza, pela força da imaginação, o pensamento especulativo no próprio âmago do espírito:

"...Para entender nós temos dois caminhos:
o da inteligência que é o entendimentodo corpo;
e o da sensibilidade que é o entendimentodo espírito.
Eu não escrevo com o corpo.
Poesia não é para compreender,
mas para incorporar.
Entender é parede;
procure ser árvore..."

Nesse exercício de metalinguagem, o poeta aborda, com extrema agudeza, a problemática do que a poesia comunica, cuja natureza, como se vê, é, essencialmente, inefável. O estado poético, portanto, comporta a desintegração das coisas, a decomposição da crosta que as envolve: ´...Desaprender oito horas por dia ensina os princípios...' Em outras palavras, o estado poético consiste em mergulhar no avesso das coisas. Em descascar o que há muito já se encontra cristalizado pela cultura. Ser poeta é inverter. Ser poeta é transgredir. No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:

"...Poesia é quando a tarde está competente para dálias.
É quando ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa.
É quando um trevo assume a noite e um sapo engole as auroras..."

Das imagens do dia (que) dorme antes; da tarde (que) está competente para /
dálias´; do ´sapo (que) engole as auroras´, brota o estado poético que o autor inscreve em cada um de nós - os leitores. Todos nos tornamos, então, cúmplices dessa música, do encantamento que suscita. Os seres, as coisas, os sentimentos saem, subitamente, de sua existência ordinária em direção ao indefinível. E o que conhecemos muda, magicamente, de valor. Tudo se converte em música. Não uma música qualquer, mas uma outra que percorre todos os nossos sentidos e nos solicita por inteiro.

"...Insetos cegam meu sol.
Há um azul em abuso de beleza.
Lagarto curimpãpã se agarrou no meu remo.
Os bichos tremem na popa.
Aqui até a cobra eremisa, usa touca, urina na fralda.
Na frente do perigo, bugio bebe gemada.
E periquitos conversam baixo..."

Eis, em síntese, o discurso literário de Manoel de Barros, de que se evola um universo singularmente harmonioso. Uma vez que tal harmonia advém da própria poesia, que nos torna ressonantes e consoantes com ela. Um universo que permanece em nós, exatamente porque não nos é imposto. Mas tão-somente sugerido. É o sonho que emana de uma percepção, de uma (des)continuidade afável e que ninguém, jamais poderá explicar.

sábado, 30 de maio de 2009

MANOEL DE BARROS: O MAIOR E MELHOR GÊNIO DO MUNDO


Manoel de Barros, ou Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916. Seu pai foi um capataz com influência naquela região. Mudou-se para Corumbá, onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Atualmente mora em Campo Grande. É advogado, fazendeiro e poeta.Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem.

Nequinho, como era chamado carinhosamente pelos familiares, cresceu brincando no terreiro em frente à casa, pé no chão, entre os currais e as coisas "desimportantes" que marcariam sua obra para sempre. "Ali o que eu tinha era que ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno."

Com oito anos foi para o colégio interno em Campo Grande, e depois no Rio de Janeiro. Não gostava de estudar até descobrir os livros do padre Antônio Vieira: "A frase para ele era mais importante que a verdade, mais importante que a sua própria fé. O que importava era a estética, o alcance plástico. Foi quando percebi que o poeta não tem compromisso com a verdade".

Um bom exemplo disso está num verso de Manoel de Barros que afirma que "a quinze metros do arco-íris o sol é cheiroso." E quem pode garantir que não é? "

Descobri que servia era pra aquilo: "Ter orgasmo com as palavras." Dez anos de internato lhe ensinaram a disciplina e os clássicos, a rebeldia da escrita. Mas o sentido total de liberdade veio quando soube que o poeta podia misturar todos os sentidos. Conheceu pessoas engajadas na política, leu Marx e entrou para a Juventude Comunista. Seu primeiro livro, aos 18 anos, não foi publicado, mas salvou-o da prisão. Havia pichado "Viva o comunismo" numa estátua, e a polícia foi buscá-lo na pensão onde morava. A dona da pensão pediu para não levar o menino, que havia até escrito um livro. O policial pediu para ver, e viu o título: "Nossa Senhora de Minha Escuridão". Deixou o menino e levou a brochura, único exemplar que o poeta perdeu para ganhar a liberdade e suspira fundo quando se lembra.

Quando seu líder Luiz Carlos Prestes foi solto, depois de dez anos de prisão, Manoel de Barros esperava que ele tomasse uma atitude contra o que os jornais comunistas chamavam de "o governo assassino de Getúlio Vargas." Foi, ansioso, ouvi-lo no Largo do Machado, no Rio. E nunca mais se esqueceu: "Quando escutei o discurso apoiando Getúlio — o mesmo Getúlio que havia entregue sua mulher, Olga Benário, aos nazistas — não agüentei. Sentei na calçada e chorei. Saí andando sem rumo, desconsolado. Rompi definitivamente com o Partido, o qual havia participado até então e fui para o Pantanal".

Mas a idéia de lá se fixar e se tornar fazendeiro ainda não havia se consolidado no poeta. Seu pai quis lhe arranjar um cartório, mas ele preferiu passar uns tempos na Bolívia e no Peru, "tomando pinga de milho". De lá foi direto para Nova York, onde fez curso sobre cinema e sobre pintura no Museu de Arte Moderna. Pintores como Picasso, Chagall, Miró, Van Gogh, reforçavam seu sentido de liberdade. Entendeu então que a arte moderna veio resgatar a diferença, permitindo que "uma árvore não seja mais apenas um retrato fiel da natureza: pode ser fustigada por vendavais ou exuberante como um sorriso de noiva".

Sua poesia já se alimentava de imagens, de quadros e de filmes. Chaplin o encanta por sua despreocupação com a linearidade. Para Manoel de Barros, o poeta da imagem é Federico Fellini, e, até hoje se confessa um "...'vedor' de cinema. Mas numa tela grande, sala escura e gente quieta do meu lado".Voltando ao Brasil, o advogado Manoel de Barros conheceu a mineira Stella, no Rio de Janeiro e se casaram em três meses. No começo do namoro a família dela — mineira — se preocupou com aquele rapaz cabeludo que vivia com um casaco enorme e que sempre se esquecia de trazer dinheiro no bolso. Mas, naquela época, Stella já entendia a falta de senso prático do noivo poeta. Por isso, até hoje Manoel de Barros a chama de "guia de cego". Stella o desmente: "Ele sempre administrou muito bem o que recebeu." E continuam apaixonados, morando em Campo Grande (MS). Têm três filhos, Pedro, João, Marta e sete netos.

São suas as palavras: “Exploro os mistérios irracionais dentro de uma toca que chamo 'lugar de ser inútil'. Exploro há 60 anos esses mistérios. Descubro memórias, fósseis. Osso de urubu, etc. Faço escavações. Entro às 7 horas, saio ao meio-dia. Anoto coisas em pequenos cadernos de rascunho. Arrumo versos, frases, desenho bonecos. Leio a Bíblia, dicionários, às vezes percorro séculos para descobrir o primeiro esgar de uma palavra. E gosto de ouvir e ler "Vozes da Origem".

Gosto de coisas que começam assim: "Antigamente, o tatu era gente e namorou a mulher de outro homem". Essas leituras me ajudam a explorar os mistérios irracionais. Não uso computador para escrever. Sou metido. Sempre acho que na ponta de meu lápis tem sempre um nascimento."Digo que o meu anonimato foi "por minha culpa mesmo. Sou muito orgulhoso, nunca procurei ninguém, nem freqüentei rodas, nem mandei um bilhete. Uma vez pedi emprego a Carlos Drummond de Andrade no Ministério da Educação e ele anotou o meu nome. Estou esperando até hoje", conta.

Costuma passar dois meses por ano no Rio de Janeiro, ocasião em que vai ao cinema, revê amigos, lê e escreve livros.Não perdeu o orgulho, mas a timidez parece cada vez mais diluída. Ri de si mesmo e das glórias que não teve. Diz: "Aliás, não tenho mais nada, dei tudo para os filhos. Não sei guiar carro, vivo de mesada, sou um dependente". O diretor Pedro Cezar filma "Só dez por cento é mentira", um documentário sobre a vida do poeta que deverá ser exibido em abril do próximo ano. O título do filme refere-se a uma frase de Manoel de Barros: "Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira". Puxa a vida! Uma criatura dessas só pode ser mesmo um gênio. O maior e o melhor de todos eles.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

SENADOR CRISTOVAM BUARQUE



CRISTOVAM BUARQUE

Quando vejo o Senador Cristovam Buarque dizer na televisão que gostaria que a escola dos pobres fosse tão boa como é a dos ricos, eu custo a acreditar que aprendi justamente com ele, o contrário. Na época em que fui seu aluno, o que levou-me a aperfeiçoar meus estudos sobre a educação, ele sempre afirmava que o grande, o maior problema da educação era o ideológico. E que, neste sentido, todas as nossas escolas eram péssimas. Mas, a escola particular, privada e cara seria pior, porque seria bem mais instrumentalizada, para repassar esta mesma ideologia, até de forma intrínseca, na medida em que transforma diretamente a educação em mercadoria, além de ser gerida por capitalistas insensíveis em relação à qualidade de ensino e a realizr uma educação verdadeira.
Acho que ele se esqueceu da lição tão importante que nos ensinou. Deve ter se acostumado à vida farta, ao lauto salário de senador, tornou-se elite, e, mais uma vez, em conflito com os seus ensinamentos, virou pelo avesso o seu modo de pensar. Agora ele quer, em termos de suas colocações é, de fato, piorar a escola pública. Ou seja, adequá-la para funcionar tão bem como a particular, tendo todas as condições para repassar a mesma ideologia, no que as particulares estão bem na frente.
Justo ele, este homem da educação. Sensível à questão da pobreza, que escreve muito bem e faz discursos belíssimos sobre a apartação social, a socialização da miséria, a questão da pobreza em volta de todo o planeta. Só resta-me concluir que não tem jeito mesmo. Que a humanidade está irreversivelmente perdida. E a dar graças a Deus pelo que lamentei tanto quando aconteceu. Ou seja, por ele não ser mais Ministro da Educação, ou reitor da Universidade de Brasília. Quando não esperamos nada e não há decepção, dói menos. Pensando bem, melhor assim, exatamente do jeito que está. O Fernando Hadad pelo menos serve de bibelot, para que o Governo Lula seja um pouco mais bonitinho e que não saia tão mal na foto. Pelo menos isso.

terça-feira, 12 de maio de 2009

CANTIGA


Acho que me deu Deus tudo

para mais meu padecer:

- os olhos para vos ver,

- coração para sofrer

- e língua para ser mudo.


(João Roriz de Castelo Branco)

PEQUENA HISTÓRIA DE UM GRANDE AMOR MARANHENSE


A UMA CERTA TEREZA...

Ainda me lembro dos olhos que

Tereza inventava

Quando afagava com os dedos

de suas trêmulas mãos

uma rosa.

Ainda me lembro do seu corpinho a valsar

aquele alegre minuete de cor azul.

Que cativa o mais cruel dos adultos.

E hoje escrevo este poema pequeno

Do mesmo tamanho de Tereza

Porque não conheci Tereza grande.

Tereza de espasmos e de agonias

Esta mesma Tereza

que hoje habita o meu viver

Com o pecado imorredouro de haver crescido.

(Fernando Braga)



O MEU SOFRER



Não pude suportar tão fria indiferença

Tua atroz indiferença, que crueldade?

Não vês que poderás causar a descrença

Minha alma lanceada de dor e de saudade

Nada te comove por ventura?

Acaso teu coração é um rochedo?

Não vês que eu sofro, infame criatura?

Se já não és dono deste meu segredo...

Na minha grande dor asserba infinda

Desgraçada de mim que tanto sofro

Desgraçada de mim que te amo ainda.


(Tereza Martins)

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A QUESTÃO DOS PARADIGMAS NO MUNDO DE HOJE


A Questão dos Paradigmas no Mundo de Hoje
Por:

(*)Antonio da Costa Neto


"A sociedade como um todo vive uma crise análoga e singular
diferente de todas as crises parciais que tivemos no passado,
pois não trata apenas de questões passageiras, mas definiti-
vas em relação ao futuro histórico da espécie humana.
Vivemos hoje num mundo globalmente integrado e os pro-
blemas humanos, éticos, políticos, sociais, econômicos, cul-
turais e ecológicos são interdependentes, e, para resolvê-los
precisamos de uma nova prespectiva. Será necessária uma es-
trutura educacional, social, humana, política e econômica
radicalmente diferente. Uma revolução cultural na verda-
deira acepção da palavra: uma autêntica mudança de paradigmas.
A sobrevivência da humanidade
dependerá, certamente, de sermos ou não capazes de realizar
esta mudança."


(Fritjof Capra)


Estas reflexões nos remetem a um dos pontos da maior importância frente à dinâmica e aos problemas do mundo contemporâneo que é a necessidade urgente de se processar uma extraordinária, uma radical mudança de paradigmas. Ou seja, das formas de ver, sentir, acreditar e fazer as coisas, com consciência de suas interferências, benefícios, malefícios, processos e resultados. Enxergando a dualidade de todas as ações e projetos, pois como vivemos numa sociedade complexa, logicamente, tudo que é feito, ou não-feito, logicamente irá beneficiar a alguém e, ao mesmo tempo, prejudicará a outras pessoas. Restando a quem faz, saber a quem beneficia e a quem prejudica com tal ação ou omissão. O grande problema histórico reside exatamente no fato de que sempre são os mesmos poucos beneficiados, enquanto muitos se prejudicam, chegando ao ponto da insustentabilidade para milhões e milhões de pessoas em volta de todo o planeta.
É a síntes do que em ciência se habituou a chamar de Estado da Arte em relação aos paradigmas antigo, novo e emergente.O novo paradigma advoga a idéia de que tudo o que é vivo cumpre ciclos, etapas, fases com início, meio e fim. E ainda, tais ciclos são epigenéticos – ou seja, um ciclo nasce dentro do outro, sendo portanto herdeiro de características e semelhanças recíprocas. O ciclo seguinte nasce da epigênese do anterior e leva deste características, idéias, símbolos e imagens reais e em especial, aquelas criadas psicologicamente, num processo contínuo e infinito, circular e não, linear. O mesmo acontecendo com cada um dos novos ciclos que se sucedem. Por exemplo, uma criança criada com medo será provavelmente um adulto medroso, se for criada com amor, será amoroso e assim por diante.

São recorrentes, isto é, carrega recorrências, imagens, impressões, sensações, emoções, sentimentos que foram criados no ciclo anterior a ele. Se tenho medo de minha mãe e a minha professora se parece com ela, meu inconsciente vai confundir as duas e eu, naturalmente, terei também medo da minha professora, mesmo sabendo que ela não é a minha mãe. Trata-se de uma questão psicológica, e, na maioria das vezes, inconsciente, não-perceptível aos olhos da absoluta maioria das pessoas.

E, finalmente, são probabilísticos porque poderá ocorrer entre eles algum fato ou fenômeno absolutamente forte que transforme a ordem das coisas. Assim uma criança criada com medo e sem amor, poderá encontrar uma professora o suficientemente amorosa e dedicada ao ponto de mudar a sua personalidade, tornando-o num adulto sensato e amoroso, embora as suas características originais negassem isto. Buscando explicar de forma simplificada e bem didática, pois se formos aqui aprofundar a explicação, gastaríamos páginas e páginas.

O ser humano que tem uma expectativa média de vida um pouco acima dos 85 anos, cumpre ciclos, fases, etapas de mais ou menos 5 a 7 anos que denominamos de a) vida intra-uterina/primeira infância; b) segunda infância e puberdade; c) adolescência; d) juventude; e) idade adulta, f) maturidade; f) melhor idade; g) velhice; h) senilidade. O Planeta Terra atravessa ciclos maiores de 1000 anos e dentro deles, os miniciclos que são os séculos, dentro dos quais a história humana passa por altos e baixos que são caracterizados pela física moderna como: a) grande explosão; b) aclive/ascendência; c) clímax; d) declive/descendência; e) saturação; f) caos, que é quando se chega novamente à necessidade de se mudar o paradigma – uma nova grande explosão. E não apenas de aperfeiçoar, maquiar, melhorar o paradigma existente, como a humanidade inteira insiste em fazer. Perpetuando, assim, o caos quase que insustentável em que estamos vivendo muito especialmente nos últimos tempos. Pois os sistemas sociais que temos, notadamente no mundo capitalista, já deram mais do que suficientes provas de sua superação em todos os regimes.

Ou seja, são sistemas, caminhos, formas e estilos de vida que não servem mais a ninguém, frente às especificidades da vida contemporânea e das próprias exigências de um mundo estremamente dinâmico e piperpopuloso.A humanidade passou por vários paradigmas historicamente acumulados que cumpriram suas etapas e se extinguiram no processo natural de evolução. Dentre outros, podemos citar o Paradigma Religioso-Medieval, das concepções, fórmulas mágicas inspiradas e ditadas pelos tenebrosos deuses do universo retratados por monstros e/ou figuras estranhas pelas várias mitologias histórico-antropológicas por nós estudas.

O Paradigma Estrutural-Funcionalista que surge com o advento da Revolução Industrial. Nascendo, com ele, o dogma da disciplina militarmente imposta, a definição da ordem, da hierarquia e dos princípios rígidos impostos pelos detentores dos meios de produção e do capital, a introdução dos modelos científicos de administração, por sua vez centrados nas propostas de Taylor e Fayol, que, analisadas aos olhos de hoje, não passam de um esquema próprio d exploração do homem pelo homem, que se fundamenta na concentração do poder, da renda e do bem-estar material daí advindos.

O Paradigma Judaico-Cristão que aí está, associado à estrutura funcional das organizações e ao dogmatismo religioso da igreja católica, favorecendo à visão do patriarcado, do predomínio do macho, à centralização unificada do poder, da concepção do pecado e da linearidade absurda e antagônica do céu para os bons e do inferno, do fogo eterno para os maus. Ou sejam, aqueles que se rebelarem aos seus princípios e causas.

Que, afinal de contas são os meios para garantir a perpetuação dos benefícios e da riqueza para as elites constituídas, enquanto o povo, a classe trabalhadora tende a viver com as misérias restantes da absoluta ostentação da matéria e do poder com que se garantem as minorias opressoras em todas as dimensões do dito mundo civilizado.Maquiavélica e perversamente a junção destes paradigmas todos leva a grande massa dos seres humanos à uma brutal subserviência aos princípios, valores e dogmas que os constituem e que são, imediatamente, consubstanciados na ação social da igreja, nas leis, nas organizações, escolas, famílias, no Estado, nas normas e nos estatutos das empresas e das escolas e demais instrumentos que, segundo o velho e bom Karl Marx, constituem os aparelhos ideológicos que acabam funcionando a serviço do Estado opressor, manipulando a consciência das pessoas para que elas se adequem facilmente aos modelos de exploração que se reafirmam a cada momento da história, descobrindo, para isso, métodos, técnicas e sofisticados instrumentos de ação e coerção.
Nos meios de comunicação de massa, e, muitas vezes, no fomento da própria arte e da cultura tais instrumentos são absolutamente comuns e não observados pela massa de pessoas que se deixam levar pelo rol das coisas, que muitas vezes são feitas em nome de Deus e do bem para todos. O que deixa como justo e natural a exploração astuta dos trabalhadores, das massas populares, a concentração do poder, da riqueza, do bem-estar e de todos os meios de sobrevivência.

Mas o mais forte, o que conduz na prática a síntese de todos e define as ordens e normas de conduta da vida é o ANTIGO PARADIGMA CARTESIANO-NEWTONIANO. Criado e difundido pelas concepções da física clássica de Isaac Newton e a filosofia de Renée Descartes e que já deu suas profundas marcas de superação. Mas a humanidade continua fazendo todos os esforços no sentido de mantê-lo vivo e presente por meio de sua cultura, seus valores, escolas, universidades, famílias, religiões, instituições de pesquisa, serviço público, etc.As sociedades contemporâneas, infelizmente, ainda não conseguiram identificar o terrível atraso que significa a manutenção de tal paradigma em suas práticas.

O que, na verdade, constitui um crime silencioso contra elas mesmas. Homens e mulheres ainda fogem cegamente da possibilidade de vislumbrar o novo, uma outra concepção de valores. Muitos sabemos que o atual momento já há muito dá suas mostras de uma senilidade absolutamente crônica, de uma anomalia cega e insuperável perante a realidade do homem e do mundo. Mas os que ainda julgam ganhar com isso, impõem drasticamente os seus valores. Pois o paradigma cartesiano-newtoniano (criado por Descartes e difundido por Isaac Newton) é próprio e justo para se ganhar muito dinheiro. Para se acumular poder e fortuna, sendo, claro, também o responsável por muitos avanços na sociedade dos homens, especialmente, no desenvolvimento da técnica, da ciência, do planejamento, das organizações.Mas, terrivelmente, trás um conjunto incomensurável de males, estragos, dores e sofrimentos para a humanidade toda.

Podemos exemplificar neste sentido os imensos cinturões de fome e miséria em volta do mundo, que, por sua vez geram doenças, endemias, violências, guerras, corrupções de todas as ordens. Levando à depressão social, à tristeza, ao estresse, à degradação contínua e rápida da natureza. A total impossibilidade de uma vida com paz, harmonia, decência e alegria de viver para todos, indistintamente. Em síntese, todos os males de que padece o mundo vêm da perpetuação deste paradigma nas ciências, nas práticas humanas e sociais, mas, incompreensivelmente, a mesma humanidade que tanto sofre, tudo faz para que ele não mude.

Pois os que materialmente lucram com ele, impelem a visão ideológica de que é assim que se deve prosseguir e desta forma a história humana se faz, levando o mundo para o caos insuplantável e já visível aos nossos olhos e para, historicamente falando, um muito curto espaço de tempo.

O Paradigma Cartesiano-Newtoniano no máximo camufla uma “pseudo felicidade” para os poucos ricos, os donos, os mandantes, que, cercados de seus badulaques e bijouterias de péssimo gosto. Mas que vivem afugentados e medrosos, temendo que o mundo caia sobre suas cabeças ou se esvaia de sob seus pés a qualquer momento.Na verdade este Paradigma é a junção dos modelos anteriores, modernizada e difundida nos moldes da ciência. É, portanto, um paradigma frio, linear, produtivo, centralizador, exato, preocupado com resultados vistos por uma ótica unilateral, monádica, há muito, fora de contexto, dos propósitos. Um modelo absolutamente capenga e superado como o é a mentalidade da grande maioria das pessoas, e, sobretudo, das nossas brandes instituições.

A nossa proposta é a de transição para adotarmos um NOVO PARADIGMA SISTÊMCO, CONTINGENCIAL, EMERGENTE, HOLÍSTICO. Oriundo das concepções transdisciplinares, da ciência antológica, da visão feminina do mundo, da física quântica, da teoria dos fractais, da teoria geral dos sistemas de F. V. Bertalanffy, Fritjof Capra, Marilyn Ferguson, Waldemar de Gregori, Clotilde Tavares, Humberto Maturana, Francisco Varela e muitos outros. Que difundem em suas concepções científicas, estudos e pesquisas uma visão de mundo muito acima da abordagem cartesiano-newtoniana. Uma maneira de ver e fazer as coisas fundamentada no processo, no prazer, na dotação da alegria, do bem-estar, do compartilhamento, da compaixão, na abertura de horizontes e perspectivas, na co-participação de todos na construção de um planeta e de uma vida melhores, dignos, justos, humanos e felizes para todos.

Enfim, uma nova realidade criada no processo de evolução natural da raça humana, que infelizmente vem fazendo um esforço brutal para não compreendê-lo. Embora por ele suplique todos os dias.Diferentemente, a nova proposta deixa de ser centralizadora absoluta e passa a descentralizar tudo: poder, riqueza, processos de tomada de decisão, participação ativa, acesso aos lucros, às formas de fazer as coisas, o sentimento de estar presente e se fazer importante, numa verdadeira "revolução copernicana" em relação a fatos, fenômenos, e, principalmente, pessoas. É uma proposta que se preocupa em personalizar em vez de padronizar, harmonizar ao invés de mecanizar. É quente, prazerosa, repleta de vida, respeito, beleza, sensibilidade, estética, mística, ações humanas, alteridade, empatia constantes.

Vê infinitos processos e os resultados como um efeito natural e direto destes. Assim, bons processos gerarão bons resultados, sempre, tornando desnecessárias a imposição de limites, a guarda, a punição, a dor, o sofrimento, a punição, a eterna vigilância, a concentração do poder de decidir nas nãos de poucos, a desconfiança geradoras das desgraças humanos em todos os segmentos do mundo de hoje.Para que a humanidade tenha uma qualidade de vida decente, paz duradoura, ar respirável, felicidade, meios de sobrevivência, saúde plena, lazer, educação, acesso e dotação dos meios de sobrevivência (bens, espaço, prazer, participação nas decisões, etc.) é preciso que ela abandone os estreitos limites da visão cartesiana de mundo: fragmentária, mecânica, fechada, preconceituosa, sexista, capitalista e adote a nova concepção global, aberta, flexível, intermitente, calorosa, responsável, afetiva, emocional, inteira, co-responsável . Plena de compaixão, senso ecológico, amor e bondade. Para que todos vivam com amor e alegria. Segurança, bem-estar e qualidade extrema.

Sendo, afinal, o que nós, pobres mortais podemos vislumbrar para que o mundo não seja mais este “vale de lágrimas”, mas uma “passarela sonora, perfumada, cheia de luz, vida, sorrisos e esperanças”. Com corações e almas aliviados, ávidos, contundentes e cheios de amor. E parafraseando o sociológo italiano Domenico De Masi: o ceu existe e consiste em vivermos em paz, comunhão, fraternidade e amor. Mas o inferno também existe , consistindo este na nossa ignorância em percebermos que vivemos na imensidão do paraíso...
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(*) Educador, pesquisador e conferencista nas áreas de educação, gestão de pessoas e formação política. Autor de artigos sobre o tema, incluindo os livros: Paradigmas em educação no novo milênio, Educação alienante existe e Escolas & Hospícios - ensaio sobre a educação e a construção da loucura.