domingo, 27 de março de 2011

Certa vez, perguntaram a Albert Einstein como ele achava que seria a Terceira Guerra Munidal. E ele respondeu: " - A terceira eu não sei não. Mas com a escola e a pedagogia que temos por aí, a quarta será, certamente, com paus e pedras."

(Pedro Paulo Olavo de Carvalho)

A ILUSÃO DA EDUCAÇÃO E DA ESCOLA


Ainda somos daqueles que acreditamos na falsa ilusão de que a escola foi inventada, para, de fato, educar as pessoas. Ou seja, uma piada sem graça. E quando eu digo nós, estou me referindo, literalmente, a todos nós, seres humanos. Os ditos “cidadãos civilizados.” Sei que esta é uma afirmação polêmica, perigosa e causa calafrios em muita gente, principalmente dos donos das mentes tradicionais, politiqueiras e vinculadas até o talo com os poderosos, os ricos, os coronéis que ainda nos comandam em todos os níveis. Na verdade mesmo, a escola está aí para, de uma certa forma, “emburrecer” as pessoas. Retirar delas todos os valores criativos, sensíveis, flexíveis, etc.

A escola existe para transformar gente em máquina, mãos em ferramentas. É pelo que aprendem na escola que as pessoas são facilmente exploradas, trabalham muito e ganham pouco, enriquecem ricos, socializam a fome, o desemprego, a miséria. E, no final das contas, acham tudo bom, justo e natural, pois foram, inicialmente, pela educação e pela escola proibidas de pensar, de reivindicar, de questionar as coisas. É assim que a pedagogia instrumental funciona e dá suas respostas muito mais do que eficientes.

É mentira que a educação é um fracasso porque os alunos não gostam de estudar, evadem, destroem as escolas, são violentos, mal-educados, não sabem ler, escrever, contar. A escola que temos foi feita para isto. Porque gente que pensa, que lê, que sabe de tudo isto, é gente que incomoda. Que coloca o governo contra a parede, que revida junto aos patrões, que denuncia injustiças, que não se compactuam com crimes reais ou sociais, como, por exemplo, o BBB da Rede Globo, ou pagar imposto de renda sob salário, ou engolir a falta de comida, hospitais públicos depredados, ou ainda, um salário mínimo que não cumpre, nem mesmo, um quarto do que deveria. Etc. E as pessoas são assim em todas as dimensões do mundo.

Portanto, nossas escolas são um sucesso, pois elas continuam preparando as pessoas, os trabalhadores, os eleitores para elegerem corruptos, para enriquecer mais e mais os que já são ricos, enfim, centralizando poder e renda, bem-estar e meios de vida, e, por conseqüência, condenando as massas ao absoluto contrário. Costumo brincar nos cursos que dou para professores, nas aulas de licenciatura e de formação de pedagogos, que no inferno existe um departamento específico só para os profissionais de educação que dedicaram suas vidas, sem que soubessem disso, à alienação das pessoas, à arregimentação de trabalhadores dóceis, consumidores em potencial, mulheres exploradas, crianças que sofrem e por aí vai.

Mas estou convencido de que, se este departamento existe ele precisa ser ampliado para caber também os pais omissos, os empresários competitivos, os políticos egoístas, burgueses e totalmente letárgicos e pior, regozijam-se com os conflitos, a ignorância do povo. Precisamos acordar enquanto há tempo, pois a única saída correta para a cura, quando a doença existe é o diagnóstico certo.

E é o que devemos fazer, enquanto estamos vivos. E assim, todos os esforços devem ser feitos, especialmente pelos professores, os pedagogos, os diretores de escolas, e, especialmente, as universidades que formam estes profissionais de que precisamos revolucionar com profundidade este fenômeno doentio e criminoso que mancha e entristece a história da humanidade. Respondendo pelas dores e sofrimentos, o caos que assola o mundo. Consideremo-nos avisados. A responsabilidade passa a ser de cada um de nós.

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Antonio da Costa Neto

sexta-feira, 25 de março de 2011

"Durante toda a vida, sempre possuimos apenas o presente, e nada mais. A única diferença é que no começo, vemos um grande futuro adiante e no fim, um longo passado. Quem não tem, portanto, o espírito de sua idade, tem dela todos os males."

(Arthur Schopenhauer)

MARIA DO HERMOGI


MARIA DO HERMOGE

Maria,
menina de pés descalços
sob seixos redondos, macios,
lavados pela água fria, transparente,
doce e calma
que cumpre seu caminho de longas
e vagarosas curvas.
Sinuosas e enfeitadas, pelo capim verdejante,
as flores do cerrado pequeninas e coloridas
como seus dentes miúdos raramente à vista.
Por perto, os galhos secos e tortuosos
são varais para secar a roupa branca e melodiosa,
pois foi lavada sob a harmonia sonora do seu canto
de menina do mato, pura como os pássaros,
leve como borboletas.
Cabelos esvoaçados, bacia na cintura
e os passos largos e rápidos, esbarrando
a saia nos arbustos que margeiam a estreita trilha
que significa todos os dias, sua rota, seu mundo.
Sol a pino, duas da tarde, fome de matar.
Ovo frito, arroz de carreteiro, farofa de couve
picada, fininha, quase como os cabelos verdes de Jurema.
Água fresca da bica agora sacia aquela cantora de dias e noites.
Este é o mundo de Maria, regado de bênçãos e rezas,
Sem brinquedos de menina.
À tarde, ela aprende a ler com a mãe e mestra.
As lições são as da bíblia, sua única cartilha.
Onde aprende com a outra Maria, não mais pura,
a receber visita de anjos, a ser boa menina, exemplar e iluminada.
Maria soletra, divide as sílabas,
como divide as horas, as tardes, a vida.
De noite, Maria dorme, e, criança, sonha com cajus, goiabas,
figos maduros e maracujás furados por pássaros, os mais docinhos.
Mas no sonho, engraçado, não tinham gosto de nada.
Colhe as flores do campo para enfeitar os cachos de sua cabeleira,
Farta, ondulada e até à cintura, como seu pai gostava.
E é só disso que Maria sabe, que Maria vive.
Sua felicidade é plena, é inteira, pois
Maria desconhece as agruras do mundo para além do cercado
ou depois do riozinho de avermelhadas águas.
Sua vida é doce e calma, como as nuvens, as lições do catecismo
e os sonhos catalogados em seu coração,
Um a um: de encontrar um príncipe, num cavalo branco,
ou de ser freira, para viver e morrer dentro daquele hábito lindo,
santificado, dedicado a Deus.
E assim ela cumpre seus dias repletos de cajus coloridos,
flores, estrelas e magias que inventa.
Seu sorriso raro são asas que voam rumo à felicidade,
a paz, a alegria
que faz Maria viver para sonhar...
sonhar... sonhar...
Marianamente e sempre.
Ave, Maria!

domingo, 20 de março de 2011

"Caminhar fica tão chato quando se aprende a voar." (Mônica Feijó)

BRASIL, CARNAVAL, FUTEBOL, VAGABUNDOS E OUTROS HERÓIS


Desde muito antes de eu nascer, e olha que já faz um bom tempo, já se repetia a plenos pulmões que éramos o Pais do futuro. E que para alcançá-lo, precisávamos nos desenvolver, crescer, aprender coisas, preparando-nos, enfim, para uma outra posição, uma outra forma mais crítica e autêntica de ver o mundo e suas relações. Sendo mais sensíveis, mais persuasivos. E por que não dizer? Mais inteligentes. Contudo, à revelia de tantas escolas, universidades, institutos de pesquisa, ciência, tecnologias, bibliotecas, internet, etc. parece-me que estas são coisas que se negam a acontecer.
Quando nós, brasileiros, já passamos dos 500 anos do seu famigerado e mentiroso descobrimento – o que faz parte das estratégias de exploração da Europa burguesa sim, mas nem tão burra do Séc. XVI – ainda continuamos, a bem da verdade, os mesmos cidadãos simples, ingênuos e exploráveis como os nossos índios. Se bem, é claro, de uma forma muito mais sofisticada, abrangente e que beneficia aos de fora, à economia internacional, aos ditames do primeiro mundo, enquanto continuamos aqui a ver navios, sertões ou cerrados que desaparecem dia a dia para dar lugar à soja. A que se presta, principalmente à exportação e ao enriquecimento dos grandes capitais, num ciclo vicioso de exploração e miséria que ninguém vê ou dá o grito de basta!
Dizem que quando Cabral aqui chegou, com a sua quadrilha, fazia frio. Então, para agradar e conquistar nossos índios, ele passou a presenteá-los com grossas japonas, casacos e cobertores que fizeram a alegria dos nossos nativos. É uma pena, pois se fizesse calor seria ao contrário. Os índios é que tirariam as roupas dos portugueses e, como quem é agraciado por mim cumpre o meu desejo, teríamos catequizado toda a trupe de invasores e feito valer os nossos direitos, cultura e costumes. Alguns historiadores – os bonzinhos, simpáticos e medrosos – consideram este fenômeno como nossa saga, nossa má sorte. Mas acho isto uma grande covardia. Pois penso mesmo que se trata de algo muito bem pensado pelos portugueses, a quem nos acostumamos a chamar de burros. O que, mais uma vez abre as comportas para a exploração fácil e máxima que se dá até hoje. E depois, os burros são eles.
Mas, trazendo tudo isto para a atualidade, quando ainda não evoluímos intelectual e politicamente para entender a fundo o que se passa. Tais fenômenos se transportam para dentre muitos outros, para o carnaval e o futebol. E, segundo os princípios da moderna antropologia, quem tem um carnaval tão maravilhoso como o nosso e, ao mesmo tempo, um futebol tão exuberante, dificilmente terá tempo, chance e forma de se evoluir. E, claro, não é por acaso que o governo investe tanto nos dois. Criando sambódromos, financiando desfiles de escola de samba, bailes populares e promovendo torneios, olimpíadas internacionais, copas do mundo. E fazendo dos jogadores mitos extremos que acumulam fortunas mirabolantes em curtíssimos espaços de tempo, como se fossem, as celebridades mais importantes do mundo, muito contribuindo para que a vida melhore.
É que a ilusão da alegria extrema e efêmera, de ser rei ou rainha por um dia, de atravessar a avenida com esplendor dos deuses, apaga da alma o sentimento de dor, de carência, de miséria e de todos os males que nos atingem dia a dia. A cabala do prazer, do lúdico, do brilho frente aos milhões que nos assistem tem um poder psicológico absolutamente mágico que tudo apaga e tudo consome. Aí vem a competição, o desejo louco de ganhar, restando, apenas a magra iniciativa de começar tudo de novo para o ano que vem. E assim, sempre.Até que a vida se acabe é tudo é considerado como bom, justo e legal.
E o mesmo se dá com o futebol, quando vibro com aquele jogador meu parceiro, irmão, filho da mesma pátria e que, não raro, e por estratégia de uma mídia política escandalosamente criminosa, veio de baixo, saiu do morro, da favela, da fome e se torna neste mito extremo, rico, importante, a quem todos veneram com a densidade máxima. Como se seus feitos, seus gols resolvessem os problemas cruciais da comida, da habitação, da saúde, do lazer, do trabalho, da cidadania. De forma inconsciente, nós introjetamos a realidade deles, a parte boa das coisas e passamos pela lenda de sermos ricos, milionários, famosos torcedores, nos esquecendo que somos anônimos, sofridos e, muitas vezes considerados como vagabundos e marginais. Afinal, continuamos ainda sendo tolos demais, manipuláveis ao extremo.
E quando as duas coisas se juntam e o Ronaldinho Gaúcho dança desengonçado na Portela e exibe uns passos na Mangueira, levando as multidões ao delírio com aquela cara feia, aquela boca dentuça e aquele “samba” da pior qualidade? Tanto que é preciso renovar todo o quadro de segurança, alterar o cronograma de horários dos desfiles, trazerem pavilhões de soltados armados para garantir a segurança de quem, a bem da verdade, além de cínico, desonesto e esperto, nunca fez nada a não ser por ele mesmo, seu status, sua fortuna. Dizendo em todas as entrevistas que não joga por dinheiro, mas pelo prazer de jogar. Se achando o bom, o bacana, o máximo. E nós, o que é pior, ainda acreditamos.
E por osmose, elegemos para o Congresso Nacional Romários, Bebetos e tantos outros que estão na mesma linha do cinismo nacional. Que nos fizeram rir, chorar, sofrer e sonhar com vitórias e derrotas, que são transmitidas para dentro de nossos seres. Enquanto tudo continua do mesmo jeito, persistindo os mesmos males. Condenando-nos ao sofrimento, para continuarmos a mercê destes que são os ídolos do vazio, da negligência, da mentira, do nada.
Ah! Ia me esquecendo, elegemos também o Palhaço Tiririca. Mas pensando bem, palhaços por palhaços, nós elegemos muitos. Quase todos. Este, pelo menos, trás uma história de vida digna de pobreza, luta e de um ganha pão, senão de qualidade extrema, mas pelo menos honesto e divertido. Sendo, também, a cara de um Brasil semi-analfabeto, aniquilado, desdentado e pobre. Este talvez possa, de alguma forma, fazer a diferença. E por incrível que pareça, a eleição do Palhaço Tiririca pode ser, talvez, a prova contundente, ainda que aparentemente antagônica de que, mesmo sem querer, nós estamos começando a evoluir. O que, sem dúvida, já não era sem tempo.

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Antonio da Costa Neto

terça-feira, 1 de março de 2011

"Não sofro por ser poeta. O que dói é ter a visão exata da humanidade." (Ubirajara Galli)

D. LUIZA MESTRE




Impossível listar três ou quatro alegrias da infância
sem esbarrar em D. Luiza Mestre.
Negra bonita, altiva, magrinha, delgada, fidalga mesmo.
Com suas canelas finas, compridas que não acabavam mais.
Era a última da geração das paneleiras,
desde sua bisavó, avó, mãe, irmãs
todas as mulheres da família eram feitas do barro
e dele faziam a vida.
E com ela, grandes panelas, bacias, tigelas, canecas...
Tinha uma boca carnuda, típica.
Sua cara enfeitada com grossos brincos
que faziam par com o colar de ouro, de contas, longo, com
duas voltas naquele pescoço maravilhoso de girafa.
D. Luiza Mestre, lá de Silvânia, morava na mesma casa
onde ainda hoje, mora D. Santa...
Esta casa tem é sorte...
é por isso que eu sempre gostei de ir lá.
Pra comer o bolo de fubá fofinho que ela me dava.
Sempre com seu casaquinho e o turbante
na cabeça que nunca envelheciam,
durante décadas.
E só agora que eu fui desconfiar que ela os refazia
e com isto enganava todo o mundo.
Gastei cinquenta anos para descobrir isso.
Quando eu passava na rua e ela na janela
já ria desconfiada com o canto da boca
sabendo que ia me agradar com doces,
mangas, limas-de-bico ou laranjas-cravas.
(ela dizia).
D. Luiza Mestre tinha uma jabuti mais velha do que ela,
de quem pintava as unhas de vermelho.
Rezava de noite a Ave Maria
e ficava esperando que Brazuca,
respondesse a parte final.
E não é que ela respondia? Hum!
A sua dona até já conhecia a voz da bichinha.
Depois do terço bem rezado, ela embrulhava
a Brazuca num pano colorido e a colocava
do lado da cama, debaixo do seu cobertor.
E as duas dormiam juntas, num amor divino,
sonhando os mesmos sonhos que uma contava pra outra
na manhã seguinte.
Eu gostava de passar na casa dela depois das seis da tarde,
pois, sempre, ela estava no seu escalda-pé
de água quente, sem o quê não dormia um minuto.
O que era mesmo uma bela mania.
Aí, eu sozinho no quintal,
jogava as limas e laranjas para meus amigos na rua.
Eles não iam na casa de D. Luiza,
porque eu, esperto, menti pra eles que ela comia crianças.
(Mas era pra eu sozinho ficar
com as laranjas, as limas, os doces, os bolos).
Não era atôa que eu era discípulo de D. Luiza Mestre,
pra deixar de ser bobo e a dar meus golpes benígnos.
Que saudade!
Quando D. Luiza Mestre morreu, naquela tarde ardida de agosto,
D. Maria do Valdemar que tomou conta de tudo,
arrumou caixão, pagou a missa e tomou todas as providências.
Depois do enterro, ela limpou a casa sozinha.
Trancou a porta, suspirou fundo e levou a Brazuca pra casa,
que foi, debaixo do braço, de pescoço comprido e desconfiada.
E está lá até hoje, mesmo sem rezar terço
e ter a quem contar seus sonhos.
Pois, D. Maria não é mulher de coisas assim.
Só para bondades outras.
E por isso, ela ensinou com maestria à Brazuca,
a enganar a morte e fazer como fez:
viver mais de um século fazendo felicidades.
Ela ensinava a não morrer.
E como D. Luiza Mestre, no meu coração,
ela está viva hoje e para sempre.
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(Antonio da Costa Neto)