segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

"O amor da gente é como um grão. Uma semente de ilusão. Nasce e cresce trigo. Vive e morre pão." (Gilberto Gil)


Foi-se mais um ano.
E com ele, uma quantidade incalculável de amores.
Cores, idades, alguns amigos, não sei quantos neurônios.
Memórias, remorsos, desvarios, cabelos, ilusões, alegrias, tristezas.
Várias certezas (se não me engano, treze).
Algumas verdades indiscutíveis.
Umas calças que não fecham mais.
E aquele vestido que eu gostava tanto.
Foi-se o meu gosto por espiar vitrines e achar graça.
Foi-se quase todo meu vidro de perfume.
Foi-se meu costume de imaginar asneiras à noite.
Foi-se meu forte instinto de acreditar no que me dizem
e de pensar que são realmente verdades
o que as pessoas que pondero, boas, me ensinam.
Ledo engano...
Foi-se meu açucareiro de porcelana. Que pena.
Foi-se o tempo em que uma simples farra não significava
necessariamente uma condenação
sumária a três dias em perfeito estado de coma.
Foi-se a poupança. O troquinho da gaveta.
Foi-se aquele antigo projeto
e com ele os sonhos de ser, de alguma forma, útil.
Foram-se exatamente nove vírgula seis por cento
de todas as minhas esperanças e bem mais que isto
das minhas vontades de fazer coisas,
de gargalhar, de fazer felicidades.
Será que você não se cansa tempo?
Não pensa em tirar férias, dar uma pausa, respirar um pouco?
Não lhe agrada a idéia de mudar o andamento, diminuir o ritmo?
Em vez de tic-tac, inventar uma palavra mais comprida
para compasso, mantra, ícone, diagrama?
Já vi passar bem mais da metade da minha vida que, me parece,
começou ontem. Por isso, olho pra trás e não vejo quase nada.
Me diz sinceramente: para que tanta pressa?
Anda difícil acompanhar seus passos ultimamente.
Ainda mais agora que meus gestos são lentos,
minhas mãos mais pesadas.
Mas já é dezembro.
Foi-se mais um ano.
E com ele, quem sabe, uma doce fatia da vida.

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(Texto de Adriana Falcão, in O doido da garrafa.
Com complementações minhas que não sou bobo nem nada...)

"Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém. Muitas vezes você tem que aprender a perdoar a si mesmo." (Flávio Gikovati)

DESEJO A VOCÊ - Victor Hugo




DESEJO A VOCÊ (PRA 2011)
Victor Hugo

Desejo primeiro, que você ame, e que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer e esquecendo não guarde mágoa.
Desejo pois, que não seja assim, mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos, que mesmo maus e inconseqüentes, sejam corajosos e fiéis,
e que em pelo menos num deles você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim, desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos, mas na medida exata para que,
algumas vezes, você se interpele a respeito de suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil, mas não insubstituível.
E que nos maus momentos, quando não restar mais nada,
essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante;
não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
mas com os que erram muito e irremediavelmente,
e que fazendo bom uso dessa tolerância, você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você sendo jovem não amadureça depressa demais,
e que sendo maduro, não insista em rejuvenescere que sendo velho,
não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
é preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste;
não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra que o riso diário é bom;
o riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra, com o máximo de urgência,
acima e a despeito de tudo, que existem oprimidos,
injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato, alimente um cuco
e ouça o João-de-barro erguer triunfante o seu canto matinal;
porque assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
por mais minúscula que seja, e acompanhe o seu crescimento,
para que você saiba de quantas muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo outrossim, que você tenha dinheiro, porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano coloque um pouco dele na sua
e diga "Isso é meu",só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum dos seus afetos morra,
por ele e por você, mas que se morrer, você possa chorar
sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você tenha a quem entregar
o seu amor mais doce e mais intenso,
que se amem hoje, amanhã, no dia seguinte...

e quando estiverem exaustos e sorridentes,
ainda haja amor para recomeçar...
E se tudo isso acontecer, não tenho nada mais que desejar a você.

domingo, 19 de dezembro de 2010

"O possível abre o novo. Só o impossível cria." (Rose Marie Muraro)

BRASÍLIA SEMPRE NO MEU CORAÇÃO!...

Brasília é a criança-borboleta. É a libélula que adormece para acordar gloriosa e voar por entre o orvalho, a beleza das flores, a pureza das almas e a bondade das mãos do brasileiro. Homens e mulheres suados, cheios de dor, repletos de calos.
Mas a esperança transcende, ilumina. Molha o olhar longíncuo. Em busca do horizonte.
Que virá...
Brasília que se transborda do verde, que transpira vida. Ai de mim, aí de nós se não fosse você...

Brasília do silêncio e da solidão que são as provas vivas e profundas da presença de Deus.

Brasília, capital mística, mais que gloriosa e de todas as fés.

Brasília, reflexos das infinitas casas de Deus, o senhor das criações.

Brasília feita de luz...

Brasília caleidoscópica. E, por isso mesmo, linda de viver...

Azul de Deus. Só isso...

É a bola que quica, jogada por Deus. Para uma vitória que é muito mais que universal: de todos, indistintamente.

Esperando bênçaos. E, quem sabe, o Menino-Deus para o banho ao nascedouro. Perpetuando natais de luz, de vida e poesia encantando corações de crianças eternas....

Caminhos tortuosos como os que levam à beleza, à sensibilidade, aos louvores à vida. Brasília é assim: fonte, luz, flores, encantamento.

Mãos que se juntam e almas que se encantam... rumo aos céus!

Vela que se mantem acesa iluminando o firmamento. Buscando os caminhos do bem, prestes a serem encontontrados.

Brasília de seres alados de anjos que cantam louvores. Muito mais que necessários para que se preserve a vida.

Brasília que reza e busca bêncãos na magnitude de sua simplicidade, dos antagonismos que se somam mas que não se explicam.
É a razão metafísica de ser o milagre da consumação.
Não, isto não é noite, pois Brasília não a tem. É apenas um momento de poesia, uma fonte de encantamento que nos invade para vivificar a alma que surgirá luminosa e forte para o embate de sempre.
Brasília, síntese de vida e eterna como Deus a fez: pura, límpida, cristalina a escorrer pelos corpos, lavando almas e mágoas...
"Água de beber, água de benzer, água de banhar..."

Velas ao mar, lançadas ao vento. Buscando o infinito que ilumionará homens e destinos. Ordens e decisões que se aproximam e que
sejam para o bem.

Brasília toca o céu. Na tentativa insana de acordar Deus...

Brasília do incontido, do inexplicável que encanta os olhos, a alma. E bem próximo, adornará as ações meteóricas como a vida que nos guarda!!!

"Atos" de paz que inundam a beleza azul de Deus. E que um dia, invadirá o coração dos homens para que a Brasília idealizada e linda passe a ser uma realidade além dos olhos físicos tão frágeis e enganáveis.
A Brasília sonhada que está por vir.

Mas Deus, tudo vê!...

Infinito orgulho chamado desejo de mandar, de poder. De estrangular e, se possível, retirar uma a uma todas as vísceras. E expô-las aos olhos ingenuos. Friamente. Prontas para o banquete...

Casa de índio, de cara pálida. Próximo ao poder. Abençada Brasília de todos. Encantadora casa do Deus-Povo, do Deus nós...

É o navio, é o mar? Meu Deus, Brasília encantou-se!

Pura beleza. Intensa, lúcida, viva como o homem. Feita para inundar os corações. Mas desviou-se para encantar o poder. Ferrenho, brusco, tosco. Ainda...

Uma justiça por hora, cega. Mas se abençoa com a proximidade de Luziânia, não por acaso protegida por Santa Luzia. Milagres ainda acontecem. E a justiça verá.
Veremos!...

Intesidades de luz e de beleza. Outrora vistas como busca e caminho para a imensidade de Deus. Cúmplice de verdades e de encantos.
Que estende a mão e abre as trilhas que aí estão.
Falta-nos segui-las. E, para o quê, precisaremos de olhos outros...
Bendita a beleza que nos cega, embebeda e nos faz delirar.

sábado, 11 de dezembro de 2010

"Quando eu tiver setenta e cinco anos então vai acabar esta minha adolescência." (Paulo Leminski)


Inácio tinha fama de ser mentiroso.

Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo

dois dragões-da-independência

cuspindo fogo e lendo fotonovelas.

A mãe botou-o de castigo.

Mas na semana seguinte ele veio contando

que caíra no pátio da escola um pedaço de lua,

todo cheio de buraquinhos.

Feito queijo.

E ele provou e tinha gosto de queijo.

Desta vez, Inácio não ficou só sem sobremesa

como foi proíbido de jogar futebol duarante quinze dias.

Quando o menino voltou falando que

todas as borboletas da Terra

passaram pela chácara de Siá Elpídia

e queriam formar um tapete voador

para transportá-la ao sétimo céu.

A mãe decidiu levá-lo ao médico.

Após o exame, o Dr. Aristoclides

abanou a cabeça:

- Não há nada a fazer, Dona Culana.

Este menino é mesmo um caso de poesia.

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(Texto de Carlos Drummond de Andrade

devidamente adaptado para a epígrafe do livro:

Anjo sem asas: Tio Inácio cheio de graças, de Antonio da Costa Neto)