sexta-feira, 29 de outubro de 2010

"Ah! se a gente pudesse se organizar com o equilíbrio das estrelas, tão exatas nas suas constelações. Mas parece que a graça está na meia-luz. Na ambiguidade."

(Lygia Fagundes Telles)

GANHEI CORAGEM - RUBEM ALVES


Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente
tem coragem para aquilo que ele realmente conhece,
observou Nietzsche.
É o meu caso.
Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
"Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente. Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei:
"O povo unido jamais será vencido",
é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:
a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio;
o fato é que a vontade do povo,
além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo,
na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas,
Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras idéias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo,
Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos.
E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas.
Comprou-a e disse: "Agora você será minha para sempre."
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces; a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo.
O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante,
no seu livro "O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais. Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições,
dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.
O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa,
de Nietzsche, de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e a engolir sapos
e a brincar de "boca-de-forno", à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
- "Caminhando e cantando e seguindo a canção..."
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.


Rubem Alves - educador, escritor e psicanalista, doutor em Filosofiae professor emérito da Universidade Estadual.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

"Mediocridade mesmo é a arte de não ter inimigos." (Rogger Mclay)

A FUNÇÃO DO ORGASMO DE WILHELM REICH


RESENHA BIBLIOGRÁFICA COMENTADA
DE:
(*)A FUNÇÃO DO ORGASMO:
problemas econômico-sexuais da energia biológica
DE:
WILHELM REICH

POR:

(**)ANTONIO DA COSTA NETO

“Nem tudo é inconscientemente anti-social e nem tudo é conscientemente social. Pelo contrário, há atributos e impulsos altamente louváveis e culturalmente valiosos que precisam ser reprimidos em função de considerações materiais; assim como também há atividades fraglantemente anti-sociais que são compensadas socialmente com fama e honra.”

“O que mais irrita em tudo isto é a ostentação da objetividade científica. Quanto mais o indivíduo se encontra preso na rede das conveniências, mais afirma que é um cientista objetivo. E esta ciência objetiva é uma enorme e pesada rocha presa ao pescoço de uma humanidade que está se afogando.”


I – O AUTOR E SUA OBRA

Nascido em 1897 numa cidade de fronteira do então Império Austro-Húngaro, Wilhelm Reich perdeu os pais ainda adolescente e teve que cuidar da fazenda da família na Bucovina, região hoje dividida entre a União Soviética e a Romênia. Ali também, observando insetos e plantas, desenvolveu a sua paixão pelas ciências naturais. Prestou serviço militar ativo durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), combatendo na Itália e depois, foi estudar medicina na Universidade de Viena.
Na época, Sigmund Freud ainda provocava enormes escândalos com a sua teoria sobre a libido, segundo a qual a procriação não é a única meta da sexualidade. E esta, sem ser sinônimo da genitalidade, inclui experiências traumáticas que, recalcadas, produzem as neuroses.
Convencido de que a sexualidade era o centro gravitacional da vida, Reich passa a trabalhar como analista, e, apoiado por Freud, dirige seminários de técnica psicanalítica. No entanto, reconhecendo uma base política e econômica nas neuroses começa a distanciar-se de Freud. Na década de 20, não se preocupa mais em fazer o paciente reviver traumas da infância, mas eliminar a “couraça”, ou seja, suas resistências, organizadas numa “estrutura caracterológica”- soma de reações mentais e musculares que uma pessoa constrói para bloquear emoções e sensações, resultando na sua maneira típica de agir.
Assim nasce seu mais célebre livro, “A função do orgasmo”(1927), onde explica como podem ser dissolvidos estes mecanismos de defesa causados por uma educação repressiva e por proibições morais, a fim de liberar a energia sexual. Ao praticar a análise caracterológica junto a classes sociais mais modestas Reich pôde perceber a existência do que chamou de “miséria sexual”: nenhuma informação sólida nem propaganda dos meios de concepção; mulheres pobres temendo engravidar, muitas delas morrendo de abortos clandestinos; crianças nascendo indesejadas.
Quanto mais ele mede a amplitude da miséria, mais se inclina para a ação política. A partir de 1927, já inscrito no Partido Comunista Austríaco, abre clínicas gratuitas de aconselhamento psicológico e sexual, com enorme afluência de operários e estudantes. Ao mesmo tempo vai elaborando sua crítica da ideologia capitalista e burguesa, e, em particular, da estrutura repressiva da família.
Essa mistura de psicanálise e marxismo desperta a fúria das instituições diretamente atingidas – a igreja, o governo, a sisuda Associação Psicanalítica de Viena – e também, causa inquietação no PC. Assim, em setembro de 1930 Reich muda-se para Berlim, onde dá continuidade ao seu trabalho de proselitismo. Publica em 1932 “A luta sexual dos jovens”, elogio apaixonado da Revolução Russa e de suas inovações quanto à legislação familiar e social que o stalinismo poria de lado. Em 1933, quando surge sua obra “Psicologia de massas do fascismo"uma notável análise dos motivos da ascensão de Hitler, a ruptura com a ditadura democrática soviética já é total.
Excluído do partido, ele emigra; vive na Suécia e depois na Noruega, dando conferências, mas por essa época já parece mentalmente abalado. O Wilhelm Reich que chega aos Estados Unidos em 1939, para nunca voltar à Europa. Não é mais o brilhante discípulo e depois dissidente de Freud, nem o pioneiro da educação sexual em massa, nem o pensador que encontrou uma origem social nas neuroses, mas um doente cuja razão vacila e que se sente perseguido por todos. Leciona para classes lotadas na New School for Social Research, de Nova York, até 1941.
Mais tarde, certo de ter podido isolar quimicamente a energia sexual (“o orgônio”), fabrica estranhas caixas (“os acumuladores de orgônio”), que, segundo ele, podiam detectá-la e transmiti-la curando doenças desde o câncer até à esquizofrenia.
Por causa da comercialização desses aparelhos foi condenado em 1957, a dois anos de prisão e teve todos os seus livros proibidos no território americano. Cumpriu oito meses da pena num presídio da Pensilvânia, onde morreu em 3 de novembro de 1957.
Como é transparente em “A função do orgasmo – problemas econômico-sociais da estrutura biológica”, o discurso de Wilhelm Reich sobre a sexualidade se vincula sempre à condição sócio-econômica. Ele intuiu genialmente que as revoluções culturais de nossa época constituem, no fundo, uma luta pela liberação sexual, tal como se expressa no lema “faça amor, não faça guerra”. Sua obra absolutamente notável e fantástica é uma arremetida contra o medo e um apelo ao prazer de viver.


II – SINOPSE DA OBRA

Devemos entender as funções bioenergéticas da convulsão orgástica e o que fazemos quando ela é contrariada ou negada. O tema sexualidade tem atravessado todos os campos da pesquisa, descobrindo termos, como por exemplo, economia sexual, concebido com grande dificuldade, como um conceito que pretende abarcar um novo campo científico: a investigação biopsíquica, levando à compreensão e a dominação do processo sexual livre das repressões sociais e da chaga humana que dá origem a todos os tipos de ditaduras.
A saúde psíquica depende da potência orgástica – ou a excitação sexual natural e da capacidade humana para o amor. As enfermidades neuropsicóticas são o resultado de uma perturbação advinda da incapacidade de amar, tornando-se fonte de ações irracionais como conseqüência do caos sexual da absoluta maioria das pessoas. Criando, assim, uma sociedade mecanizada, autoritária e dependente.
As energias vitais estão ligadas a uma compulsiva moralidade, criando indivíduos com uma atitude negativa diante da vida e do sexo e que contraem sua ânsia de prazer apoiada em espasmos musculares crônicos produtores de ditadores. É a essência do medo de uma existência independente e orientada para a liberdade, alienando o homem da vida e tornando-o hostil a ela, o que encontra o seu auge com o desenvolvimento do patriarcado.
No trabalho, o prazer vem sendo substituído pelo dever compulsivo e a catástrofe que estamos vivendo é a conseqüência última desta alienação da vida, com a formação de massas no sentido de serem cegamente obedientes às autoridades, o que não se deve ao amor fraternal, mas, sobretudo, à autoridade da família. Assim, a supressão da sexualidade nas crianças e nos adolescentes é a principal maneira de se obter esta obediência doentia.
A democracia verdadeira e a liberdade baseada na consciência e na responsabilidade estão condenadas a permanecerem como ilusão enquanto não for liberada a satisfação sexual biológica e natural, mantendo uma sujeição sem remédios; as condições sociais caóticas continuarão a caracterizar a existência humana. Permanecerá a destruição da vida por uma educação coercitiva, pela guerra, os rigores da perturbação social e todas as turbulências. .
Sexualidade e angústia são funções do organismo vivo que operam em direções opostas: expansão agradável e contração angustiante. A fórmula do orgasmo está na base desta relação: “tensão mecânica/carga bioelétrica/descarga bioelétrica/relaxação mecânica”, cuja supressão abriu novos caminhos para o problema do câncer, da depressão de um sem número de perturbações e doenças comprovadamente oriundas da vida vegetativa. A causa imediata de muitos males pode ser determinada pelo fato de que o homem é a única espécie viva que não satisfaz a lei natural da sexualidade: o processo sexual expansivo do prazer biológico, e, por si, o processo vital produtivo.
A vitória das ditaduras deve ser atribuída à enfermidade psíquica das massas que não são capazes de controlar quaisquer das formas de democracia nem econômica, nem social, nem psicológica. A distorção da sexualidade natural – de conformidade com os instintos individuais, quaisquer que sejam – e a sua supressão inicial nas crianças e nos adolescentes são condições humanas universais na dita sociedade civilizada, transcendendo todas as fronteiras. A elucidação da função do orgasmo, particularmente, nunca foi bem recebida pelos grupos científico-profissionais e político-culturais de todos os tipos, pois a dominação da humanidade está intimamente ligada a tal processo. Para Freud, a libido é o impulso emocional em busca da satisfação, o que não foi compreendido nem pelos simpatizantes, nem pelos inimigos da psicanálise. A libido é como a eletricidade, não sabemos o que ela é e nem de onde vem. Os eunucos desenvolvem um sadismo singular que não era encarado como problema. Após a puberdade a sexualidade está totalmente desenvolvida, o que leva a sociedade a se apressar em desenvolver inúmeras técnicas de “castração” do indivíduo, evitando que ele a obtenha, facilitando, assim, a sua dominação completa ao longo dos tempos. A ditadura totalitária que está igualmente nas igrejas, nas instituições acadêmicas, entre os comunistas e os governos, é uma tendência humana universal causada pela supressão do direito ao prazer, do direito à vida. A educação autoritária, no real e no simbólico (imposições, disciplinas, horários, uniformes, etc.) constitui as bases psicológicas das massas populares de todas as Nações, para a aceitação e o estabelecimento da ditadura moderna, pois o povo ensinado a ser cegamente fiel, se privará dos seus próprios direitos, matará o que lhe dá liberdade e fugirá com os ditadores. A lei deve ser íntima e não, exterior. É mais fácil exigir disciplina e impô-la do que ensinar a ter prazer no que se faz. É mais fácil insistir na satisfação legal do respeito e do amor do que conquistar a amizade por meio do comportamento bondoso.
Outro aspecto importante é o relacionado a uma sociedade machista instituindo que a célula seminal masculina é mais forte e mais ágil e os animais machos seriam maiores e mais fortes e belos do que as fêmeas. E também, freqüentemente, mais coloridos e atraentes ou providos de chifres para serem mais capazes nas lutas. Argumenta-se que as formigas operárias eram assexuadas para poderem realizar melhor o seu trabalho e a natureza se organizava para atender este e aquele propósito. Assim, tensão e relaxação sexual eram atribuídas a diferentes instintos especiais: de propagação da fome, de exibição do poder, de afirmação pessoal, de preservação do instinto maternal, evolutivo, cultural, de grupo, social, egoísta, altruísta, em direção à dor, masoquismo, sadismo, de fantasia e o pior de todos, sem dúvida: o instinto moral.
A verdadeira e secular luta pela democratização da vida baseia-se na autodeterminação, no trabalho agradável, na construção coletiva de normas e regras e na alegria terrena do amor. Há esforços em toda a parte no sentido de transformar a democracia formal em uma mais autêntica, com a participação efetiva e não, simbolicamente representativa de todos os seres humanos que labutam por uma autonomia adaptada à organização natural do trabalho. No campo da higiene mental a primeira e principal tarefa consiste em substituir o caos sexual, a prostituição, a literatura pornográfica e o tráfico sexual pela felicidade natural no amor protegido pela sociedade, o que não implica em destruir a família e nem minar a sua moralidade. A família e a moralidade já estão minadas pela sua própria moral compulsiva . Estamos enfrentando a dura tarefa de dominar as doenças psíquicas causadas pelo caos social e familiar. A nossa terra jamais encontrará a paz duradoura e procurará em vão satisfazer a prática da organização social enquanto políticos e ditadores de qualquer partido, ignorantes e ingênuos continuarem a corromper e a liderar nossas massas populares sexualmente doentes. A organização social do homem tem a função natural de proteger o trabalho e a satisfação natural do amor que têm sido subordinadas às pesquisas científicas e ao pensamento lógico. Conhecimento, trabalho, prazer e amor são as fontes de nossas vidas e deveriam também governá-las e a responsabilidade total deveria ser assumida pelos homens e mulheres que trabalham.
A higiene mental em escala exige o poder do conhecimento contra a ignorância; o poder do trabalho virtualmente necessário contra qualquer forma de parasitismo, quer seja de interesse econômico, intelectual ou filosófico. A visão científica racional da vida exclui a ditadura e exige a democracia racional do trabalho, o poder social exercido pelo povo, produzido pelo amor natural à vida e pelo respeito ao trabalho executado, o que requer massas trabalhadoras psiquicamente independentes e o que impede isto é a neurose psíquica da multidão que se materializa em todas as formas de ditadura e tumulto político.
Esta estrutura social requer a verdadeira democracia que não é uma condição de liberdade que passa a ser oferecida por um governo eleito e totalitário. A verdadeira democracia é um processo longo e difícil e não, uma manifestação acabada; nela o desenvolvimento será contínuo e impossível de ser interrompido; o senil dará lugar ao jovem e novo, em vez de reprimi-lo apelando para a autoridade convencional.
A tradição é importante para se conhecer as boas e más experiências e capacitar para aprender, senão, ela será a ruína da democracia, negando às gerações mais novas a possibilidade de escolhas e ditando o que deve ser encarado como bom e como mal. Os tradicionalistas se esquecem que, há muito, perderam a capacidade de decidir.
O caráter político irracional deve ser substituído pelo domínio racional do processo; o que exige uma progressiva, auto-educação do povo em direção à liberdade responsável, em vez da suposição infantil de que a liberdade deve ser recebida como presente. Neste processo, a psicanálise foi um soco na cara do pensamento convencional. Ela considera a ação consciente apenas uma gota comparada ao mar do inconsciente do qual você nada pode saber – e tem medo de saber. Você é um brinquedo na mão do seu próprio inconsciente.
O homem tem que insistir material e psiquicamente em uma sociedade que não segue qualquer modelo preescrito e tem de defender-se: a vida diária o exige. Por ora, aquele que se afasta do caminho comum e se torna um visionário é considerado um doente mental. Quem se livra das fileiras cerradas da turba humana não é compreendido, as pessoas riem dele quando está fraco; tentam destitui-lo quando está forte e é condenado a desencadear a sua própria ruína. Este é o destino de quem tenta se libertar das fileiras cerradas de uma ciência autorizada e do pensamento linear, elitista e pré-estabelecido como dogma. A teoria científica convencional é um ponto de apoio, uma alavanca no caos dos fenômenos vivos. Para quem voa, é uma altitude de milímetros, quão miseravelmente parece que os carros se arrastam lá embaixo. A busca do recomeço é para muitos considerada a loucura, que para Freud é a tentativa de construção do ego perdido.
Todos somos de certa forma uma máquina elétrica organizada e relacionada com a energia do cosmos, numa eterna consonância entre o mundo e o eu, como tal relação é, no geral, altamente negativa e a profundidade do doente mental é humanamente muito mais valiosa. A miséria do sujeito não-convencional e fora da sintonia com a vida cotidiana: um sonhador, um ocioso, os demais são diligentemente encaminhados para a escola e o trabalho e riem do sonhador. Para ele, a vida de todo o dia é estreita e exige um método rígido. Temendo o infinito o homem prático se tranca em um pedacinho da terra e procura segurança para a sua vida, ele cumpre o seu dever e acredita ter a sua paz.
Pensar é muito cansativo e perigoso e o homem prático torna-se cada vez mais impotente e tem uma autoconfiança fascista; é um escravo, um ninguém, mas sua raça é pura e nórdica, sabe que o espírito governa o corpo e que os generais defendem a “honra”. Os ideais são só para os tolos.
Todo e qualquer sintoma deve desaparecer quando seu significado inconsciente tornar-se consciente. Freud explicou que o sintoma pode, mas não tem que desaparecer se seu significado tornar consciente e analisou a tensão sexual como algo agradável e as demais tensões são desagradáveis. Tensão/relaxação causaria prazer, sendo o instinto o aspecto motor deste mesmo prazer, assim, prazer orgástico e sensações táteis levam ao prazer como um componente ativo-motor. Reich complementa este raciocínio com a teoria do inconsciente dos processos somáticos, segundo a qual se alguém contraísse um câncer era a fim de que inconscientemente o desejava como processo de compensação de algum outro aspecto vital o que Freud analisou como a etiologia das neuroses e psicoses e os psiquiatras se recusavam a tomar conhecimento disto e se excediam em ridicularizá-lo.
A hipocrisia sexual do ambiente do psicótico é um delírio de sujeiras e anti-sociabilidade e por esta ótica, para poderem existir, as pessoas têm de renunciar aos seus próprios interesses vitais e adotar formas artificiais de vida. Os psicóticos se consideram certos e não, os outros.
Se alguém conhece realmente a terrível angústia das crianças pequenas que são proibidas de masturbarem-se, então entenderá o semelhante comportamento do paciente neurótico. Ele desiste do mundo e passa a criar um outro mundo irracionalmente governado. Graças ao conhecimento da teoria da sexualidade infantil e da repressão dos instintos pode-se ter uma melhor compreensão interna dos pacientes psicóticos. Toda enfermidade ou manifestação psíquica tem uma causa física – materialismo mecanicista. O psíquico e o somático são dois processos paralelos que exercem efeitos recíprocos de um sobre o outro.
Mesmo na psicanálise o conceito de caráter não estava livre das avaliações morais. Havia o estigma do caráter anal e do caráter oral e Freud havia mostrado uma infinidade de modalidades desenvolvidas na infância. Dizia-se que o tratamento psicanalítico requeria certo nível de organização psíquica do paciente e que para muitos não valeria a pena, limitando o tratamento a sintomas neuróticos circunscritos a pessoas inteligentes, capazes de livres associações e possuidoras de caráter “corretamente desenvolvido”, era o conceito feudalista da psicoterapia.
Com a criação de clínicas psiquiátricas públicas e para pessoas pobres, começou-se a difundir a idéia de que a neurose é uma doença da massa, uma epidemia, e não, um capricho de mulheres mimadas. Porque o analista conseguia curar um paciente e não outro, também era uma questão de primeira grandeza. Se soubéssemos o porque, poderíamos “selecionar” melhor os pacientes.
Pacientes perturbados mentalmente se encontravam, em absoluto, fora da cidade. Ações compulsivas, comas histéricos e impulsos homicidas, no caso de pessoas abastadas, socialmente inofensivas, assumiam, no caso dos pobres, um caráter absurdo e perigoso, considerados como criminosos e perversos, quando se tratava de operários e empregados.
Os marxistas diziam que a etiologia sexual da enfermidade psíquica era um capricho burguês, apenas a “necessidade material” que produzia a neurose e viam a neurose como um capricho de senhoritas burguesas.
As neuroses da população operária carecem muito simplesmente do refinamento cultural. São cruas e ásperas revoltas contra o massacre psíquico a que todo mundo é submetido. O cidadão próspero suporta sua neurose com dignidade, ou manifesta-a materialmente, de uma ou outra forma. Entre as grandes massas da população que trabalha a neurose se manifesta com toda a sua deformidade trágica.
Categorias de neuroses ou enfermidades psicóticas – estágio transitório entre a neurose e a psicose que a pessoa quer livrar-se pelo exagero de ações impulsivas, como produto de uma atitude contraditória e brutal. Os neuróticos compulsivos e os pacientes histéricos foram educados desde tenra idade de forma absolutamente anti-sexual. Na primeira infância não tiveram orientação sexual e se tornaram prematuramente ativos e foram punidos com brutalidade. Assim, a punição se torna um eterno sentimento de culpa sexual: o ego defende-se contra a consciência exagerada, reprimindo, da mesma forma, os desejos sexuais.
Nestes tratamentos, a satisfação sexual inibe os instintos psicológicos e os impulsos anti-sexuais perversos, o que requer um trabalho de análise do caráter do paciente. Era nova a idéia de que os impulsos perversos fossem ampliados pela perda da função sexualmente normal. Dizia-se que a sexualidade anal dos pacientes neurótico-compulsivos era causada por uma forte pré-disposição herógena da zona anal que determinava a tendência de estados depressivos. Presumia-se um erotismo particularmente forte da pele que se encontrava na fantasia masoquista de apanhar. O exibicionismo era distribuído por uma erogenicidade especialmente forte dos olhos; um erotismo muscular exagerado que passava a ser responsável pelo sadismo.
A ação anti-social depende da perturbação genital, levando-a aos instintos parciais isolados. Toda zona herógena (boca, ânus, genitália, pele, etc.) tem um instinto parcial correspondente, como por exemplo, o prazer de olhar, o prazer de apanhar, o prazer de bater. Segundo Freud, as meninas têm apenas uma sexualidade, a clitoriana e não experimentam o erotismo genital na primeira infância. Enquanto que para Reich os impulsos sexuais pré-genitais aumentam com a impotência e diminuem com a potência, o que se vincula com a relação com pai e mãe. É possível que aos cinco anos o garoto possa desejar oralmente a mãe e a menina pode desejar o pai de forma oral ou anal. As relações das crianças com os adultos podem acontecer de formas variadíssimas. Portanto, a fórmula de Freud: “amo meu pai ou minha mãe ou odeio meu pai ou minha mãe”, era apenas o começo, a ponta de um iceberg de tamanho e proporções descomunais.
Um menino que tivesse uma relação genital plenamente desenvolvida com a mãe, teria muito maior facilidade de estabelecer uma relação genital com uma mulher do que o menino que tivesse amado a mãe apenas de uma forma genital e perversa. No primeiro, bastaria afrouxar a fixação, já o segundo teria assumido características passivas ou femininas. A mesma razão se segue com as meninas que tivessem uma atração vaginal ou anal pelo pai ou tivesse desenvolvido uma posição sádica masculina. O prazer pré-genital e o prazer genital constitutivos da teoria de Reich só são avaliados a partir de tais pressupostos.
O garoto que assiste ao parto da mãe e vê aquele espaço vazio e sangrento entre suas pernas, ficará psicologicamente castrado, sendo induzido a não ter nenhuma ereção, tendo um sentimento de vazio dos órgãos genitais, retração da energia biológica, frieza emocional e morte dos genitais. Freud afirmava que neurose e angústia eram resultados da abstinência sexual ou do “coitus interruptus” – trazendo dores nas costas, dores na cabeça, irritabilidade, perturbações de memória e da concentração, chegando, muitas vezes à histeria e à neurose compulsiva.
A emoção tem origem nos instintos, portanto, no campo somático, então qual é a relação entre o físico, o não-físico e a excitação? Conclui-se que a neurose estática é uma perturbação física provocada pela excitação pessoal inadequadamente resolvida; insatisfeita, o que Freud descreveu como repressão neurótica aos mecanismos infantis. Os que estão psiquicamente doentes precisam de uma só coisa: uma satisfação genital plena.
Na nossa sociedade psicótica um homem é considerado “potente” quando é capaz de realizar o ato sexual pelas vias convencionais. É “muito potente” quando consegue realiza-lo muitas vezes numa só noite. Há até quem considere como “potente” um homem capaz de satisfazer uma mulher ao ponto de causar-lhe inflamações na vagina – o que, sem dúvida, é um conceito muito mais que enganoso. Uma mulher é considerada genitalmente sã quando é capaz de experimentar um orgasmo clitoriano. Em suma, ninguém tinha idéia da função natural do orgasmo, sendo a perturbação genital a fonte da energia dos sintomas neuróticos.
As pessoas ainda confundem o ato sexual puramente animal com a posse afetiva e amorosa. A enfermidade genital que leva à perturbação neurótica é muito mais comum nos homens que são os mais psicóticos, principalmente os que gostam de exibir a sua masculinidade. São potentes, mas não experimentam o prazer – ou apenas um prazer pequeno no momento da ejaculação – experimentam isto sim, mais o desgosto e o desprazer – têm atitudes sádicas e vaidosas muito mais que as mulheres.
Para o homem ostensivamente potente, relação sexual significa penetrar, dominar e conquistar a mulher e quer apenas provar sua potência e ser admirado. Quem não tiver uma compreensão plena do papel e da importância da impotência sexual e suas implicações, jamais perceberá a diferença entre saúde e doença, a ânsia humana de prazer ou a natureza dos conflitos entre pais e filhos e a miséria do casamento. Jamais compreenderá o êxtase religioso e o irracionalismo fascista. Não será capaz de resolver nenhum problema pedagógico e não compreenderá a relação entre os processos sexual e vital.
O homem é a única espécie que destruiu a função natural da sexualidade e está doente por causa disso. Porque desconhece na prática cotidiana que potência orgástica é a capacidade de abandonar-se livre de quaisquer inibições, ao fluxo da energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo.
Nenhum neurótico é orgasticamente potente e a estrutura do caráter da maioria dos homens e mulheres é absolutamente neurótica. Quanto mais é abrupta a queda da excitação mais intenso será o prazer; maior e melhor será o seu impacto na construção da saúde sexual, moral e psicológica da pessoa. E indivíduos sadios e equilibrados construirão naturalmente relações melhores e mais inteiras, o que culminará com a realidade social plena de paz, liberdade e amor.
A passividade sexual das mulheres, embora comum, é patológica. A impotência e a frieza são a chave para o entendimento da economia das neuroses. O pré-requisito fundamental para este processo terapêutico consiste em tornar o paciente consciente da sua sexualidade reprimida, o que pode garantir a cura quando também elimina a fonte de energia da neurose. A excitação sexual é um processo somático e os conflitos da neurose são de natureza psíquica. A maior parte dos crimes é a conseqüência de um desejo inconsciente de punição que compele a pessoa a cometer o ato criminoso. Os instintos sexuais individuais não funcionam independentemente uns dos outros, mas constituem uma unidade, como líquido em vasos comunicantes.
Um homem que considere inconscientemente seu pênis como uma faca, ou que o use para provar a sua potência é incapaz de uma entrega total ao ato sexual. Tem medo de ser surrado, punido, escandalizado ou castrado, é algo diferente – e muito maior – da angústia que se sente na iminência do perigo real – o medo e a apreensão passa a ser uma experiência mórbida da angústia. É necessário distinguir a angústia que resultava de uma êxtase de excitação e a angústia que era a causa de uma repressão sexual, a primeira determinava neuroses estáticas e a segunda, psiconeuroses.
O ódio é mais intenso quando o desejo de amar e ser amado é bloqueado: um exemplo seria o assassinato sexual, seu requisito é o completo bloqueio da capacidade de sentir prazer genital de forma natural. Os animais selvagens são inofensivos quando bem alimentados e sexualmente satisfeitos. Os touros só são selvagens e perigosos quando são levados para junto da vaca, não, porém; quando são afastados. Cães acorrentados são muito perigosos quando sua atividade motora e sua satisfação sexual são impedidas.
Acabei por entender os traços brutais de caráter que se manifestam em condições de insatisfação sexual crônica. Pode observar este fenômeno em solteironas e moralistas ascéticos. Há mulheres que na menopausa não apresentam traços de maldade ou ódio irracional, há outras que desenvolvem plenamente estas características, o que está intimamente ligado à experiência genital anterior. O segundo tipo é o de mulheres que nunca tiveram uma relação amorosa satisfatória e agora lamentam esta falha. Cheias de ódio e de inveja, tornam-se mais violentas e oponentes a qualquer forma de progresso.
A angústia sexual é causada por uma frustração externa o que leva ao medo do orgasmo e isso se deve ao desconhecimento da experiência do prazer: o prazer de viver e o prazer do orgasmo são idênticos e a angústia do orgasmo é a base do medo de viver.
As mulheres temem cair sob o poder dos homens e assim, na fantasia, a vagina se transforma em algo que morde e a intenção disso é remover a ameaça do pênis. A angústia do orgasmo é freqüentemente experimentada como o medo da morte, ou o medo de morrer. Os homens histéricos, ou são incapazes de experimentar uma ereção durante o ato sexual ou sofrem de ejaculações precoces. As mulheres são frias e igualmente incapazes de excitarem-se, enquanto os homens compulsivamente neuróticos são potentes quanto à ereção, mas nunca, quanto ao orgasmo. Os homens fálico-narcisistas, sempre presentes entre os oficiais, tipo prussianos e que precisam mostrar constantemente a si que são potentes, têm sérias perturbações orgásticas. Eles não amam a mulher, apenas servem-se dela. E entre as mulheres existe a aversão ao ato sexual. A partir daí Freud sempre afirmava que “não devemos confiar no mundo. Aplausos não significam nada. A psicanálise está sendo aceita apenas para ser mais facilmente destruída”.
As palavras podem mentir, mas a expressão nunca mente, pois é a manifestação imediata do caráter. Pessoas que cometem suicídio tiveram sua energia sexual excitada mas não conseguiram uma descarga satisfatória., neste caso, optam por três saídas patológicas: a)impulsividade auto-destrutiva desenfreada (vício, crime, drogas); b)neuroses de caráter por inibição de instintos (neurose compulsiva, histeria, angústia, depressão); c)psicoses funcionais(esquizofrenia, paranóia, melancolia). Isto sem falar dos mecanismos neuróticos operantes na política, nas empresas, na guerra, no casamento, na educação das crianças; todos eles, falta da plena satisfação genital de muitos milhões de pessoas.
Para inúmeros indivíduos com a quebra da castidade pré-matrimonial a atitude em relação ao trabalho mudou. Se até então haviam trabalhado mecanicamente, sem demonstrar nenhum interesse real, considerando o trabalho um mal necessário que uma pessoa assume sem pensar muito, agora se tornavam judiciosas. Se as perturbações neuróticas as impediam antes de trabalhar, agora eram impelidas por necessidade a se entregarem a um trabalho prático, pelo qual pudessem ter um interesse pessoal. Se o trabalho realizado era capaz de absorver seus interesses, florescia. Se, porém, era de natureza mecânica, como o do empregado de escritório, o do homem de negócios ou do funcionário medíocre, então se tornava um peso quase intolerável, levando necessariamente para duas tendências: ou a crescente concentração de uma atividade social à qual o sujeito se entregava inteiramente; ou o veemente protesto do organismo psíquico contra o trabalho mecânico e não edificante, exercido às custas da renúncia aos desejos íntimos. Em outros casos houve o completo abandono do trabalho quando o paciente, uma vez restabelecido se tornou capaz de obter a satisfação genital completa.
Esposas que haviam enfrentado pacientemente a vida com maridos que não amavam e que haviam se submetido ao ato sexual por exclusiva obrigação, não puderam continuar a fazê-lo. Simplesmente se recusaram. Estavam fartas. Não se pode concordar com o princípio de um sistema convencional de que a mulher deve incondicionalmente satisfazer as exigências sexuais do marido enquanto durar o casamento, quer queira, quer não; quer o ame, quer não, quer esteja sexualmente excitada ou não. O oceano de mentiras é abismal neste mundo das relações humanas. Faz-se necessário questionar – e muito – as normas socialmente impecáveis: ser fiel apenas por obrigações conjugais – a idéia de amar o companheiro contra a sua vontade é inaceitável, mesmo do ângulo estritamente moral, criando uma astuta contradição entre o “não quero” e o “não devo” e a consideração vegetativa do “eu gostaria muito”.
A pessoa neurótica e genitalmente mal resolvida caminha sempre de mãos dadas com uma potência fraca e é constantemente forçada a procurar compensações, a desenvolver uma autoconfiança artificial e afetada. A felicidade dos outros lhe desperta o mau humor, porque se sente excitado por ela e não é capaz de gozá-la. Empenha-se na relação sexual, mas apenas para prover a sua potência. Para a pessoa que tem uma estrutura genital e nada mais, o trabalho é uma atividade agradável e uma realização. Para o indivíduo moralista estruturado, o trabalho é um dever cansativo, ou apenas, uma necessidade material e continua a ser o mesmo no leito conjugal, o que podemos chamar de “caráter neurótico”, enquanto o outro, chamamos de “caráter genital” e a atividade terapêutica consiste em transformar o primeiro no segundo.
A cultura de nossos dias baseia-se de fato na repressão sexual e na supressão dos impulsos naturais. A atividade genital é filha do aviltamento e não pode haver correspondência entre sexualidade e felicidade, o que prejudicaria economicamente a ideologia econômico-sexual, explicando assim a vileza da sexualidade e seus perigos. Mas esta “sexualidade” é uma distorção doentia do amor natural e sua felicidade genuína. As pessoas perderam seu sentimento da vida sexual natural, mas avaliam-na com base numa distorção que elas, com razão, condenam.
Por isso lutar pela ou lutar contra a sexualidade é fútil e inútil. Por causa destas distorções o moralista sempre sairá vencedor. A distorção não pode ser tolerada. Isso é o que causa um impasse nas discussões e torna difícil a luta por uma vida sã. Falamos de sexo, não nos referindo ao ato animal, mas à posse inspirada no amor genuíno: não urinar na mulher, mas, fundamentalmente, fazê-la feliz. Homens e mulheres com sentimentos sãos a respeito da vida têm de suportar calados o sinal de depravação com que são estigmatizados por outros que se deixam dominar não só pelo medo e pela culpa, mas também, por fantasias perversas. Não há em nossa sociedade uma única organização que defenda os sentimentos naturais da vida.
O povo se torna neurótico em larga escala e para se resolver esta questão é preciso descobrir a relação entre a educação da família autoritária e a repressão sexual. Os pais reprimem a sexualidade das crianças pequenas e dos adolescentes sem saber o que fazem, obedecendo às injunções de uma sociedade mecanizada e autoritária, o que leva as crianças a desenvolver pelos pais uma fixação perigosa marcada pelo desamparo e pelo sentimento de culpa, o que lhes impede de libertarem de uma situação de infância com todas as inibições e angústias sexuais concomitantes. As crianças são educadas para se tornarem adultos com neurose de caráter e depois, transmitem isso para os seus filhos e assim, de geração em geração. Dessa forma se perpetua a tradição conservadora que teme a vida. Como, apesar disso podem as pessoas tornarem-se e permanecerem sãs?
Apesar da situação neurótica da família é possível que algumas pessoas se tornem e permaneçam sãs. A pessoa doente e a pessoa sã sofrem com o conflito familiar e a repressão sexual. O flagelo maciço da neurose se dá em três etapas distintas da vida humana: a primeira infância a través do lar neurótico, na puberdade, e, finalmente, no casamento compulsivo e de concepção moralista.
Quanto mais cedo um adolescente chega a um ato sexual satisfatório, mais é incapaz de adaptar-se à estreita exigência de “um companheiro só para a vida inteira”. A exigência do ascetismo dos adolescentes é justamente para torná-los dóceis e casáveis. As gerações mais velhas sentem-se aviltadas quando a juventude transcende o que ela não pode alcançar, por isso ela é educada convencionalmente de forma a ser incapaz para o prazer.
As necessidades sexuais podem ser satisfeitas com um único companheiro, apenas por algum tempo; sendo, portanto, necessário rever a questão do casamento que já é minado pela própria abstinência pré-matrimonial e a satisfação sexual está em discordância com os regimes do casamento e a monogamia vitalícia. A intimidade sexual e a amizade humana são substituídas nas relações conjugais por uma fixação materna ou paterna e por muita dependência escravizante: em suma, por um incesto disfarçado. As pessoas sofrem caladas: tapeiam-se e se tornam hipócritas.
Quão profundo é o abismo que separa o pensamento científico-natural do funcional. Toda descoberta científica inclui uma pressuposição ideológica e uma conseqüência social prática. A lógica abstrata tem a função de admitir os fatos científicos sem permitir uma só conclusão prática, é tudo o que a ideologia conservadora quer defender: a perpetuação do conservadorismo com arrogância e ignorância, mantendo o poder para quem tem poder e bens para quem tem bens.
Por que nos recusamos a questionar a atitude de tolerância do trabalhador, sua renúncia patológica ao conhecimento e aos frutos culturais deste mundo da ciência? E sua ânsia de autoridade que devemos contemplar como simples espectadores, enquanto o mundo se precipita no abismo sob a forma de chaga fascista? O cientista, por sua vez se recusa a lutar contra a chaga psíquica numa renúncia heróica à felicidade, que culmina com o teor religioso que leva o homem pacífico a enxergar uma única saída por meio de um pai imenso e excelso.
A repressão torna o organismo rígido e incapaz para o prazer quando não há perspectiva de satisfação e a experiência de felicidade é ameaçada com a punição. A maior experiência de prazer, o orgasmo sexual, tem a particularidade de pressupor uma repressão de energia não só biológica – o medo de engravidar – como também todas as formas de pressão da família conservadora, da sociedade machista, das normas convencionais da igreja, sob a pressão do pecado. O homem que tem vários orgasmos com muitas parceiras é forte, viril, talentoso, atraente. A moça que faz amor com o namorado é uma despudorada, fútil e fonte de vergonha para a família e o meio social como um todo.
Produzir ciência cuidadosa e honesta é “quase um crime” numa sociedade que não mede esforços para reprimir sexualmente a criança e o adolescente, o que encerra sérios problemas na formação do caráter. A repressão da sexualidade natural torna as pessoas doentes e anti-sociais. Nunca será possível vencer a hipocrisia moralista que mutila nossas crianças e adolescentes se continuarmos a perpetuar a enfermidade psíquica como produto lógico da repressão dos instintos sociais diversos, fazendo dos seres humanos criaturas altamente doentes, anti-sociais, inseguras e maliciosas.
As pessoas são freqüentemente corruptas, fúteis, desleais, cheias de vazios chavões ou simplesmente secas, no que são transformadas pelas condições da vida, enquanto poderiam ter se tornado decentes, honestas, capazes de amar, sociáveis, naturalmente responsáveis; flexíveis e sem compulsão. Estamos lidando com contradições de caráter que refletem na sociedade como um mecanismo neurótico.
Uma criança brinca de maneira natural. Se coibida por seu ambiente, a princípio, defende-se contra a coibição. Vencida, preserva apenas a defesa contra a limitação do prazer, sob forma de reações irracionais de desrespeito, destituídas de objetivos e patologias. Da mesma forma é o comportamento humano. O anseio do homem pela vida e pelo prazer não pode ser aniquilado enquanto o caos social da sexualidade não for totalmente eliminado de nossa cultura e práticas cotidianas.
Segundo Freud, a irrestrita satisfação também significa antepor o prazer à prudência, associando a felicidade a impulsos anti-sociais produzidos por uma educação compulsiva. E ainda assim o uso de narcóticos para conseguir a felicidade e dominar a miséria é encarado como uma bênção. O homem sexualmente satisfeito é também um homem mais produtivo em todos os sentidos. A supressão da sexualidade das crianças e dos adolescentes tinha a função de tornar mais fácil para os pais insistir na obediência cega dos filhos. Nos primórdios do patriarcado econômico a sexualidade das crianças e dos menores de idade era combatida por meio da castração direta ou da mutilação genital. E mais tarde, a castração psíquica por meio da inculcação da angústia sexual e do sentimento de culpa que tornou-se o mais habitual dos meios. A supressão sexual torna o homem dócil. A castração dos garanhões e dos touros tem a função de produzir satisfeitos animais de carga. Ninguém pensou nas conseqüências da castração psíquica. Freud confirmou mais tarde a relação entre repressão sexual e atitude de submissão.
A formação de uma estrutura de caráter sexual negativa era o objetivo real e inconsciente da educação. A pedagogia não pode se separar da estrutura do caráter o que se liga ao objetivo social da educação que sempre serve ao sistema existente. Se este sistema está em desacordo com os interesses da criança, então a escola deve ignorar os interesses dela, sendo infiel a si mesma e render-se aberta e hipocritamente estabelecendo o seu objetivo como se fosse o bem-estar da criança.
Essa educação não se distingue da família compulsiva que oprime a criança e despreza as grandes revoluções sociais que tiveram lugar na vida sexual do homem e na vida da família. Claudicava e claudica atrás de mudanças concretas e embaraçou-se em seus próprios motivos irracionais, dos quais não tem consciência.
A propagação da neurose é a propagação do flagelo. É mais difícil combater a neurose social; pois, medidas higiênicas oneram demais as massas. As somas do dinheiro gastas na guerra em duas semanas seriam suficientes para satisfazer as necessidades afins de milhões de pessoas, enquanto isto, a estrutura psíquica neurótica vai se tornando uma estrutura psíquica somática, uma segunda natureza, que por si, vai delineando o caos irreversível da humanidade inteira.
Os assassinatos de origem sexual, os abortos criminosos, a agonia sexual dos adolescentes, a destruição de todos os impulsos vitais na criança, a perversão em massa, a pornografia e a polícia de costumes; acompanha tudo isto a exploração do profundo anseio humano de amor – a politicagem neurótica dos pretensos salvadores da humanidade.
Historicamente, as funções biológicas e psicológicas dos homens sempre estiveram nas mãos de mulheres sexualmente frustradas. Não havia nada contra a sociedade de velhas damas frustradas sexualmente e contra outras culturas mumificadas. O conflito sexual entre as crianças e os pais mostra a supressão sexual com origem sociológica e cultural e não, biológica. A homossexualidade e a masturbação eram encaradas como meio incompleto e inatural de satisfação sexual e mais ainda, como forma de perturbação crônica. Há, até hoje, grupos de crianças reservadas para um casamento pré-arranjado e política ou economicamente vantajoso.
Crianças saudáveis são sexualmente ativas de maneira natural e espontânea. Crianças doentes são sexualmente ativas de maneira imatura e perversa; o que divide o adulto com sexualidade natural e sã e sexualidade perversa ou neurótica. A supressão sexual é de origem econômico-sexual e não, biológica. A humanidade tem sido por milhares de anos, forçada a negar sua lei biológica e que, em conseqüência, desenvolveu uma antinatureza autoritária, patriarcal e com proibições morais absolutamente compulsivas; máscara e estrato do inconsciente freudiano: sadismo, avareza, inveja e perversões de toda a sorte.
A culta burguesia européia do Séc. XIX e início do Séc. XX adotou formas de comportamento moralistas, compulsivas e transformaram o feudalismo no ideal de conduta humana. No iluminismo, os homens começaram a procurar a verdade e a clamar pela liberdade enquanto as organizações moralistas e compulsivas os governavam (e ainda governam): leis coercitivas, ciência compulsiva, vigorando a paz enganosa com irrupções ocasionais gerando neuroses sintomáticas, ações criminosas neuróticas e perversões; é quando a revolução começa a despertar o povo europeu para o desejo de liberdade, independência, igualdade e autodeterminação com a urgência interior de libertar o próprio organismo vivo.
Após a Primeira Guerra Mundial se destruíram muitas instituições frias, brutas, mesquinhas autoritárias e compulsivas, as democracias queriam conduzir o povo para a liberdade e se empenhavam diuturnamente nisto, cometendo um enorme erro de cálculo, não conseguindo ver os milhares de anos de repressão das energias vitais dos homens e nem o defeito enorme da neurose de caráter, a chaga psíquica, a estrutura irracional do ser humano, a vitória das ditaduras que o verniz superficial da “boa” educação e um autocontrole fantasioso haviam refreado durante tanto tempo.
Os campos de concentração, a perseguição dos judeus, a sádica e divertida destruição de cidades inteiras, a monstruosa traição às massas por governos autoritários que alegam representar o interesse do povo; na submersão de dezenas de milhares de jovens que ingênua e desamparadamente acreditavam estar servindo a uma idéia; na destruição de bilhões de dólares, frutos do trabalho humano, o que era suficiente para eliminar a pobreza do mundo inteiro, tudo feito por uma neurose que se intitula “alta política” e que floresce sobre o desamparo dos cidadãos do mundo.
No fascismo torna-se patente a doença psíquica das massas. Os oponentes do fascismo procuravam solução na personalidade de Hitler e nos erros formais dos vários partidos ‘democráticos’ da Alemanha, o que significava transbordar o flagelo da miopia individual ou a brutalidade de um só homem. O fascismo não operava com o pensamento do homem – Hitler – mas com as reações emocionais infantis. Aqueles que não entenderam isso não entenderam o fascismo que é um fenômeno internacional. O povo, não conseguindo conhecimentos, atirava-se às mãos de um guia autoritário e a ilusória proteção que se lhe prometia. Hitler liquidou a liberdade individual em nome da liberdade nacional levando milhares de pessoas a optarem por esta liberdade ilusória que as livrava da responsabilidade individual. Suspiravam por uma liberdade de gritar, de fugir da verdade, a liberdade de serem sádicos, de atrair mulheres com os seus uniformes, de sacrificarem-se por alvos imperialistas ao invés de lutarem cegamente por uma vida com melhor qualidade. A liberdade de reconhecer a autoridade política tradicional em vez da autoridade baseada no conhecimento dos fatos.
O fascismo é meramente a extrema conseqüência reacionária de todas as anteriores formas não-democráticas de liderança dentro da estrutura do mecanismo social, usando o desejo de liberdade das multidões. Assim, Hitler prometeu a supremacia do homem, e, especialmente, do homem que trabalha. As mulheres seriam relegadas aos planos da casa e da cozinha, sendo-lhes negada a independência econômica e excluídas do processo de formação da vida social, esmagando-lhes a liberdade. As mulheres foram as primeiras a aclamá-lo porque ele prometeu a destruição das organizações autocráticas e burguesas.
A igreja se associa a ele pregando a felicidade no outro mundo, valendo-se do conceito de pecado, implantando profundamente na estrutura da mente humana uma desesperada dependência de uma figura sobrenatural e onipotente. Hitler declarou-se este ser onipotente e onisciente, enviado por Deus e que poderia afastar a miséria do mundo.
No lugar da atividade espontânea, Hitler prometeu o princípio da disciplina compulsiva, do trabalho escravo e obrigatório, mesmo assim, vários milhões de trabalhadores empregados alemães votaram nele, educados para não entender nada a respeito do processo de trabalho, e por isso, impedidos de fazê-lo, acostumados a serem excluídos do controle da produção e receberem apenas seu mísero salário; se identificando com o Estado e a Nação que eram “grandes e fortes”.
Hitler declarou abertamente que as massas populares eram infantis, femininas e fracas e que apenas repetiam o que era incutido nelas. Milhões de pessoas o aclamaram, “pois ali estava um homem que queria protegê-las”. Ele exigiu que toda ciência fosse subordinada ao conceito de raça – a metafísica da hereditariedade. A teoria das substâncias herdadas e predisposições na compulsão do comportamento humano, considerando câncer, neuroses, psicoses e angústias como hereditários. A teoria fascista da raça é apenas uma extensão das convenientes e burguesas teorias da hereditariedade e de preservação da família a partir do abstrato chavão de que, quem criticasse a família e o amor entre os pais e filhos era um inimigo da pátria, um destruidor da sagrada instituição familiar, um anarquista.
A família alemã, autoritária típica, principalmente no campo e nas pequenas cidades inculcava a mentalidade fascista aos milhões e moldavam a criança de acordo com o modelo compulsivo da renúncia e da obediência cega e absoluta à autoridade que Hitler sabia explorar tão brilhantemente, o que era transmitido para a família maior: a Nação: “Mãe Alemanha e Deus Pai Hitler” tornaram-se símbolos das emoções infantis profundamente arraigados. E assim houve na Alemanha, por exemplo, muito mais suicídios e miséria higiênico-social. O fascista, quando diz judeu, significa: o ganhador de dinheiro, o usuário, capitalista, sujo, bestialmente sexual, castrador e assassino, o que vem completar a ideologia horrendamente dominadora imposta por este modelo de sociedade.
Caminhando finalmente para a questão específica do orgasmo, do prazer e da saúde sexual neste contingente árido da convulsão, dos poderes e da tirania do ser humano e como um dos caminhos para a busca de solução, entendemos que a pessoa sexualmente sã é aquela que tem de 3 a 4 mil relações sexuais de boa qualidade durante a vida, mas em média, 2 ou 3 filhos. Métodos anticoncepcionais são absolutamente necessários à saúde sexual. Por causa da educação defeituosa sexualmente, muitos homens e mulheres mantêm-se insatisfeitos durante as relações sexuais, daí ser imprescindível uma educação sexual profundamente afirmativa e libertária, principalmente da criança e do adolescente. A abstinência sexual prolongada é absolutamente nociva. “Lute por este direito”. A negação compulsiva da atividade sexual prazerosa e saudável torna possível aos psicopatas agir como ditadores e modernos propagandistas sexuais que envenenam a vida de todos nós. Em suma, o que é necessário é efetivar a liberação e a proteção da sexualidade natural de todos, e, muito especialmente, das massas populares.
A sexualidade sempre foi e continuará sendo o cerne biológico da estrutura do caráter. Na concepção do fascismo, apenas os impulsos perversos vieram à tona. O mundo pós-fascista efetuará a revolução biológica que o fascismo não realizou, pelo contrário, fez tudo para dificultar e com isto, tornou-a profundamente necessária e inadiável.
O que fazer com a energia sexual liberada? O mundo dizia não a tudo que a higiene e a saúde sexual exigiam. Os instintos naturais são fatos biológicos que não podem ser modificados e como todos os organismos vivos o ser humano necessita primeiramente de matar a sua fome e de satisfazer seus instintos sexuais e a sociedade moderna dificulta a primeira e frustra a última.
Para a psicanálise, o prazer de sofrer a dor era o resultado de uma necessidade biológica. A dor e o desprazer são os desejos instintivos do masoquista. Há indústrias inteiras que florescem às custas da falsa idéia de masoquismo que ajudaram a criar. Por que o masoquista sente-se compelido a ser atormentado? A perversidade crônica se encontra na base desta fantasia. O masoquista deseja romper-se, pois só assim consegue a relaxação. Sofrer e suportar o sofrimento são resultados da perda da capacidade orgástica para o prazer. Assim, sem que pretendesse foi descoberta a dinâmica de todas as religiões e filosofias do sofrimento e através dos contatos com o cristianismo pode-se perceber a conexão entre o mecanismo biológico e a religião , o êxtase religioso configura-se com o mecanismo masoquista.
As massas trabalhadoras sofrem graves privações de toda a espécie. São exploradas e dominadas por uns poucos que detêm o poder. Em forma de ideologia e prática de várias religiões patriarcais, o masoquismo prolifera como erva má e sufoca todos os direitos naturais à vida. Mantém as pessoas no estado abissal de submissão. Impede suas tentativas de chegar a uma ação racional comum e os satura do medo de assumir a responsabilidade de sua existência. É a causa do fracasso dos melhores impulsos de democratização da sociedade.
As pessoas são, de fato, submissas à liderança totalitária do Estado da mesma forma que o indivíduo é obediente ao pai-todo-poderoso. A revolta contra a autoridade ditatorial é considerada neurótica, enquanto a resignação às suas instituições e exigências é tida como absolutamente normal e, quando não, digna de méritos e prêmios.
A fricção sexual é um processo biológico fundamental para a operacionalização da forma do orgasmo composta de tensão/carga/descarga/relaxação e ocorre em todo o reino animal, iniciando-se com a excitação biológica junto com a congestão, expansão e ereção; governando o corpo por processos elétricos que buscam o permanente equilíbrio, segundo uma conhecida lei da física, o orgasmo é uma carga elétrica, e, dependendo do seu movimento de um pólo negativo para um positivo e/ou vice-e-versa e tudo isso tem muito haver com o problema da sexualidade que é o elo catalisador central de todas as funções e atividades humanas.
As convulsões que levam ao clímax, ou orgasmo surgem de uma tensão sentida em todo o corpo, mais fortemente nas regiões do coração e do abdômen e se concentrando nos órgãos sexuais que se tornam congestionados com o sangue, excitando assim outros pontos, o que aumenta com o processo de fricção, levando ao clímax que é uma condição caracterizada por convulsões involuntárias da musculatura dos genitais e do corpo inteiro que é acompanhada da descarga de energia elétrica; armazenada nos dois corpos e depois descarregada no orgasmo por meio, principalmente, das contrações espontâneas.
Imaginemos uma bexiga que pode expandir-se até um grau extraordinário e então, com poucas contrações relaxar-se. Pode estar flácida, tensa, relaxada ou excitada. Pode conservar certas partes em estado de tensão contínua e outras num estado constante de movimento. Se apertássemos de um lado, uma tensão e uma carga aumentada apareceriam do outro. Se esforçássemos realmente para manter uma pressão constante sobre a superfície toda, impedindo-a de expandir-se por meio da contínua produção de energia, ficaria em perpétuo estado de angústia; sentiria-se constrangida e limitada. Se pudesse falar, pediria que a livrássemos desta situação torturante e alguém teria de fazê-lo, girando-a no espaço (ginástica); amassando-a (massagem); furando-a se necessário (sensação de estar sendo aberta por furos); machucando-a (fantasia masoquista de apanhar); e, se nada ajudasse, dissolvendo-a , destruindo-a, desintegrando-a (nirvana da morte sacrifical).
Uma sociedade formada de semelhantes bexigas criaria as filosofias mais idealistas a respeito do “estado de ausência do sofrimento”, associando o prazer ao medo, à dor. Criaria teorias sobre a maldade, a propensão ao pecado e a ação destrutiva do prazer, teria medo da tão ardente e necessária sensação de relaxação, e então odiaria semelhante idéia e finalmente perseguiria e mataria qualquer um que falasse disso. Juntar-se-ia a outros seres igualmente constituídos, peculiarmente inflexíveis e traçariam normas rígidas de vida para garantir a tranqüilidade, a resignação e a continuidade das relações habituais.
Em qualquer hipótese a bexiga seria sempre atormentada pela angústia e tudo mais decorre inevitavelmente desta angústia. Nessa descrição surge o pensamento teológico absoluto no campo da biologia, e, contrariamente a ele, nós não temos relações sexuais com “o fim de gerar filhos”, mas porque uma congestão de fluidos carrega bioeletricamente os órgãos genitais e os pressiona em direção à descarga. Isso, por sua vez, é acompanhado pela descarga de substâncias sexuais. Assim, a sexualidade não está a serviço da procriação; mais propriamente a procriação é um resultado ocasional do processo de tensão-carga-descarga nos genitais. Isso pode ser deprimente para os campeões da filosofia moral eugênica, mas é a mais pura verdade. A procriação é uma função da sexualidade, e não, o contrário.
Precisamos de instrumentos teóricos e práticos para entender as culturas humanas nas quais o patriarcado é estrito à mais severa supressão sexual das crianças pequenas e dos adolescentes, e a ideologia da reserva de autocontrole são parte essencial de todos os círculos culturais. Isto é especialmente verdadeiro quanto às culturas da Índia, da China e do Japão, o que resulta em angústias e cóleras agudas, ambas prejudiciais à cultura da família patriarcal e dependentes da ideologia do autocontrole e do poder de não mover um só músculo, por maior que seja a dor; na verdade, precisam ao mesmo tempo de superar a emotividade: o prazer assim como o sofrimento, o que é a síntese da ideologia budista do nirvana e dos exercícios respiratórios dos iogues que é o oposto exato da respiração que usamos para reativar as excitações emocionais.
Outro fenômeno que desempenha um papel destruidor na vida de nossos dias é a atitude militar, especialmente a levada pelos fascistas, a rígida atitude militar é o exato oposto da atitude natural, solta, ágil. O pescoço tem de estar rígido, a cabeça, esticada, os olhos devem olhar fixamente para o mesmo ponto, o queixo e a boca, numa expressão “varonil”, o tórax, puxado para fora, os braços, mantidos rente ao corpo, as mãos esticadas e o estômago para dentro. As pernas duras e rígidas, os ombros levantados, o pescoço tenso, o abdômen, chupado e a pélvis retraída. As pessoas educadas desta forma e forçadas a manterem esta atitude física são capazes de impulsos vegetativos naturais. Tornam-se máquinas, executando cegamente exercícios manuais e mecanizados, respondendo pronta e obedientemente: “sim, senhor; sim, senhora”, atirando mecanicamente contra seus próprios irmãos, pais e mães.
Ensinar o povo a assumir uma atitude rígida e não, natural, é um dos meios mais essenciais usados em um sistema ditatorial para produzir, com a perda da vontade, organismos que funcionem autoritariamente, sendo esta a estrutura da educação que forma o caráter do homem moderno, o que afeta grandes círculos sociais e destrói a alegria de ser feliz de muitos milhões de homens e mulheres.
Certas expressões habituais na educação na boca de pais e mestres retratam o encouraçamento e o aprendizado do autocontrole: - “Quem quer ser homem deve dominar-se.” – “Não se deve deixar levar.” – “Não se deve demonstrar o medo ou os sentimentos.” – “Cólera é falta de educação”. – “Uma criança decente senta-se quieta.” – Se der vontade de falar, cerre os dentes.”
Essas frases, características da educação, inicialmente são repelidas pelas crianças, depois aceitas com relutância, laboradas, e, por fim, executadas. Entortam-lhes a espinha da alma, quebram-lhes a vontade, destroem-lhes a vida interior, fazem delas bonecos bem educados e incapazes para a felicidade.

III – CRÍTICAS E CONLUSÕES

Vejo que devemos analisar este fantástico livro em dois aspectos distintos: do ponto de vista científico e acadêmico temos a felicidade de ter uma obra absolutamente atual, moderna, contemporânea e muito importante como referencial para revermos os problemas da vida de hoje. Trata-se de um trabalho belíssimo, imortal e fruto de um amor sem limites de um apaixonado pela humanidade e que teve uma vida inteira como também a sua trágica morte como legados do sofrimento em função de idéias e dos valores que defendia – e ainda defende – por meio de seus estudos, investigações, publicações e pesquisas que fundamentam uma dedicação heróica, dignificante e exemplar, merecedora de profundos aplausos da humanidade inteira em todos e quaisquer momentos da história humana.
Pelo aspecto social, particularmente, denoto com tristeza a realidade dura de que a humanidade evolui, se é que evolui, muito lentamente, por vezes até denotando involuções graves e sucessivas em relação às questões humanas e sociais, sobretudo, no que diz respeito à qualidade de vida das classes populares, das mulheres e crianças pobres, enfim, decorrência de uma profunda ingenuidade ideológica que tragicamente se acirra ao longo dos tempos. Nossos problemas são os mesmos, apenas mais densos e complexos frente à gravidade abusiva com que se apresentam hoje, associados à explosão demográfica, ao desrespeito à natureza e a astuta carência dos meios e recursos renováveis ou não.
Em síntese, a situação atual, e, infelizmente, suas perspectivas futuras a curto e médio prazos são bastante piores e muito mais delicadas do que em 1927, quando este livro foi escrito – há exatos 80 anos – caracterizando longos ciclos históricos absolutamente perdidos do ponto de vista de evolução da família, da educação, da religiosidade, das relações humanas; da conquista do prazer, da alegria e da felicidade, ideais confessos de toda a ciência, filosofia e práticas sociais distintas.
Fica claro na sua leitura o vigor, a vontade e o quase desespero de Reich em poder contribuir de alguma forma para que as pessoas sejam mais felizes e que conquistem melhores dias, engrandecimento interior, e a longínqua felicidade, a paz tão sonhada por todos, e, a cada dia que se passa, mais difícil, eu diria, até impossível de serem encontradas. Para o autor, com o que concordo plenamente, toda a problemática da vida humana está vinculada ao teor da falta de afetividade, de amor, de relações sensitivas mais amenas e contínuas, o que gera a maligna compulsão pelo poder, a competitividade, a violência, os crimes contra a vida, as pessoas e a natureza, e, segundo ele, tudo advém do centro básico de todo o processo que é a sexualidade, a falta de uma orientação saudável para o processo natural da tensão/relaxação/carga/descarga que é um fenômeno simplesmente mecânico e que o organismo requer uma harmonia e um conhecimento profundos de sua prática desde a primeira infância, sendo que a sua repressão pela família, a sociedade e a religião compulsivas, gera neuroses psíquicas que se materializam em crimes diferenciados de acordo com a educação, as condições sócio-econômicas, a realidade específica do meio e da situação familiar, que, no conjunto, são responsáveis pela formação da personalidade da pessoa e que, por sua vez, define a tipologia da ação individual e em grupos, resultando a forma de vida em sociedade.
O autor, por sua vez, apresenta como sugestão de um caminho bem fácil como início da busca de soluções para os problemas humanos e sociais do mundo, que são bem menos complexos que se possa imaginar, que seria a plena liberação das necessidades, compulsividades e desejos sexuais desde a infância, e, segundo ele, seria mais que suficiente para a resolução das grandes dificuldades, das crises e das misérias do mundo que estão ligadas à conjuntura da espécie humana, suas relações, os processos de poder que inventa para garantir a sua competitividade e avareza, mantendo acesa a fogueira das vaidades extremas, o que na verdade, sintetiza as insatisfações crônicas, o extremo sofrimento do ser humano e a precariedade da vida. Enfim, o caos quase que intransponível que estamos juntos atravessando neste especial momento planetário.
Reich nos afirma categoricamente que se todos os seres humanos tivessem resolvidas e satisfeitas as suas necessidades e fantasias sexuais e genitais de forma biológica e psicologicamente equilibrada, saudável, e, acima de tudo, muito amorosa, ou seja, distante da posse animal, da convulsão angustiante dos desejos não- realizados, mas centradas no profundo respeito, no contato, no amor e no afeto; o mundo seria totalmente outro, com os rigores do poder e da competitividade doentias diluídos, mantendo as pessoas, as relações mais saudáveis e amistosas ao longo de todo o processo vivencial que vem sendo perdido enquanto uma humanidade sexualmente doente se destrói em meio a subterfúgios e enganos, competição, ódio, culpa, guerra, morte, fome, miséria, corrupção, degradação da natureza, roubos espetaculares, doenças incuráveis e toda a sorte de sofrimentos insuportáveis para os habitantes deste dito“mundo civilizado”.
O autor parte assim da análise sistêmica dos fatos e fenômenos que circunscreve a partir da dinâmica da vida sexual das pessoas, enquanto se embasa, inicialmente, nos conceitos psicanalíticos de Freud, no que diz respeito ao contexto da polarização dos segmentos vivenciais relativos à primeira infância e a relação da pessoa com pai e mãe, o tri-pé da constituição da família e depois, complementando com a visão da similaridade dos fenômenos, ou seja, a verossimilhança entre os fatos gerais que compõem o cotidiano dos seres humanos no mundo. Desta forma, o processo de tensão/carga/relaxação/descarga é fundamental para tudo o que é vivo, no cômputo da vida animal, e, incluindo aí, é claro, os seres humanos, sendo na sexualidade que está o centro deste conjunto de atividades e ações, o que ele chama de “sistema sexual complexo”.
O orgasmo, como forma máxima do prazer orgânico, natural e gratuito, pois vem de dentro para fora e depende de uma ação múltipla e negociada entre dois corpos que multiplamente se atraem, precisa então, na sociedade compulsiva e arbitrária, ser reprimido, punido e cobrado, pois agindo assim, é claro, teremos indivíduos proibidos de ter prazer, impulsionados negativamente pela culpa, o medo ou o conceito ultramilenar do pecado, sendo, é claro, mais facilmente dominados, explorados e consumidos no jogo da imposição dogmática do poder, da ordem, da disciplina e da hierarquia rígida, sexista e imposta – especialmente no sistema capitalista – o que está intimamente ligado à ordem política e econômico-social, originando desta forma a dinâmica da cultura que determina as relações dos seres humanos no mundo.
Quem é livre para ter prazer – orgasmo – lógico, é também livre para reivindicar, coibir, questionar, negar, criticar, enfim, para exigir uma qualidade de vida cada vez melhor com acesso aos meios de produção, à riqueza, ao bem-estar, ao poder de decidir. O que Reich quer chamar a atenção é que neste segmento, seria eminentemente perigosa uma sociedade com “orgasmos livres”, com direito ao prazer e à satisfação de suas necessidades interiores mais íntimas; daí uma educação repressiva, numa escola fria, rígida e dura; uma família com compulsão para o medo, o poder, o rigor da disciplina e da norma imposta a qualquer custo, os estatutos empresariais que exprimem dogmas que oprimem e controlam o horário, as vontades, os ritmos e estilos de cada pessoa, arregimentando massas dóceis e manipuláveis. O Estado opressor, castrador e punitivo age da mesma forma por meio de suas leis e decretos e assim por diante, criando e mantendo uma ditadura moderna, simbólica, mas, ao mesmo tempo, altamente recessiva, primitiva e criminosa, que se solidifica, justamente na aparência dos contrários, nos estigmas da evolução e da mentira.
A repressão sexual feita nas crianças pequenas e nos adolescentes por meio da imposição, regras e controles simbólicos e concretos (por que as escolas têm banheiros masculinos e femininos, por exemplo?), já é suficiente para se arregimentar massas altamente condicionadas a aceitarem e a agradecerem ao “Senhor todo Poderoso, Onipotente e seu Salvador”, com o que conta com o poder compulsivo da igreja, notadamente dentro dos modelos judaico-cristãos que por si já afunilam um referencial machista – de um Deus e um Cristo representados por figuras masculinas – centralizador, opressor e castrador que é sutilmente imposto pela simbologia da importância da virgindade, o conceito de pecado, a imagem visual dos santos – principalmente das santas: cobertas dos pés à cabeça, em posição de uma humildade e resignada – olhos baixos, mãos postas à altura do peito e atitude final de reverência e submissão.
Enfim, se as relações do ser humano com a sua sexualidade, seus desejos íntimos e seus anseios pelo prazer, a felicidade e a alegria fossem resolvidos efetivamente desde a primeira infância, numa dinâmica saudável e com responsabilidade plena em todos os aspectos da vida humana e o seu estar com o outro; nós teríamos então resolvidos os sérios problemas que afligem a humanidade, destroem o planeta e definem o caos do mundo. A sexualidade, o prazer, os fluxos naturais do organismo vivo precisam ser devidamente satisfeitos e voltados para a harmonia, o desbloqueio, o relaxamento integral do ser, longe da pornografia, dos conflitos morais e do uso abusivo da sexualidade e da sensualidade das pessoas, e, se tivéssemos pessoas mais felizes, inteiras e realizadas, que se sentissem amadas e protegidas, com direito de serem escutadas e participarem dos processos de decisão dos elementos e fatores que interferem em suas próprias vidas, as relações vivenciais de governar, organizar, criar, gerir e conservar, amar e ser amado, ensinar e aprender seriam mais amáveis, fundadas na compaixão, na beleza, no respeito, no sentimento bom e puro, nas responsabilidades ecológica, humana e social.
A submissão da mulher, dos despossuídos, dos trabalhadores, das crianças, dos presidiários e dos doentes que se configura com as relações de poder inicialmente centrada na figura do macho, que manda, impõe e oprime (e as mulheres em posição de mando, geralmente adotam esta postura extremamente masculinizada, tornando-se os “machos de saias” de que nos fala Rose Marie Muraro) quase sempre educado por mulheres submissas e alienadas do processo pela própria força intencional do sistema, que já em si mantém este estado de coisas com muito mais facilidade. As escolas repletas de “professorinhas mal pagas”, as mães de família que não são recompensadas e muitas vezes nem reconhecidas pelo seu trabalho, já fazem parte de uma estratégia econômico-política para a manutenção de processo absoluto, totalitário e explorador da vida humana na sociedade moderna, na qual geralmente a mulher sem voz e sem vez, muitas delas vitimas do câncer, da depressão e outras enfermidades com fenômenos psicossociais claros e definidos, refinando assim, sem que sejam percebidos, os processos de coerção e domínio social das pessoas.
Sabemos que Reich morreu doente mental crôncio e na prisão e se agora temos o trabalho de ler e repassar as suas idéias, na época ele teve seus livros confiscados e proibidos, pelo menos em todo o território americano. Ainda hoje, creio que a possibilidade de ouvir, ler, entender, aceitar e muito menos, implementar as suas idéias na realidade social deve, certamente, encontrar uma dificuldade muito maior do que podemos esperar. É que a humanidade morre de medo de ser feliz, a sua evolução é, como já o dissemos, demasiado lenta e ela resiste bravamente a ter uma vida livre, amorosa, cheia da paz, da harmonia e do prazer que ela, paradoxalmente, tanto procura. Vejo que a evolução e a melhora conceitual e no campo das idéias, exceto no que diz respeito à alta tecnologia, foram, na prática, nulas nos dois últimos milênios, tratando-se de um tempo histórico definitivamente perdido.
Os sentimentos da culpa e da autodefesa foram muito bem implantados pelo nazi-fascismo, a condução dos projetos da hegemonia de Hitler, a imposição da moral burguesa como ideal de vida em sociedade, os rigores machistas do cristianismo, e, hoje, pela facilidade da informação, o uso do computador e da internet, os meios de comunicação social como a imprensa, o rádio, a tv devidamente comprometidos com esta ideologia e as elites econômico-produtivas ainda trarão enormes resistências em se tentar repensar e entender tais processos, o que, por certo, constituirá alguns milênios de atraso neste lento e desesperador processo de evolução.
A humanidade continua perdida e muito ingênua, incauta, com alto sentimento de culpa, dependente e medrosa, e hoje, muito mais que em tempos históricos quando os problemas eram bem menos complexos e o planeta passava por diferentes ciclos históricos e milenares de transição. Sinto que hoje a situação é muito mais grave. A educação é seus processos são horrendamente manipuladores, a minimização da oferta de trabalho leva as pessoas a um medo nunca visto de perderem seus empregos, o que por sua vez, faz delas autênticos serviçais mudos e cegos aos rigores da exploração, da crise, da miséria, da destruição gradativa do ecossistema, do rigor, da exploração, do crime e da extrema maldade de grande parte de seus patrões. Religiões e igrejas estão aí aos montes para impingirem com toda facilidade o modelo milenar que garante a riqueza e o poder de poucos por meio da espoliação funcional, doméstica, trabalhista e sexual de muitos milhões, sendo o que a humanidade, de um modo geral continua achando que é certo, definitivo e pronto.
Enquanto o medo, a opressão, a violência, o desamor continuam, Wilhelm Reich – desgraçada e infelizmente - continua morto e imóvel sob os escombros da terra que miseravelmente sofre de todas as agruras e pendências contra as quais ele sempre lutou, enlouqueceu e morreu.
Considero A função do orgasmo – problemas econômico-sexuais da energia biológica, uma obra mais que fundamental, uma leitura indispensável. Deve ser o livro de cabeceira de todos os que vivem neste planeta, que gerenciam, educam, amam, odeiam, comem, ajudam a transformar cotidianamente o mundo, a realidade e suas relações. Com esta leitura, reflexão e prática, certamente tudo: a vida, as pessoas, as esperanças, o mundo caminharão para o melhor. E o que é mais do que urgente e necessário; o melhor para todos.
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(*) Livro escrito em 1927 pelo médico austro-húngaro Wilhelm Reich, com o título original de: “Die function des Orgasmus”. Publicado no Brasil por força da licença editorial para o Círculo do Livro, pela cortesia da Editora Brasiliense S.A. – São Paulo – SP, 1 989, tradução de Maria da Glória Novak, com 343 páginas.
(**) MsC em educação, administrador de empresas, especialista em gestão de pessoas e psicologia transpessoal. Professor universitário, pesquisador, conferencista e consultor em educação e qualidade de vida no trabalho. Autor de livros, artigos e resenhas sobre o tema.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

VOCÊ É.... Martha Medeiros




VOCÊ É...

"Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava. Você é os nervos a flor da pele no vestibular. Os segredos que guardou. Você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, Do Francês, Placaford... Você é o renascido depois do acidente que escapou. Aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai. Você é o que lembra.

Você é a saudade que sente da sua mãe. O sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda. A dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, de ter se calado quando deveria gritar. Você é aquilo que foi amputado no passado. A emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas. Você é o que chora.


Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa. Você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta. Você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta. Os pedaços que junta. Você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo. Você é o que desnuda.


Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar. Você é o desprezo pelo o que os outros mentem. O desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá. Você é aquele que rema, que cansado não desiste. Você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta. Você é o que queima.


Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta. Você é os direitos que tem, os deveres a que se obriga. Você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca. Você é o que pleiteia.


Você não é só o que come e o que veste. Você é o que requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê. Portanto, não tenha, nunca, medo dos espelhos...
"

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"Que vontade de voltar a sentir gosto de estrelas na boca." (Mário Quintana)

UM PAÍS QUE ELEGE TIRIRICAS, WESLIANS, ETC. ETC.


Não é pelo fato da política em si, mas antes pela questão humanística que envolve o fenômeno. O que Joaquim Roriz está fazendo com a sua 'amada" esposa, D. Weslian, é absolutamente descabido. É um crime sem proporções, atirando uma inocente indefesa na arena de leões tarimbados e famintos, para que a devorem em segundos. Ver D. Weslian nas rodas de discussão política, nos debates, ou nas mesas de montagem de estratégias ou diretrizes de ação, é de fazer pena é de dar dó. E ele ainda fez tudo em nome do amor, da compaixão, do companheirismo de muitos anos. O que, sem dúvida, chega a ser cômico.

Ela, coitada, fica alí parecendo uma bobinha no meio de homens letrados, de raposas velhas no jogo de poder e da exurpação do outro, como é o caso da miserável política brasileira. É um peixe fora d'água. Sendo uma pena que ela não tenha nem ao menos alguns neurônios funcionando. Se tivesse não se exporia a tamanho ridículo, e, depois, se separaria definitivamente deste homem que usa o amor e o companheirismo para exercer a sua vontade fria e abjeta, justamente contra aquela que é a sua companheira de meio século, de quem herdou a fortuna e as fazendas do seu velho e rico pai e quem, no final das contas, deu a ele duas filhas, duas deputadas, que juntas ajudam a segurar o feudo da família, o DF, exatamente como nas dimensões políticas e sociais da ultrapassada idade da pedra. Um horror.

A esta altura dos acontecimentos, a capital do Brasil, pasmem, a capital, está prestes a se tornar um sítio asfaltado, onde os aristocratas cruéis do passado, tendo como capatais do mesmo jogo, suas filhas, ordenam que façamos ou soframos, de preferência , sem reclamar, isto ou aquilo. Um absurdo incomum, a prova de que somos um país na mais astuta periferia do mundo. E estamos prestes à derrocada total se esta sofisticada motorista de fogão - ou nem isto - for eleita a governadora do Distrito Federal brasileiro.

Pelo menos teremos, como disse Alexandre Garcia, a grande atração que serão os programas eleitorais que precedem ao segundo turno das eleições. Vai ser muito engraçado continuar vê-la trocando palavras, alinhavanbo pensamentos, tropeçando nos papéis, nas fichas que consubstanciam suas colas, pois é incapaz de emitir uma única ideia com começo, meio e fim, enquanto Agnelo, um médico, um político mais do que experimentado, desdobrará com sobra de eficiência - igualmente na mentira - suas propostas, planos de ação para o exercício de uma política infinitamente superior, e que, transpira a mudança sobre estas quase duas décadas em que Roriz manda e não pede, comete suas falcatruas políticas e fala nos programas, como se fosse Deus, com sua coreografia ensaiada, dura, mecânica, que em nada combina com a sua figura ultrapassada dos coronéis escondidos nos séculos da história.

E mesmo assim é bem possível que ela ganhe, o que, de tudo, cumprirá a política do quanto pior, melhor. Só assim, depois deste circo todo, quem sabe o eleitorado "consciente" do Distrito Federal passe a ter, além desta visão opaca e tortuosa, um pouco de vergonha na cara, o que, já não era sem tempo. Enquanto isto, D. Weslian ficará cuidando de suas práticas ridículas, dos seus vestidos de gosto duvidoso, suas conversas de cozinha e a exibição das tecnologias avançadas da fazenda que "papai nos deixou".

Mas nós, o povo de Brasília, bem que merecemos. Já ajudamos a eleger as suas filhas deslavadas. E mais um pouco, seremos todos, como D. Weslian já é, perfeitos robôs nas mãos de sua excelência Roriz que sempre contribuiu para o caos de Brasília, com seus governos irresponsáveis, seus projetos eleitoreir0s e suas obras faraônicas que calam, com eficiência as bocas dos trouxas, dos palhaços e dos imbecis que somos todos nós. Sejamos então chefiados pela grande mãe religiosa, boa, dedicada, caridosa. Mas vazia, perdida, ingênua e sem ação nenhuma na vida. Caso contrário, não estaria até hoje vivendo ao lado de quem se casou. Já teria procurado um ponto de decência para viver a sua vida e terminar seus dias de estrada, que, pela lógica, não hão de ser tantos mais. Até hoje, ela ficou na penumbra, na meia-luz, ajudando ao seu amado esposo a cometer as desgraças horrendas que ele chama de boa política, e que, com certeza, levará todo o Distrito Federal a um caos insustentável nos próximos anos. Mas agora ela vem para o centro do palco, para cantar desafinada e dançar desengonçadamente.

Mas, felizmente, eleitor, o foco de luz está nas suas mãos, sendo você livre para acendê-lo ou não. Da mesma forma, você é o dono e senhor dos cordões que abrem e fecham as cortinas. Estando, portanto, o espetáculo dantesco em suas mãos. E quem o assistir terá depois noites e dias de pesadelos constantes. Pense nisto e ao invés de usá-los, vamos colocar os narizes de palhaços na porta da família Roriz, para que este seja um país que não mais eleja Tiriricas, Weslians, etc. etc, Eles que fizeram o circo. Agora, portanto, que se deleitem com o espetáculo de horror que são todos, protagonistas.
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Antonio da Costa Neto

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

"Liberdade para mim é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome." (Clarice Lispector)

RORIZ, O MACACO, A FRAUDE E A PIADA DO PALHAÇO

Sebastião tinha 1m52 de altura, 70kg de peso e 34 anos quando morreu de diabetes, na véspera do Natal de 1996. Oito anos antes quase conquistara a prefeitura do Rio de Janeiro, a segunda maior capital brasileira, arrebatando mais de 400 mil votos do esclarecido eleitorado carioca. Foi o terceiro mais votado entre 12 candidatos. Se tivesse vencido, não seria empossado. A família Hominidae, da qual Sebastião fazia parte, não tinha nenhuma tradição política. Ele fazia parte de uma espécie, os pan troglodytes, popularmente conhecida como chimpanzé.
Carinhosamente aclamado pelas crianças como ‘Macaco Tião’ no Zoológico do Rio, ele foi a invenção política mais divertida do Casseta & Planeta, antigo programa humorístico da Rede Globo. Sebastião ganhou a eternidade no livro Guinness de recordes como o chimpanzé mais votado do mundo. O ‘Macaco Tião’ é o deboche escancarado na política brasileira, que apela para o bizarro quando leva o eleitor ao voto de protesto fantasiado pela ironia, pelo bom humor e pela graça.
Isso já acontecera no final dos anos 50, nas eleições municipais de São Paulo, quando alguém se impressionou com uma praga hoje felizmente extirpada do território brasileiro: o baixo nível dos 450 candidatos que disputavam então uma vaga na Câmara Municipal.
Antecipando em três décadas o ‘Macaco Tião’ carioca, lançou-se em São Paulo a candidatura a vereador do rinoceronte ‘Cacareco’, do Zoo da capital paulista, numa época em que cada eleitor escrevia o nome de seu candidato numa cédula de papel. Cem mil paulistanos tiveram a pachorra de escrever no seu voto o nome do mamífero chifrudo e de casca mais grossa que a maioria da fauna política nacional. ‘Cacareco’ foi o nome mais sufragado da eleição de 1959, superando sozinho os 95 mil votos do partido mais consagrado nas urnas. ‘Tião’ e ‘Cacareco’ representam a face divertida e moleque da política.
Weslian, 1m70 de altura, 76kg de peso e 67 anos, é a faceta sem graça, a cara do escárnio, o lado mais debochado a que chegou a política em Brasília, a capital de 190 milhões de brasileiros, supostamente o centro mais esclarecido de uma multidão de 135 milhões de eleitores.
Da família Roriz, grife de um clã político que governou o Distrito Federal em quatro mandatos, num total de 14 anos, Weslian fez sua retumbante e tardia estréia nas eleições de 2010 na noite de terça-feira (28), no debate da Rede Globo com os candidatos a governador, quando faltava menos de uma semana para o pleito de 3 de outubro.
Weslian entrou no jogo eleitoral pela porta dos fundos: foi apontada na sexta-feira (24) pelo marido, o ex-governador Joaquim Roriz, que na véspera viu o Supremo Tribunal Federal empacar (5 votos contra 5) no julgamento em que ele tentava escapar dos efeitos sanitários da Lei da Ficha Limpa, que cassou Roriz por envolvimento e renúncia em um escândalo de corrupção.
Com o cálculo político da esperteza, Roriz imaginou enganar a lei e iludir os eleitores trocando seis por meia dúzia. Renunciou preventivamente e botou no lugar a mulher, dona Weslian, uma simplória dona de casa, companheira de 50 anos de casamento e dedicada a obras de cunho social e benemerente. Assim, mantinha o nome Roriz na tela de votação e o número da coligação, o que reviveu o mote de um antigo seriado de TV: o ‘Casal 20’. A frieza de carrasco de Roriz ficou evidente no debate da Globo, quando expôs a mulher a um dos mais sórdidos espetáculos de auto-imolação já encenados na política brasileira.
Weslian, coitada, surgiu no estúdio, patética e apatetada, tentando interpretar o papel que o marido lhe empurrou, goela abaixo, exibindo toda a fragilidade de um projeto político esfacelado pelo advento da Lei da Ficha Limpa. Honrada e despreparada, Weslian tropeçava na gramática, no raciocínio, no noviciado e na improvisação, trocando perguntas, confundindo candidatos e espantando a grande maioria dos 1,8 milhão de eleitores da capital brasileira.
Não soube nem mesmo administrar as dezenas de folhas, perguntas e respostas preparadas pela assessoria de Roriz, perdendo minutos preciosos tentando localizar a ‘cola’ salvadora. Não conseguiu nem mesmo usar, na plenitude, o tempo precioso reservado às perguntas e respostas. Não se fazia entender na hora de perguntar, não conseguia compreender a questão na hora de responder. Ao tentar responder uma pergunta sobre ‘transporte público’, dona Weslian lembrou que o candidato do PT, ex-comunista, não acreditava em Deus e devolveu com uma pertinente questão: “O senhor é contra o aborto?”.
Foi uma das cenas mais constrangedoras e pungentes de toda a campanha eleitoral de 2010, em qualquer quadrante do Brasil. O desamparo e o abandono de dona Weslian, jogado às feras da política pelo marido impiedoso e insensível, desatou uma imprevista corrente de piedade para com a inesperada candidata, filha de um rico fazendeiro de origem libanesa que pastoreava o cerrado do Planalto no quadriláteiro que, anos depois, JK, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer demarcariam para encravar a futura capital brasileira. Misericordiosos, os três candidatos adversários – do PT, PSOL e PV – fizeram perguntas entre si, poupando a criatura de Roriz, que tropeçava em seus papéis, em suas frases, em suas idéias inacabadas.
Weslian, cristã e católica fervorosa, invoca sempre Deus e Nossa Senhora, lembrando que acompanhou de perto a vitoriosa carreira do marido. “Ele sabe administrar uma fazenda como ninguém”, confessou no debate, fazendo uma involuntária metáfora sobre o estilo que o Casal 20 agora evoca nos últimos momentos do programa eleitoral de rádio e TV, com seu lema de campanha: “Weslian vai trazer de volta o jeito Roriz de governar”.
Mais do que a fraude explicitada pela manobra esperta do marido, Weslian encarnava, no estúdio refrigerado da Globo, o personagem ridículo e subalterno que joga no chão a política brasiliense. Uma proeza nada desprezível para uma cidade que já viu desfilar figuras inusitadas, folclóricas, divertidas ou lamentáveis como Fernando Collor, Cacique Juruna, Severino Cavalcanti, Paulo Maluf, Clodovil, Roberto Jefferson, Agnaldo Timóteo, José Roberto Arruda e o próprio marido de Weslian, o implacável Joaquim Roriz.
A fauna política que teima em habitar o bioma do Cerrado é gerada, em boa parte, pela flacidez das leis e pela tolerância ou pelo bom humor do eleitor que, na falta de um ‘Macaco Tião’ ou de um ‘Cacareco’, acaba descobrindo utilidades inesperadas ou debochadas para o seu voto. Agora mesmo, as previsões mais modestas apontam o palhaço ‘Tiririca’ como um dos campeões de voto para a Câmara dos Deputados, virtualmente eleito com quase um milhão de votos pelo PR de São Paulo, o que seria a maior votação do país.
Ao contrário do Supremo, que decidiu não decidir no julgamento de Roriz, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do DF resolveu, na tarde desta quarta-feira (29), brecar o truque do ex-governador, vetando toda a propaganda de rua e os programas de rádio e TV que exaltam o Casal 20, um flagrante desrespeito à lei e um claro embuste da renúncia voluntária e programada de Roriz. Ele não poderá mais aparecer ao lado da mulher, como fiador, conselheiro ou sequer ‘amado esposo’ da candidata inventada de última hora para escapar da lâmina afiada da Lei da Ficha Limpa.
Não existem evidências de que Joaquim Roriz inveje o quociente intelectual ou a vestimenta colorida de ‘Tiririca’. Mas a desastrosa aparição de Weslian na corrida eleitoral e no debate da Globo reforçam a suspeita de que Joaquim Roriz vê os habitantes de Brasília com o nariz vermelho de palhaços, como aqueles que acreditam que “a política, pior do que está, não fica”. Com a ajuda do ex-governador, sabe-se, sempre poderá ficar.
No domingo, dia 3, os eleitores conscientes da capital brasileira tiveram a chance de devolver esta piada sem graça, cravando seus votos em quem merece. Não precisaram nem eleger o macaco ou o rinoceronte. Bastaria repudiar a fraude.
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Luiz Cláudio Cunha é jornalista, eleitor em Brasília e não vota em palhaço.