sábado, 26 de junho de 2010

TORCER PELO BRASIL NA COPA: PATRIOTISMO OU UMA ESPÉCIE DE HISTERIA COLETIVA?


Não consigo mesmo entender o povo brasileiro. Ou melhor, não compreendo a forma de pensar e de agir da humanidade inteira. Nos dias comuns vejo as pessoas desesperadas com a dinâmica da vida, a falta de meios, recursos, condições, os problemas, a crise, o sofrimento. Elas temem o futuro, reclamam dos políticos corruptos, dos patrões exploradores, do trânsito mais do que caótico, do calor excessivo, da falência da educação, da saúde pública, das lides do cotidiano. Enfim, enxergam e se ressentem com o atraso, a ausência de valores, de cidadania, de qualidade de vida, etc. Mas ficam cegas e burras diante dos exatos motivos que levam a tudo isto. E, muito pelo contrário, passam a contribuir par e passo com todos os projetos, acontecimentos e ações que levam, de maneira exata e definitiva para este conturbado estado de coisas que tanto as incomoda.

A estrutura do poder fascista é muito inteligente e bem articulada. Consegue brincando, colocar os homens e mulheres comuns, os trabalhadores, as pessoas do povo a serviço de cavarem a suas próprias sepulturas. E quando estão mortos e enterrados nelas, os que ficam, acham que tudo é natural, vontade de Deus, destino, forças externas e ocultas que movem o mundo. E que não se pode lutar ou fazer nada contra elas. Restando apenas a condição patética de aceitá-las e sofrer calado. Para sempre.
Não sabem os coitados, os tolinhos, ingênuos e alienados - pela religião, a escola, a mídia, o esporte, a família - que são eles, de fato, os que constroem o próprio caos. São eles - melhor dizendo, nós mesmos - são os responsáveis pelo poder maquiavélico de poucos. A socialização da miséria para muitos, enfim, os problemas, as dores, os conflitos sociais que levam a vida a padrões quase que insustentáveis. Que se repetem num ciclo vicioso sem fim e que nos leva a sofrer, reclamar, e, em seguida, ajudar da maneira mais inocente (diria eu, imbecil) a reconstruir a mesma coisa, e, assim, durante séculos, milênios...
Eu estava em Goiânia, bem no centro da cidade, na manhã do fatídico jogo do Brasil X Portugal na copa do mundo. Claro que eu já sabia, mas fiquei assustado ao ver a exacerbação absurda, o delírio fanático daquela gente: trabalhadores, camelôs, vendedores, jovens, crianças, idosos, nos momentos que antecediam o começo da partida. Uns usavam toucas verdes e amarelas e saiam gritando pelas ruas palavras de ordem defendendo a vitória do Brasil a qualquer custo, e, de preferência, com uma goleada sem limites, como se fossem loucos furiosos. Outros ofereciam bandeirolas, vuvuzelas, apitos, faixas, bonés, etc.
Os carros passavam em desabaladas carreiras ostentando bandeiras do Brasil, fitas e outros símbolos com as cores nacionais, com músicas num volume ensurdecedor e que se misturavam no tumulto das ruas, praças e avenidas. Assovios, gritos e ovações nos ônibus lotados e que eram prontamente respondidos pelos pedestres que voltavam para suas casas entre pisadas, empurrões, palavrões aos gritos, só para exemplificar o verdadeiro inferno alí constituído.
A loucura da alegria efêmera, barata e passageira que vem para substituir a serenidade de uma vida digna, de um emprego bom e estável, de um governo honesto, sério e responsável. De uma distribuição social de renda que garantisse a todos um mínimo para se viver sem desespero, sem medo, pelo menos. Que é o mínimo que se pode esperar neste momento histórico de evolução do homem, da ciência, da tecnologia e do mundo.
Não sabem os infelizes que, quanto mais o Brasil ganha, mais goleia os adversários, mais as elites detentoras do poder de decidir é que vencem, se fortalecem e mais instrumentos têm para nos explorar, nos oprimir. Por que ganham tanto os jogadores e técnicos, se transformam em mitos, em verdadeiras celebridades instantâneas? Claro que é para criar em você a falsa ilusão de estar na mesma condição que ele. Pois afinal de contas, "conseguimos juntos a vitória, pois somos todos brasileiros e unos..."
Quem será que contribui mais para a sociedade brasileira? Quem chuta a bola e faz o gol que não significa nada no real concreto das coisas, da vida? Ou você que luta, estuda, trabalha, vende coisas, ensina, medica, limpa o chão, lava a roupa, a louça, ou realiza algo, presta seu serviço, sua seu corpo, caleja suas mãos para que as pessoas, de fato vivam um pouco melhor?
É preciso que o povo brasileiro passe a saber que a Copa do Mundo, os campeonatos, os torneios - bem como o carnaval, as novelas, as obsessões religiosas, etc. - são criados e mantidos por quem tem poder e dinheiro, justamente para que eles tenha mais e mais poder, mais e mais dinheiro, aumentando o círculo da exploração e do abuso humano social sobre nós e contra nós. Precisamos sim, desta forma, de ser mais brasileiros e mais patriotas - e não mais, palhaços e bobões - não mais deixando nos levar por esta avalanche de vazios fetiches criminosos, mas sabendo separar o joio do trigo. Ou seja, aquilo que é bom para todos e o que, sendo bom para as elites é péssimo para nós, o povo sofrido que sustenta vagabundos engravatados e protegidos pelo conforto, a segurança, o bem-estar que retiram de nós, gota a gota.
Claro que é legal o jogo, é divertido. Mas não pode ser, em nenhuma istância, o suscedâneo para substituir de forma ilusória, a falta de comida para muitos, de roupas, de calçados, de dignidade, de remédio, de paz para viver. Mas, infelizmente, o absoluto contrário. Temos de deixar de ser bobinhos, algozes, carrascos, inimigos de nós mesmos porque, além de nos explorar e nos matar aos poucos, os que de fato ganham aos tubos com tudo isto, estão rindo de nós, do quanto somos presas fáceis e nos iludimos com seus falsos enganos, como, por exemplo, o grito de gol do fatídico Galvão Bueno. Que nos empurra em cada hausto, em cada respiração a desesperança de trocar por um gol, ou um prato de lentílhas, toda a esperança e a dignidade que deveríamos ser herdeiros em potencial. Do quanto podemos ser explorados, usados e carcomidos, enquanto eles reinam em suas mansões, em seus palácios, nadando em champagne, francês comendo seus caviares da melhor qualidade e fazendo viagens internacionais cinematográficas às nossas custos, enquanto nos fazem de palhaços.
Ouvi do comediante Nelson Freitas no programa do Jô Soares - outro vendido, é claro - uma expressão muito inteligente referindo-se à "cópula do mundo". Muito bom. Achei bem engraçado e espero mesmo que cada um de nós entenda de que lado está e qual a parte do seu corpo está sendo emprestada para esta "cópula universal". Já passa da hora de mudarmos de posição, exirgmos respeito. Para que o prazer seja para todos. E não mais, tão passageiro e fulgaz. Mas justificando a merecida alegria de estar e de permanecer vivo.
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Antonio da Costa Neto