quarta-feira, 30 de julho de 2014

SOBRE VACAS E MOEDORES - RUBEM ALVES

Sobre Vacas e Moedores



Um amigo tinha um sítio. Colocou nele uma vaca. A vaca lhe dava uma enorme despesa. Teve de construir um estábulo, além de comprar uma picadeira de cana para a ração. As pessoas ajuizadas da sua família tentaram trazê-lo de volta à razão. “Com as despesas todas que a vaca lhe dá, o leite dela é o mais caro da cidade! Seria mais prático comprar o leite nos saquinhos plásticos...” 

Mas ele me confessava: “Eles não entendem... Eu não tenho a vaca por causa do leite. Eu tenho a vaca porque gosto de ficar olhando para ela, aqueles olhos tão mansos, aquele ar tão plácido, tão diferente das pessoas com quem lido... Tenho a vaca porque ela me faz ficar tranqüilo...” Meu amigo sabia aquilo que seus práticos familiares não sabiam: que uma vaca além de ser um objeto com vantagens práticas e econômicas, é também um objeto onírico. As vacas nos fazem sonhar...
 Havia, na casa do meu avô, um quadro bucólico. Era um campo com grandes paineiras floridas ao fundo e algumas vacas que mansamente pastavam. Eu, menino, gostava de ficar ali, olhando o quadro. E me imaginava assentado à sombra das paineiras, gozando da felicidade de ter como companhia apenas vacas que nada pediam de mim. Não existe nelas nenhuma ética, nenhum comando. Nada querem fazer, além de comer o capim verde. Já os cavalos provocam sonhos diferentes: criaturas selvagens, cheias de uma beleza energética, relincham num desafio para as corridas desabaladas e o vigoroso bater das patas no chão. O relinchar de um cavalo é um grito de guerra. Mas o mugido de uma vaca, apito rouco de um navio vagaroso, soa como uma oração... “de profundis...”
 Acho que foi por isso, por essa sabedoria filosófica, que as vacas nos fazem sonhar, que os hindus as elegeram como seres sagrados. As vacas parecem estar em paz com a vida – muito embora o seu destino possa ser trágico. Trágico, não por causa delas, mas por causa dos homens, que pouco se comovem com seus olhos mansos. Cecília Meireles colocou num verso esta condição bovina, como paradigma da condição humana: “Sede assim – qualquer coisa serena, isenta, fiel, igual ao boi que vai com inocência para a morte.” 
Pois bois e vacas, esvaziadas de suas belas e inúteis funções oníricas, pelos homens práticos, estão destinados ao corte. Passei pelo açougue, lugar onde se realiza o destino das vacas. Um açougue é o lugar onde a mansidão bovina é transformada em utilidade comercial. Para serem úteis elas têm de morrer. Sobre o balcão, um moderníssimo moedor de carne. O açougueiro, afiando sem parar a faca, corta as carnes que, um dia, pastaram à sombra das paineiras. Por um buraco, à direita, entram os pedaços de carne. 
Ligadas à máquina, giram as engrenagens invisíveis que trituram a carne. Operação necessária para que a vaca se torne útil ao homem. Em sua placidez filosófica, a vaca não é útil à ninguém, apenas a ela mesma. É preciso que a máquina a transforme em outra coisa para ser útil ao homem. Na outra extremidade do moedor elétrico há um disco cheio de orifícios. Por ele esguicha a carne moída, que vai caindo em uma bandeja. Terminada a operação, o açougueiro toma um punhado de carne e o coloca sobre um pedaço de plástico, e, por uma manipulação destra, enrola-a sob a forma de rolo, como se fosse um salame.
 E assim vai repetindo. Sobre o balcão os rolos vão se acumulando, todos iguais, um ao lado do outro. Tentei conversar com os rolos de carne moída. Perguntei-lhes se sentiam saudades dos pastos, dos riachos, das paineiras floridas?... Mas parece que haviam se esquecido de tudo. “Pastos, riachos, paineiras – o que é isso? Parece que a máquina de moer carne tem o poder de produzir amnésia. Perguntei-lhes então sobre os seus sonhos. E me responderam: hamburgers, Mc Donald’s, Bob’s, churrascos... Só sabiam falar da sua utilidade social. E até falavam em inglês... Meditei sobre o destino das vacas e fiquei poeta. A gente fica poeta quando olha para uma coisa e vê outra. É isto que tem o nome de metáfora. Olhei para a carne cortada, o moedor, os rolinhos e vi outra coisa: escolas! Assim são as escolas... 
As crianças são seres oníricos, seus pensamentos têm asas. Sonham sonhos de alegria. Querem brincar. Como as vacas de olhos mansos são belas, mais inúteis. E a sociedade não tolera a inutilidade. Tudo tem de ser transformado em lucro. Como as vacas, elas têm de passar pelo moedor de carne. Pelos discos furados, as redes curriculares, seus corpos e pensamentos vão passando. Todas são transformadas numa pasta homogênea. Estão preparadas para se tornarem socialmente úteis.
 E o ritual dos rolos em plástico? Formatura. Pois formatura é isto: quando todos ficam iguais, moldados pela mesma forma. Hoje, quando escrevo, os jovens estão indo para os vestibulares. O moedor foi ligado. Dentro de alguns anos estarão formados. Serão profissionais. E o que é um profissional se não um corpo que sonhava e que foi transformado em ferramenta? As ferramentas são úteis. Necessárias. Mas - que pena – não sabem sonhar...

MINHA HOMENAGEM A RUBEM ALVES COM A PUBLICAÇÃO DESTE SEU TEXTO MARAVILHOSO


Eu, Leonardo



Minhas habilidades técnicas não são das piores. Eu mesmo, com serra, furadeiras e parafusos, construí as estantes do meu escritório. E até que elas me agradam quando vistas de longe. O importante é não examinar os detalhes, pois me falha a fineza artesanal. De vez em quando, conserto uma fechadura enguiçada e consegui mesmo reconstruir uma torradeira elétrica que havia se espatifado no chão. Minha inclinação para lidar com a construção e reconstrução de coisas se manifestou pela primeira vez quando eu tinha sete anos de idade, ocasião em que desmontei o relógio velho de minha mãe, para ver como ele era feito.
 Evidentemente, com a intenção de montá-lo de novo. Infelizmente, esta segunda parte da minha experiência em mecânica não pôde ser realizada, pois eu me esqueci da ordem em que as peças deviam ser ajuntadas. Meus pais, ao invés de ficarem bravos, ficaram orgulhosos, pois viram no meu ato uma inegável vocação para a engenharia. Minha competência para a matemática, se revelou logo no curso primário, confirmou este diagnóstico, e ninguém duvidava, nem mesmo eu, que o meu futuro era de ser de um brilhante engenheiro. Mas a vida nos conduz por caminhos não previstos, e, ao invés de desenvolver minha competência na direção da técnica, acabei por me meter numa área totalmente diferente, onde a coisa mais impossível de se fazer é um artefato técnico.
 Do ponto de vista da técnica sou totalmente inútil e incompetente – o que me condenou à posição marginal de alguém incapaz de realizar as coisas que fazem a glória e a riqueza do nosso mundo. Minha ignorância das coisas da tecnologia avançada – como este computador em que escrevo esta crônica – é absoluta, e os princípios que tornaram possível a sua fabricação me são um mistério sem tamanho. Quero, portanto, deixar manifesta a minha admiração – mais do que isto, a minha inveja, daqueles que são os mago-construtores deste mundo tecnológico em que vivemos. Se eu tivesse entrado pelos caminhos da tecnologia, um lugar onde eu gostaria de trabalhar é na IBM. Porque, se não estou equivocado, a IBM é uma das mais altas e perfeitas manifestações do espírito tecnológico, na sua maior pureza. Tudo o que ela faz é (quase) perfeito. Digo “quase” porque, paradoxalmente, perfeição tecnológica só pode existir no campo do pensamento puro.
 As coisas produzidas, por maior que seja o controle de qualidade, têm sempre imperfeições. Os aviões caem. Os computadores são infestados por vírus. Os metais se rompem de “fadiga”. Para nós, “quase perfeito” já está muito bom. Mas a IBM me surpreendeu quando descobri que ela também está interessada na beleza. Gastou o seu dinheiro para produzir um dos vídeos mais lindos que eu já vi, comovente e inspirador sobre a vida de Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da história da humanidade. Eu, Leonardo... Mente inquieta, incontrolável, indomável, dominada pelo fascínio do mundo – seus olhos e seu pensamento não conseguiam descansar ante os infinitos objetos do mundo, existentes e por existir. Julgava a pintura a suprema das artes, pois através dela podia captar visualmente a harmonia da natureza, construída segundo os princípios da matemática. Estudou anatomia, para entender os princípios mecânicos, segundo os quais o corpo humano – esta máquina perfeita – era construída. Músico, fazia seus próprios instrumentos. Compunha, tocava e improvisava os poemas que cantava.
 Arquiteto, fez planos para uma cidade ideal, em que as casas fossem construídas segundo o princípio da beleza, banhadas de luz, e em que houvesse vias especiais para os pedestres e outras para os veículos. Imaginava máquinas. O seu pensamento voava tão longe que a tecnologia existente não era capaz de produzir aquilo que ele imaginava – e, por isto, elas permaneceram apenas como projetos, no papel. Estudou o vôo dos pássaros, a fim de construir uma máquina que desse aos homens o poder de voar. Sonhou com navios que navegassem por baixo das águas, como os peixes. Observava o tempo e os seus sinais para compreender os princípios da meteorologia. Estudava a água, que acreditava ser o princípio vital do universo. Observava os fósseis e concluiu que em passados remotos o cume das montanhas havia estado submerso nas águas.Fascinava-se com cavalos, para ele, os mais belos animais, depois dos homens, e fez estudos sobre a sua estética. O que era Leonardo? Pintor, músico, arquiteto, poeta, engenheiro, geólogo, biólogo? Todas estas coisas. Dentro do seu corpo vivia um universo. Homem universal, ele foi a encarnação, num único corpo, do ideal da Universidade, como o lugar onde os homens se reúnem para, dando asas à imaginação, encontrar o deleite na visão, compreensão e harmonia do mundo.
 Foi então que me veio uma idéia maluca: se o Leonardo da Vinci tivesse vivo hoje, será que ele conseguiria um emprego na IBM? Para começar, o seu currículum vitae provocaria suspeitas. Um homem com interesses que vão da estética dos cavalos à construção de máquinas voadoras não parece regular bem. Mas, suponhamos que ele conseguisse o emprego. Imagino uma situação prática: o seu chefe lhe pede um relatório sobre um projeto de pesquisa e ele responde que no momento não é possível porque está se dedicando a um projeto estético pelo qual se apaixonou – a pintura de um quadro.
 É. Acho que Leonardo da Vinci não teria vida longa como funcionário da IBM, nem como professor de uma de nossas universidades. Espero que meus amigos da IBM me entendam. Que não tomem isto como nada de pessoal. A relação é puramente acidental. Primeiro, porque foi ela que fez o maravilhoso vídeo do Leonardo. Segundo, porque eu, de fato, acredito que a IBM representa o que há de mais alto no mundo técnico. Uso a IBM como metáfora e representante da lógica de produção organizacional da tecnologia, que pode ser assim resumida: “organizações de produção de tecnologia não toleram Leonardos.”
 Controle de qualidade ficou sendo uma expressão da moda. O que ela significa é muito simples: há de haver mecanismos que garantam que o produto final desejado esteja o mais próximo possível da perfeição com que ele foi idealizado. É isto, por exemplo. Que se espera de um bom restaurante: que o prato servido corresponda ao prato que é prometido. No campo tecnológico, o produto final tem de corresponder às especificações, tais como saíram da cabeça dos engenheiros que o pensaram.
 É somente assim que se garante qualidade uniforme e confiável aos produtos. Acontece, entretanto, que a parte mais importante deste processo não é o controle de qualidade dos produtos, mas o controle de qualidade do pensamento. É do pensamento que nascem os produtos. O mundo começa, não na máquina, mas na inteligência. Por isso, ao lado de mecanismos de controle técnico, as organizações, de há muito, aprenderam que é preciso controlar o pensamento. No seu fascinante livro O Homem-Organização, Willian H. W. Jr. Descreve tal processo como a domesticação do gênio. O cientista deve abandonar a sua imaginação divagante que o leva a andar pelos caminhos do seu próprio fascínio e tornar-se uma função dos objetivos determinados pelos interesses da instituição que o emprega. Deve ser um “company cônscios".
 Se o que a companhia deseja é a produção de tomates enlatados, o seu pensamento deve pensar tomates enlatados o tempo todo. Gastar tempo pensando em música, jardinagem, política, ecologia, é uma doença a ser evitada a todo custo, em benefício do controle de qualidade do pensamento. Em outras palavras: controle de qualidade do pensamento é cortar as asas da imaginação a fim de que ele marche ao ritmo dos tambores institucionais. O pensamento se tornará excelente ao preço de se perder a sua liberdade. Isto vale para a IBM e para todas as instituições de excelência tecnológica. Inclusive – e principalmente – as universidades. Quanto a Leonardo da Vinci, coitado, deverá se contentar em ficar desempregado.

terça-feira, 22 de julho de 2014

LINDAS FOTOS DE NORMA DINN, OU MARILYN MONROE ANTES DA FAMA ABSOLUTA


Em 1945, o fotógrafo Andre de Dienes trabalhou com uma moça que ele nem imaginava que seria um dos maiores ícones da beleza. Na época, Marilyn Monroe tinha 19 anos e nem era loira ainda e usava, mesmo artisticamente, seu nome de batismo: Norma Dinn. Dienes foi um dos retratistas mais admirados do século XX e fotografou celebridades como Elizabeth Taylor e Marlon Brando. Quem vê essas fotos nem imagina que essa moça se transformaria em uma das mulheres mais conhecidas da história:
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