terça-feira, 11 de outubro de 2011

FRAGMENTOS DO POEMA DO MENINO JESUS - DE FERNANDO PESSOA, CONFIGURADO COMO ALBERTO CAEIRO






Num meio-dia de fim de primavera
eu tive um sonho como uma fotografia.
Eu vi Jesus Cristo voltar à terra
e veio pela encosta de um monte.
Era a eterna criança, o Deus que faltava.
Tornando-se outra vez menino,
a correr e a rolar pela relva,
a arrancar flores para deitar fora
e a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir de
Segunda pessoa da Trindade.
Um dia, que Deus estava dormindo
e que o Espírito Santo andava a voar
ele foi até a caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro, ele fez com que ninguém
soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo, ele criou-se

eternamente humano e menino.
E com o terceiro ele criou um Cristo

e o deixou pregado numa cruz que serve de modelo às outras.
Depois ele fugiu para o sol
e desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje ele vive comigo na minha aldeia
e mora na minha casa em meio ao outeiro.
É uma criança bonita, de riso e natural.
Atira pedra aos burros.
Rouba a fruta dos pomares.
E foge a chorar e a gritar com os cães...
...Nem sequer o deixaram ter pai e mãe
como as outras crianças.
Seu pai eram duas pessoas: um velho carpinteiro
e uma pomba estúpida, a única pomba feia do mundo.
E sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher, era uma mala

em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que justamente ele

pregasse o amor e a justiça.
Ele é apenas humano.
Limpa o nariz com o braço direito,
chapina as possas d'água;

colhe as flores, gosta delas, esquece-as.
E porque sabe que elas não gostam

e que toda a gente acha graça, ele corre atrás das raparigas

que carregam as bilhas na cabeça
e levanta-lhes as sáias.
A mim, ele me ensinou tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
E aponta-me todas as belezas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem nas mãos e olha devagar para elas.
Ensinou-me a gostar dos reis e dos que não são reis.
E tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente.
Sempre a escarrar no chão e a dizer indecências.
E a Virgem Maria leva as tardes

da eternidade a fazer meias.
O Espírito Santo coça-se com o bico;
empoleira nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é tão estúpido como nas Igrejas.
Diz-me que Deus não percebe nada das coisas

que criou, do que duvido.
"Ele diz por exemplo que os seres
cantam sua glória."
Mas os seres não cantam nada,

se cantassem, seriam cantores.
Eles apenas existem e por isso são seres.
Ele é o humano que é o natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E é por isso que eu sei com toda certeza
que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E depois, cansado de dizer mal de Deus
ele adormece nos meus braços
E eu o levo ao colo para casa.
Damo-nos tão bem um com o outro
na companhia de tudo
que nunca pensamos um no outro.
Mas vivemos juntos os dois
com um acordo íntimo,
como a mã0 direita e a esquerda.
Ao anoitecer, nós brincamos nas
cinco pedrinhas no degrau da porta de casa
graves, como convêm a um deus e a um poeta.
E como se cada pedra fosse um universo
e fosse por isso um grande perigo
deixá-la cair no chão.
Depois ele adormece.
E eu o deito na minha cama
despindo-o lentamente
seguindo um ritual muito limpo, humano

e materno até ele ficar nu.
Ele dorme dentro da minha alma.
Às vezes ele acorda de noite
e brinca com os meus sonhos.
Vira uns de perna para o ar,
põe uns encima dos outros.
E bate palmas sozinho sorrindo para o meu sono...
...Quando eu morrer, filhinho,
seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
e leva-me para dentro da tua casa.
E deita-me na tua cama
e conta-me histórias, caso eu acorde,
para eu tornar a adormecer.
E dá-me os sonhos teus para eu brincar...


sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A MALUCADA QUE DESEJA MUDAR O MUNDO



"Aqui estão os loucos, os desajustados, os rebeldes, os desordeiros, os pinos redondos nos buracos quadrados ... Aqueles que vêem as coisas de forma diferente - eles não gostam de regras ... Você pode citá-los, discordar deles, glorificar ou vilipendiá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los porque eles mudam as coisas ... Eles empurram a raça humana para a frente. E enquanto alguns podem vê-los como loucos, nós os vemos como gênios. Porque aqueles que são loucos o suficiente para pensarem que podem mudar o mundo, são os que, realmente, o fazem ".

(Think Different, narrado por Steve Jobs)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

05 DE OUTUBRO: SILVÂNIA FAZ ANIVERSÁRIO. PARABÉNS!!...



Todo mundo tem uma paixão secreta, acredito! Seja ela qual for. Mas sei também que todo mundo tem uma paixão explícita. E aqui venho deixar escancarada e clara uma das minhas. Quarta-feira, 05 de outubro pode ser para muita gente uma data comum. Um dia sem nenhum brilho especial. Uma ou outra pessoa pode até puxar pela memória e ser pega de surpresa ao lembrar, ainda que de maneira atrasada, o aniversário de alguém. De um acontecimento marcante, um amor, um beijo, alguma coisa feliz, gratificante. Enfim...
Eu, porém, vou mais longe, se me permitem. Vou voltar no tempo e arriscar algumas emoções. Pois, 05 de outubro é a data de aniversário da minha cidade natal. A minha amada Silvânia, a antiga e inesquecível Bonfim, de todos nós. "Terra que ensinou Goiás a ler, a ter cultura, sendo sua Atenas". Cidade que viveu tempos memoráveis do cinema. Desde aqueles filmes mudos e engraçados do Padre Januário que espero, mas não acredito, que alguém teve a sensibilidade de manter, guardar e conservar, pois se trata de verdadeiras jóias. Onde olhos curiosos acompanhavam ansiosos o mundo que se descortinava frente às enormes telas do Cine Teatro Municipal e do Cinema do Seu Aurelino, na rua do Neves de Siqueira, onde hoje fica o que nós, silvanienses chamamos de "máquina de arroz". Ou do teatro das freiras salesianas e da arte suprema e inesquecível de D. Nair Damásio.
Ali, muitos se conheceram e, possivelmente, se apaixonaram. Apertaram as mãos às escondidas, trocaram o primeiro beijo, a primeira carícia carregada de suspiro como se a vida quisesse imitar a arte. E conseguisse. Cidade que tem às margens a telúrica Estação Ferroviária, um por do sol poético. Cheiro do eucalipto, as águas do Rio Vermelho, as velhas histórias de Zé Caetano, Josito, D. Maria Teresa. Silvânia do saudoso Manezão, das figuras humanas tão suas, tão próprias: Hermínio Cotrim, Urbano Caetano, D. Freuza Corrêa, Chico da Altina, Sinhô, "Seu" Hermelindo de Melo, Filhote, Tãozinho, Donozor, Ivo Lenza.
Silvânia, fragmentos de poemas, sempre inacabados. A voz da Salete encantando multidões e sua irmã, Catarina, fazendo dublagens de Rita Pavonne, um encanto. As Comédias feitas pela Catarina Solange, Bete Lobo, Valda e Lucy do Anísio. Gracinha do Acrísio, um misto de beleza, carisma, inteligência. Literalmente, uma graça. Maria Érika, sua arte, sua força, sua beleza astuta, sua elegância. Carmita, seu sorriso, sua máquina de costura, sua batalha incansável, por anos, até hoje, até sempre. Silvânia do Inácio, o anjo sem asas. Do Astrogildo, homem bom, sensível, bem-humorado, uma pessoa maravilhosa (e detalhe, o dono da letra mais linda do mundo). Fazendo par com a sua Cota e ciranda com seus filhos e netos. Silvânia dos Damásios, de D. Darvina, minha eterna professora, com quem muito aprendi. Dos jardins paradisíacos de D. Inácia Leite. As fazendihas com suas porteiras rangendo, suas vacas, galinhas, hortas, flores ao vento. E, logicamente, dos Silva, que lhe deram o nome, o encantamento da simplicidade que tudo dignifica.
Que Tem os famosos colégios Anchieta, Nossa Senhora Auxiliadora e o Aprendizado Padre Lancísio. Além do José Paschoal, de educação rigorosa, desdobrando as tradições da clássica pedagogia, dos ensinamentos igualmente especiais e profundos como os suspiros, as saudades, a bondade no coração do seu povo. A Catedral de Nossa Senhora do Rosário e a Igreja Matriz do Senhor do Bonfim, com sua pracinha de cidade de interior. Onde mora Ivani, um encanto de pessoa. Um coreto melancólico e solitário, que nos faz voltar no tempo. Terra de gente católica, que tem como símbolo da fé um Cristo de braços abertos. Silvânia dos apelidos exóticos, lúdicos, engraçados: Capetão, Café, Sinhana Caminhão, Bugi, Biscoito, Nego Olavo, Zé Côco, Geraldo Manteiga, Pequena, Mané que Boi Pisou, Cobrinha, Bastião Tatu, Tibão, Desgracinha, Luzia Gata, Id Brenner e tantos outros.
Silvânia deve estar em festa. Antes estaria. E era festa das grandes. Os desfiles em comemoração a sua fundação, eram verdadeiros motivos de grandes expectativas. Os ensaios das "bandas" de cada escola se sucediam cansativos, mas cheios de entusiasmos. Cada um queria render sua homenagem. Numa das principais avenidas da cidade os dobrados emocionavam o público. Um amontoado de gente formava um verdadeiro corredor humano para ver o desfile passar. Alguns nem respiravam. Cada centímetro era disputadíssimo. E a cidade lá, acolhendo cada nota como prêmio de uma segura gratidão. Silvânia dos festivais, dos encontros de juventude, dos cursilhos de cristandade, das festas dos ex-alunos. Dos espetáculos, das semanas de retiro, dos jogos escolares. Os uniformes de gala, as gincanas.Os amores inesquecíveis. Silvânia da bondade do Dr. Thiago, do azul cristalino no olhar mais que centenário de D. Zulmira Batista, iluminando as bondades e purezas de sua alma.
As excursões para Aparecida, D. Rilza sorridente e amorosa. Dr. Helvécio atendendo as pessoas no seu casarão da Praça. Os ciprestes do quintal de D. Quetinha. A livraria da Nenzita. Vivin com seu terno bege, a barba bem feita e o sapato sempre limpo, intocável. Maria Preta fazendo graças e matando todos de dar risadas. Os velórios das pessoas ricas. As pamonhadas, a feira ao lado do Céssi. Os pomares de jabuticabeiras, o rádio de D. Nestina sempre no último volume. Os anúncios do Ditão no alto-falante da igreja comunicando as tradicionais "notas de falecimento".
A visita da imagem do Divino Pai Eterno e toda gente animada decorando suas portas, iluminando a graça das toalhas brancas e bordadas ao calor das mãos humanas, calejadas, sofridas. A cidade que tem como um dos cartões postais a Praça do Rosário. Famosa por sua fonte luminosa onde todos se encontram durante o final de semana e ainda vivem ali os grandes carnavais. Os bailes do Clube Recreativo, as festas religiosas e profanas. As barraquinhas enfeitadas, as garçonetes vestidas de camponesas, com seus aventais bordados e os chapéus de palha enfeitados com flores e laços coloridos. A Avenida, o Bar Patropi, o saudoso Tôen do Clóvis...
A casa deliciosa de Seu Cipriano, onde íamos estudar entre paredes de adobo, terreiro de margaridas, cortinas estampadas ao vento. E aquele portão lá na rua, longe da casa onde a gente batia e ficava esperando a pessoa e o sorriso. Os meninos do Seu João de Oliveira, com quem eu até não me encontrava muito, mas até hoje, quando encontro qualquer um deles é uma festa tão grande, a demonstração de uma alegria imensa, que fico emocionado e sem ar. Os filhos do Soguim e D. Laudicena. As nossas idas em sua casa para colher as uvas-do-pará, uma delícia como poucas. Como não sentir saudades e não ter vontade de chorar relembrando tempos tão doces?
Silvânia dos Clubes Atenas e das Pedrinhas, do queridíssimo Padre Januário. Da AABB. E como não poderia deixar de lembrar aqui, Silvânia das galerias enormes do Anchieta, das festas juninas, da quadra de vôlei no meio da praça. A quadrilha lindamente marcada pela voz da Amelinha, do Toinho da Elpídia. Não se sabia o que era mais bonito, se a dança, as roupas, a alegria dos casais ou a voz melodiosa de seus marcadores. Do relógio acertado pelo Tãozinho, do Zequita, D. Luiza Mestre, a Julina do Asilo, D. Preta do Hermelindo, D. Nega Costureira, Antonio da Laura, D. Almira, Neném do Nego, Vó Cândida, Fia, D. Bárbara, Galeno, Sinhá e inúmeros outros amores profundos, perfumados e inesquecíveis.
Silvânia de D. Inhazica, encantadora. Do Zé Caixeta, um grande prefeito, seguido de Zé Denisson, Zé Tavares, Milton, Adonias do Prado, Augusto Siqueira e tantos outros. Silvânia das festas maravilhosas de São Sebastião, do Divino, das comemorações da Paixão de Cristo, do Natal. O mês de maio, inteirinho dedicado à Maria. Silvânia de D. Josefina Batista, D. Nina. Lôpo Ramos, Tim, Moisés Umbelino, Pe. Pedro Celestino. Das plantações de marmelo do Seu Manoel Ramos, mais cheirosas dos que as noivas e o seu perfume invadia toda a pequena cidade durante as noites inteiras. E a gente acordava se deliciando e dando graças a Deus por aquele presente: motivo pra sorrir e agradecer sempre.
Silvânia do mel de Seu Brenner, do sorriso doce de D. Isaura, o mais eficaz dos remédios do hospital. O sino das igrejas, as músicas, as rezas de D. Tina Guimarães. A elegância de D. Didi Félix, a doçura das Teresinhas Lôbo e Caixeta. A poesia, as madrugadas silenciosas e repletas de bênçãos para os dias que sempre chegavam radiantes, vindos das mãos de Deus. Os pedaços da cidade que adolesciam com a sua juventude a cada final de manhã, a cada nova primavera. Silvânia de tantas outras lembranças. Silvânia, minha paixão ensolarada, repleta de luz, de sonhos e poesias. Cheia da sutileza que transforma os homens em santos, as mulheres em anjos. Levando, enfim, todas as suas almas para o céu. Pois elas estranhariam muito se não houvesse esta continuidade. Silvânia, enfim, um canto pitoresco da paraíso, que, felizmente, ficou esquecido na terra.
­­­­­

Antonio da Costa Neto
antoniocneto@terra.com.br