quinta-feira, 25 de novembro de 2010

"A ciência da poesia é amarrar o tempo no poste para que ele seja eterno." (Manoel de Barros)

EDUCAÇÃO & POESIA


"...Por que motivo as crianças de modo geral são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será a poesia um estado de infância relacionado com a necessidade de jogo, a ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos do viver, estado de pureza da mente, em suma? (...)

Mas se o adulto, na maioria dos casos, perde essa comunhão com a poesia, não estará na escola, mais do que em qualquer outra instituição social, o elemento corrosivo do instinto poético da infância, que vai fenecendo à proporção que o estudo sistemático se desenvolve, até desaparecer no homem feito e preparado supostamente para a vida? Receio que sim. A escola enche o menino de matemática, de geografia, de linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, das linguagens. A escola não repara em seu ser poético, não o entende em sua capacidade de viver poeticamente o conhecer o mundo...

...O que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era considerar a poesia como primeira visão direta das coisas, e depois como veículo de informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico, intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética. Alguma coisa que se “bolasse” nesse sentido, no campo da educação, valeria como corretivo prévio de aridez com que se costumam transcorrer destinos profissionais, murados na especialização, na ignorância do prazer estético, na tristeza de encarar a vida como dever pontilhado de tédio. "
Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

"É só um caminho por enquanto, uma esperança. Mas é uma cor no retrato em branco e preto." (Neide Duarte)

QUEM É MARCOS?


Marcos...

... Marcos é um gay em São Francisco. Um negro vegetando na África do Sul. Uma mãe abandonada na Etiópia. Um asiático na Europa, um chicano em San Isidro. Um anarquista na Espanha. Uma menina faminta e nua que enfrenta o frio das madrugadas sem teto entre os ratos e escorpiões. Um palestino em Israel. Uma adolescente estuprada. Um índio longe da floresta; um judeu na Alemanha. Um comunista no pé da Guerra Fria. Um artista sem galeria e nem portifólios. Um pacifista na Bósnia. Uma criança sem brinquedos e sem carinho. Uma dona de casa só, num sábado à noite em qualquer bairro da periferia das grandes cidades. Uma prostituta envelhecida, um doente terminal de AIDS. Um leproso, um homem cuja única opção possível foi a de ser assaltante para tentar sobreviver. Um pai de família desempregado, um alcóolatra atirado em qualquer sarjeta. Um tetraplégico sem amigos nem cadeira de rodas e nem mesmo, umas muletas rudes onde se apoiar. Uma moça sozinha no terror da tempestade. Um repórter escrevendo histórias que enchem as páginas policiais. Um homossexual assassinado; uma odalisca semi-nua trocando seu corpo por um pedaço de pão e suspirando fundo quando olha suas fotos de há trinta, quarenta anos atrás. Uma vítima da violência; um feto abortado. Uma anciã desabrigada e antevendo a tempestade negra, carregada de ventos e de frio. Um atropelado sangrando. Uma mulher solteira, só e aterrorizada no metrô às três horas da madrugada, amargando a mais profunda solidão. Um louco maltrapilho andando sem destino. Um camponês sem terra, um trabalhador demitido injustamente. Um estudante confuso, estressado e punido. Um dissidente no meio da economia de livre mercado. Uma negra na fila para o emprego. Um cego frente do azul deslumbrante do mar do Havaí. Um surdo num espetáculo de ópera. Um adolecente mutilado. Um condenado à pena de morte amargando a sua sela com dia e hora marcada para a execução que se avizinha. Um suicida nos estertores finais. Um escritor sem livro e nem leitores. E, sobretudo, um zapatista nas montanhas do sudeste do México. Um ecologista no deserto caústico. Um fugitivo de Havana. Um favelado desasistido e sem nada para seus filhos comerem. Uma refém no ônibus seqüestrado no centro do Rio de Janeiro. Um prisioneiro viciado em drogas...
Assim é Marcos. Tão humano como qualquer outro neste mundo. Marcos é todas as pessoas exploradas, marginalizadas e esquecidas. As minorias oprimidas, resistindo e dizendo: “basta!!!”
Marcos sou eu. É você. Somos todos Marcos, cada um de nós, indistintamente: Marcos... Joãos... Marias... Pedros... Josés... Lúcias...
Anas... Júlios... Terezas! ... ...

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( Texto retirado de um periódico mexicano, do qual não me recordo a identificação, sem a citação do autor. Tradução livre e adaptações de Antônio Costa Neto).

domingo, 14 de novembro de 2010

"Rotinas e repetições paralisam o pensamento. A inteligência se alimenta de desafios. Sem eles, ela murcha, encolhe. O conhecimento só se inicia quando o familiar deixa de ser familiar e vice-e-versa. Quando nos espantamos diante do enígma. É no susto que a sabedoria começa."
(Rubem Alves)

SERIA APENAS NO BERÇÁRIO BEBÊ (IN)FELIZ DE GOIÂNIA?


As pessoas estão desoladas com o que aconteceu no Berçário Bebê Feliz, em Goiânia. Eu também estou. Considero um dos maiores crimes a violência. E, muito especialmente, quando esta se dá contra crianças indefesas. E, ainda mais, com todo o requinte de crueldade. Que, neste caso, começa com a obrigação das crianças de chamarem esta criminosa pela forma carinhosa de "vovó". Um absurdo. Uma realidade absolutamente descabida que leva estes pais ao mais profundo desespero. Induz à comoção, à busca da justiça, o combate a este crime hediondo, à ação da polícia, à prisão, etc.
Claro, sou categoricamente contra a tal Maria do Carmo Serrano, o monstro, a dona do berçário e torturadora de crianças de forma brusca e inumana, numa crueldade sem precedentes. Num maquiavelismo frio, uma alma de Hitler. Ela precisa, deve pagar pelo seu crime. Cumprir sua pena. Preferencialmente, em regime fechado. O que eu duvido muito que vá acontecer. Pois nossas leis são condescendentes com este tipo de criminoso. Com certeza, vão alegar que se trata de uma ré primária, uma trabalhadora, mãe de família, e, em especial, por ser uma pessoa com idade avançada. E que não poderá ser submetida à prisão. Que responderá o processo em liberdade, etc. E passada a comoção social, tudo fica do mesmo jeito. Exceto, espero, reabrir a instituição, principalmente, sob a sua responsabilidade. Mas, ficaremos por aí. Quem viver, verá.
Fica, no entanto, na minha cabeça uma série de dúvidas. Primeiro, por que estes pais, e, principalmente, mães, que se dizem agora tão preocupados e desolados com o acontecido foram tão omissos e deixaram que a coisa chegasse onde chegou? Se fossem tão responsáveis, e, sobretudo, amorosos e atenciosos com seus filhos, com suas crianças, quanto o são com os seus empregos, salários e o seu espírito competitivo na vida - inclusive em nome do amor aos filhos (?) este horror - que começa com a negligência em casa - não teria acontecido. Tenho certeza.
O que ocorre, na maioria das vezes, embora jurem que não, é que os pais e as mães são insensíveis, desinformados, ocupados demais, portanto, despreparados para tal. Compram qualquer trabalho de pseudo-educadores, até por ingenuidade, e, com a melhor das boas intenções - do que, como dizem, o inferno está cheio - e meio que deixam pra lá. Não têm tempo de conversar com os filhos, de observar seus corpos. De perguntar, e desdobrar os comportamentos, os pavores, os medos, as esquisitices das crianças. Na verdade, o amor aos filhos, o contato, o carinho, são sempre coisas para depois. Primeiro, a obrigação no emprego, as exigências dos escritórios, o dinheiro, a ganância material. Ou mesmo, a necessidade pura e simples. Mas, mesmo assim, os filhos ficam relegados a um segundo plano.
Se os pais e mães, agora chorosos e ávidos por justiça fossem mais presentes, mais responsivos. Se visitassem com certa frequência, de surpresa, inclusive, as instituições e as pessoas a quem entregam "seus tesouros", agora invadidos e violentados, tais coisas muito se minimizariam. De modo que temos que juntos, assumir nossas parcelas de culpa. Pois tomamos uma postura de consumidores, como se a educação, o afeto, o diálogo com nossas crianças fossem mercadorias que compramos e pagamos. Que são expostas nas prateleiras empoeiradas dos supermercados e pronto. Somos, de certa maneira, também responsáveis. Todos culpados.
Ainda mais, sabendo que se tornam indeléveis as marcas feitas na alma e no espírito de uma criança. O que trará consequências graves para todo o sempre. Interferindo em seus relacionamentos futuros posssíveis erros, suas ações, induzindo a males e fracassos que, porventura venham ocorrer.
No final das contas, D. Maria do Carmo Serrano e este conjunto de pais omissos, negligentes, embora sem culpa, é claro - o que se trata de um fator extremamente subjetivo - merecem os parabéns. Conseguiram constituir um projeto grandioso, secular de dor, sofrimento, mágoas, doenças e todos os tipos de males que, com certeza, frutificarão por um tempo que jamais poderemos vislumbrar. O que, em definitivo, não é coisa pouca.
Entendo, igualmente, ser esta uma oportunidade riquíssima para abrirmos os olhos e perceber que não é apenas no Berçário Bebê Feliz de Goiânia que tais fenômenos se dão. Mas em todas as escolas - ou em quase todas elas - inclusive numa pousada infantil, vizinha deste berçário, na qual trabalhei e que pude assistir verdadeiras sessões de terror político, social, ético e ideológico, sem tocar no corpo da criança. Mas, ao contrário, com um carinho sinistro que engana com perfeição até os pais e mães mais sensíveis. Portanto, todo cuidado é pouco. É que temos uma cultura de resultados e só nos preocupa o que deixa marca, o que causa dor física, e, evidentemente, em educação isto é só a ponta do iceberg.
Temos, se amamos mesmo nossas crianças, de nos focar no etéreo, no espiritual, na filosofia, no invisível. Pois é, principalmente aí que as escolas, por meio dos educadores que nelas atuam, provocam os mais terríveis atos contra quem, acreditam, estão educando. Saiba se, por exemplo, a sua criança está sendo exposta a ordem unida, a ter que dar respostas em coro, sem o direito de questioná-las e de repensá-las, mas apenas falando como se fosse um papagaio; se tem que cumprir um horário rígido que não respeita a sua individualidade, sono, cansaço, distância, o trânsito que enfrentou para chegar na escola; se tem que chamar de tias, pessoas desconhecidas e que não lhe expiram o menor sentimento de afetividade, mas até pelo contrário, como no caso da vovó que aqui citamos. Se tem que usar um uniforme de que não gosta, responder à chamada, obrigar-se a uma tarefa que, definitivamente não consegue fazer, sendo, por isso coagida ao pavor, ao medo. Se é ridicularizada pelos colegas por ser diferente da maioria.
Se é obrigada a infinitos deveres de casa que não lhe interessam, é submetida à coação de acertar, de tirar a nota, de fazer a prova, de ser aprovada, de estar sempre presente, etc. Isto também é violência e muito maior do que a física, pois deixa marcas que vão perdurar eternamente, inclusive, com impactos nas suas gerações futuras. E, principalmente, tudo isto para quê? Para aprender o quê? Para se tornar um trabalhador alheio aos seus direitos e enriquecedor, inocente, de patrões perversos e competitivos? Para ser um eleitor alienado? Um ser humano alijado de seus direitos de pessoa e de cidadão? Isto sim é a maior das violências e que, com certeza, deixa no chinelo os tapas, safanões, os gritos que as crianças receberam no berçário de Goiânia, mas isto, ninguém vê.
Maria do Carmo cometeu contra as crianças a odiosa violência física. E as demais escolas, berçários, creches, estabelecimentos públicos e privados, ricos ou pobres, lares, casa de apoio, pousadas infantis, etc. cometem atos tão iguais ou até piores que chamo de violência moral, violência ética, psicológica, simbólica. Elas treinam, confinam, adestram as crianças, com total irresponsabilidade política, humana e social. E o fazem com doçura, com carinho, sem dar tapas, empurrões, ou esfregar o dedinho da criança em paredes ásperas até sangrar. Elas, pior ainda, retiram, matam a alma, o espírito, a esperança, a felicidade, o futuro das pessoas, tanto no individual, quanto no contexto da sociedade maior.
Obcecadas pelos ditames do capitalismo, especialmente, o internacional, do qual somos vítimas não-confessas, as instituições educacionais - especialmente das crianças - não medem esforços para diminuí-las, "emburrecê-las" social, cultural, política e economicamente. Enquanto deveriam educar para mudarem o mundo e a vida, as escolas ajustam as pessoas a um mundo mal e caótico, pensado pelos ricos e poderosos, e que não serve mais nem mesmo a estes.
Caros pais, inclusive os clientes do famigerado berçário aqui citado, todas as escolas e instituições mentem, camuflam, blefam, violentam seus filhos, tentando transformá-los em agentes de uma sociedade em crise, ultrapassada, caótica. E que, em última análise, é a que gera as Marias do Carmo, que, com a sua psicopatia, criou um jeito de atrair as crianças, para, justamente, violentá-las. O que lhe dá um certo prazer mórbido. É uma doente e como tal, deveria ser tratada. E fez tudo com métodos extremamente maldosos, neste crime sem precedentes. O que, com certeza, se dissimula em todas as outras instituições educativas, embora não sejamos capazes de perceber e de lutar contra.
Mas, não sejamos mais tão ingênuos e tolinhos assim. Encarem de frente a escola boazinha que não bate, não belisca, não machuca a carne. Mas o que ensina e como ensina? Que valores induz e em que tipo de personalidade estão transformando seus filhos e filhas para o amanhã que virá? A nossa pedagogia é aética e bizarra. Os pedagogos, em parte, maltratam, ferem, limitam, cheios de sorrisos, amor e bondade, exercendo um certo escárneo sinistro contra a criança que estuda. São, quase todos cínicos o suficiente para isto. Os professores, idem, nós, a grande maioria de pais e mães, idem. Não se deixe enganar tomando aqui uma atitude defensiva, do tipo, eu não sou assim. Na minha casa as coisas são diferentes, pois esta é uma desculpa, justamente dos donos das maiores culpas.
Não seja responsável pelo sofrimento desnecessário da criança que você colocou no mundo e pela qual, você tem toda a responsabilidade perante a vida e o universo inteiro. Chegou a hora de arregaçarmos as mangas e mudarmos radicalmente nossa conduta perante a criança que sofre indefesa neste mundo cão, gerido pelos adultos que não a consideram. Fingindo amá-la assim como "Vovó Maria do Carmo". E podem estar certos: todas as crianças sofrem, de uma forma ou de outra. E as "Vovós Marias do Carmo", somos, com certeza, todos nós. Ou quase todos. Já passa muito da hora de refletirmos, e, mais que isto, de fazermos algo de novo e diferente. Com calor, carinho, açúcar e afeto. Vamos amar as nossas crianças, que são todas. E não só, as que nasceram de nós ou nos foram entregues como alunos. Ainda há tempo e esperança de dias melhores com paz, serenidade e alegria de viver. O quê, com certeza, todos nós desejamos.
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Antonio da Costa Neto, de Brasília, professor, conferencista, autor de livros e artigos nas áreas de educação, contemporaneidade e qualidade de vida.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

HOJE É MEU ANIVERSÁRIO! PARABÉNS, EU!


Hoje é meu aniversário
Corpo cheio de esperança
Uma eterna criança, meu bem
Hoje é meu aniversário
Quero só notícia boa
Também daquela pessoa, oba!
Hoje eu escolhi passar o dia cantando
De hoje em diante
Eu juro felicidade a mim
Saúde, na saúde, juventude, na velhice
Vou pelos caminhos brandos
A minha proposta é boa, eu sei.
De hoje em diante tudo se descomplicará
Com um nariz de palhaço
Rirei de tudo o que me fazia chorar
Cercado de bons amigos, me protegerei
Numa mão, bombons e sonhos
Na outra, abraços e parabéns.
Quero paparicações no meu dia, por favor
Brigadeiro, mantras, múscicas
Gente vibrando a favor.
Vamos planejar um belo futuro para logo mais
Dançar a noite toda
Fela Kute, Benjor e Clara.
Parabéns, Max!
Parabéns, Gau!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, Ébano!
Parabéns, Baninho!
Parabéns, Princesa!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, Lúcia!
Parabéns, João!
Parabéns, Cida!
Parabéns, Maira!
Parabéns, Ione!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, Du!
Parabéns, Lili!
Parabéns, Inácio!
Parabéns, Maria!
Parabéns, Pedrinho!
Parabéns, Ladinha!
Parabéns, Sílvia!
Parabéns, Carmo!
Parabéns, Carmita!
Parabéns, Bené!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, Clara!
Parabéns, João Paulo!
Parabéns, Pedro!
Parabéns, Igor!
Parabéns, Isabelle!
Parabéns, Mariana!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, Ana Laura!
Parabéns, Donato!
Parabéns, Ana Luiza!
Parabéns, Bruno e Renan!
Parabéns, Arthur!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, João Victor!
Parabéns, Geovana!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, Dudu!
Parabéns, Matheus!
Parabéns, Luciano!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, Nenzinha!
Parabéns, Izac!
Parabéns, Miguel Arcanjo!
Parabéns, Waldemir!
Parabéns, Antonio Carlos!
Parabéns, Paulo!
Parabéns, Zé!
Parabéns, Bié!
Parabéns, Anamaria!
Parabéns, Luiz Laudio!
Parabéns, Liginha!
Parabéns, Nenem!
Parabéns, Francinaldo!
Parabéns, Yuri!
Parabéns, Yuná!
Parabéns, Juliana!
Parabéns, Ana Júlia!
Parabéns, Netinha!
Parabéns, Décio!
Parabéns, Gilberto!
Parabéns, Mitô!
Parabéns, Bernadeth!
Parabéns, Zeza!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!
Parabéns, eu! Parabéns, eu!

(Vanessa da Mata)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

CONSUMOU-SE O ESTRAGO: DILMA FOI ELEITA. E AGORA?



Sim, como já sabíamos, a Senhora Dilma Vana Rousseff Linhares foi eleita a primeira mulher Presidente da República do Brasil. E, não por acaso, no dia das bruxas. E claro que eu já sabia que isto iria acontecer. Pois quem tem um pouco de inteligência, alguma informação e vive no Brasil não tinha e não tem como duvidar deste fenômeno, embora lastimável. Eu, por exemplo, como educador, há anos, já me cansei de saber como as coisas funcionam neste País e que este acidente, mais cedo ou mais tarde, seria inevitável. Pois o nosso povo tem sempre a nítida opção pelo pior, o sofrimento. Foi, para isto, sempre adestrado por uma pedagogia instrumentalista, uma imprensa burguesa, e, finalmente, pela eterna cultura da dominação fácil.
É aquela política - inocente - do quanto pior, melhor. Aprendemos, ao longo da história dos que nos "civilizaram" (leia-se escravizaram) que é assim que é o certo. Ou seja, no Brasil, apenas funciona e dá certo, ou resultados, aquilo que é bom para os ricos, os patrões, os que estão por cima. Os que mandam e exploram sem piedade os pobres, as mulheres, as crianças, os trabalhadores, as minorias oprimidas, os diferentes, nós.
Aqui, o povo só funciona diante daquela ótica difundida por Fritjof Capra, em O ponto de mutação, meu livro de cabeceira, que é a filosofia do benefício extremo do branco, do macho e do capital, condenando as massas populares a todas as espécies de horrores. Mas tudo camuflado no discurso bonito, no sorriso largo e em outras antigas estratégias. E é exatamente assim que eu vejo a eleição de Dilma Rousseff. Esta economista que mentiu muito que era mestre em teoria econômica, até que "outras forjadas meritocracias" dispensaram, definitivamente, este tipo de farsa inadimissível para quem vai presidir a república de um país.
Tomara que eu esteja enganado - o que vou admitir completamente se estiver - mas acrdito que, com a eleição de Dilma Rousseff, nós acabamos de assinar o nosso atestado da mais profunda ignorância política, de acesso ao caos, de busca acelerada do insustentável que invadirá as nossas vidas e nossas casas ainda num muito curto espaço de tempo. Quem viver, certamente, verá. Não estou dizendo isto por uma rebeldia adolescente de esquerda, mas porque "já vi este filme antes e sei que é morte no final. Na certa." Sempre fui um entusiasta de Lula. Fiz o que pude em suas três primeiras eleições: desde a defesa ferrenha nas mesas de bares entre uma cerveja e outra, até o uso de bótons, camisetas. Participação de carreatas, panfletagens, discussões durante minhas aulas, etc.
Bati de porta em porta pedindo votos, enfrentei o corpo-a-corpo, fiz a cabeça de amigos, parentes e até de desconhecidos nas ruas. E me decepcionei profundamente já no início do primeiro mandato. Pois, como bom portador da cultura lá do meu interior, aprendi com a minha mãe que: "Pelo balanço da carruagem você sabe quem é que vai dentro." E quando Lula, começou a mostrar a mesmice na montagem da sua equipe, convidando velhas figuras para o seu pacto, confinando tudo no antigo retrato em branco e preto. Sendo contraditório entre o que sempre disse e o que faria.
Como o "outro", negando os seus compromissos e já abusando da incoerência astuta, característica de todos os que chegam ao poder. Já aí a minha ficha de brasileiro desconfiado começou a cair.
Com tudo isto, passei a ver que a hipocrisia já iniciava a dominar a sua cabeça. E daí para frente, para mim, pelo menos, foram muito mais decepções do que alegrias. Embora elas tenham ocorrido. Não há como negar os poucos avanços periféricos, justamente para justificar os retrocessos centrais contra o povo, contra os que mais necessitam. O que se filtra com um discurso humanístico e uma aparência bonachona que é o que de pior existe: o inimigo fantasiado de amigo, em quem você confia e, quando menos se espera é engolido de uma vez para sempre.
Mas votei em Lula e também no atual Senador Cristóvam Buarque - como governador do DF - para ver e viver coisas diferentes. E não, as mesmas, fantasiadas com o discurso bonito, no geral, escrito pelas assessorias letradas, e muito bem pagas com o dinheiro que falta para o leite das crianças das favelas, enquanto os fatos continuam os mesmos: a guerrilha urbana, a violência, a fome, o desemprego, a morte precoce, enfim, a exploração abusiva dos que têm muito. Entre eles, Cristóvam, Lula e agora, Dilma sobre os que nada possuem: as classes populares, os trabalhadores, nós, o povo.
Agora, com Dilma, tudo volta a se repetir. Ou seja, o eleitor incauto e mal-informado, iludido pela perversa manipulação política que é feita, perpetua o caos, o retrocesso, o massacre das ditaduras disfarçadas, o sofrimento já não mais aceitável, frente à evolução do mundo, da ciência, da tecnologia. Mas não, infelizmente, da consciência das pessoas, com o que se aprazem as elites políticas e econômicas, agora comandadas por um verdadeiro coronel de sáias. Daqueles que batem forte o salto das botas, fumam charuto e nunca riem ou choram, apenas para se fazerem respeitar, impondo o medo e a tortura ideológica, que é, sem dúvida, a pior de todas.

Quero aqui alinhavar alguns pontos porque digo isto:
  1. Dilma Rousseff, foi sempre o braço direito e esquerdo, a cabeça e o coração de Lula, na condução de um governo absolutamente irresponsável, pautado na esperteza e no pulo do gato, em nome da eficiência, que foram as bolsas: desemprego, família, escola, trabalho e tal. Na verdade, o único diferencial desta farsa que denominaram do melhor governo do mundo. Lula sai do governo rico, com os filhos bem colocados, tranquilo, ainda novo, até para enfrentar um outro pleito. Deixando o país devastado, atirado ao crime e à miséria. Mas convencendo o eleitor, que trocou a sua dignidade por um prato de lentilhas, que fez o melhor que pode. Estamos num país sem estradas, escolas, hospitais, saneamento. Pobreza intensa - embora ele jure que não. Um crime, que espero, um dia, a história possa cobrar com os devidos superavits. E se Dilma fosse o que diz ser, não participaria deste circo todo e nem o deixaria chegar onde chegou, com o que satifaz as grandes fortunas, as empresas de vulto, o capital internacional, os bacanas. Pelo contrário, usaria a sua força, imagem e dita competência para modificar profundamente este quadro devastador.
  2. Ela reproduz o discurso do seu mito (Lula), embora com a emoção de uma estátua de bronze. Fala bonito mas com propostas vazias, duras. Não enxerga nada para além do óbvio. Como Fernando Henrique, ela se esqueceu todo o Marx que leu, toda a sua cultura de esquerda. Mas guardou bem as técnicas terroristas que a sua biografia diz ter usado e abusado nos tempos da juventude. Tudo o que diz sobre o social, os direitos humanos, a educação, a cultura, a saúde, a paz social, a vida, o esporte, a família, etc. é muito bem costurado pela cultura letrada, que, claro, ela tem. Mas é contraditório, é vazio de ideias, de processo, de possibilidade de realização. Trata-se de alguém não entende de felicidade, de amor, de valores humanos. Ela não gosta de nada disto. Enfim, repete o que os maiores ditadores da história já fazem a milênios, cumprindo a máxima: "todo canalha é simpático, elegante, bem vestido, culto, fala bonito e cuida bem do terno, do sapato e dos dentes para sorrir lindo, dar tapinhas calorosos nas costas. Enquanto, mdedonhamente, prepara o atestado de óbito daquele que chama de amigo e de quem aperta a mão com força, segurança e sentimento de afeto e amizade. Um horror."
  3. A Dilma é uma mulher com o estereótipo do macho, por isso ela serve a esta comédia. Não refiro-me aqui à sua vida íntima, à sua sexualidade, às suas relações, o que é uma questão pessoal e que não vem ao caso. Sendo melhor tê-las, sejam como forem, do que se assexuar e fazer disto um instrumento de maldade contra a vida e os humanos que nos cercam. Mas é "macho" porque pensa e age como tal. Como Margareth Teacher, a dama de ferro, por exemplo, comanda e dita regras como homem. Fala alto, é agressiva, grossa, dá murro na mesa, expõe-se aos gritos, é prepotente, insensível. Faz, na história política, um papel de Xuxa dissimulada. Ou da professora boazinha, da mãe judia, que, segundo Freud, se fantasia de pura, ingênua, angelical, para, justamente, destilar seu veneno a serviço do próprio interesse e para quem presta seus serviços usurpadores. O que faz parte do mundo fálico em que vivemos até hoje, infelizmente.
  4. Falta ao fatídico projeto de governo - se é que existe algum - a multiplicidade de ideias, a divrsidade, o agregar as diferenças, os diferentes. Como há séculos, o modelo é o mesmo: linear, reducionista, duro, mecânico. Feito e seguido por burguêses escolhidos para trabalharem de forma fragmentária. Os técnicos, assessores, deputados, parlamentares, senadores, etc. não se conhecem e nunca se encontram, discutem ou pensam juntos. É um eterno faz-e-desmancha, jogando no ralo milhões de rais, tornando tudo sem o menor efeito. Nem parece que trabalham num projeto único e para o objetivo comum que é o bem-estar do povo brasileiro. Mas as coisas são retalhadas, confusas, obscuras, frias, pesadas, sem a feminilidade, a empatia, o respeito, sem, enfim, agregar o novo. O governo federal sempre foi e será, pelo que vemos, um amontoado de pessoas desocupadas. A síndrome do ócio remunerado como brincam os mais ousados e com alguma dose de humor. Não existe leveza, integração, trocas, interesse político pela vida , eficácia, empatia, enfim, todas estas coisas sugeridas pelas modernas formas de gerir e governar cintinuam ausentes. Os que definem o salário mínimo, ganham 50 vezes mais. Quem planeja o transporte público jamais o utilizou, nem de brincadeira. A habitação popular é planejada por quem mora em palácios, saúde planificada pelos que têm caros planos de saúde e ganham aos tubos. Pelos caminhos que as coisas tomam, o governo Dilma tem tudo para continuar errando para o povo, mas acertando, profundamente para os poucos privilegiados que o realizam. Sendo, portanto, elitista ao extremo e repetindo os mesmos erros historicamente acumulados e acreditando, que, mudar o discurso é mais do que suficiente para mudar as coisas, como nos lembra o escritor moçambicano, Mia Couto. Como sempre e mais uma vez, a história se repete e de uma forma cada vez mais séria, mais grave, levando o povo a pagar o preço.

Seremos presididos nos próximos quatro anos por alguém que nunca falou em beleza, em integração, natureza, alegria, em amor e valores afins. Mas em tecnologia, crescimento econômico, dividendos, relatórios, tabelas, burocracia, produto interno bruto e outras brutalidades. Alguém que administra a pulso, com uma visão behaviorista, taylorista, dentro de um paradigma muito mais do que antigo. Atrasado demais. Mineiro demais, no sentido rodriguiano da expressão. Defasado demais e cheirando a mofo. Ou seja, uma visão com tudo aquilo de que não mais precisamos. Mas que, infelizmente, se repete a olhos vistos e nos faz comemorar e dar saltos de satisfação pela vitória.

O que realmente precisamos são de propostas de uma educação de qualidade, humanamente contextualizada, que respeite as crianças, suas difenças, que diversifique o currículo, as práticas pedagógicas. Que trasnforme a escola e a educação em aspectos lúdicos, interessantes, politicamente responsáveis. Não mais construindo dóceis e ingênuos serviçais castrados em sua dignidade, mas cidadões inteiros, sensíveis, críticos e capazes de agir e de lutar para o que for melhor para todos . Mas se Dilma enxergasse isto, certamente, não seria escolhida nem para síndica, quanto mais para a Presidência.
Por que ela não tem um olhar dual sobre o esporte que é burguês em essência e que sua prática é uma aula viva de perpetuação dos oprimidos por meio das regras fixas, da inflexibilidade, os dogmas, o deleite do pão e circo já muito experimentado na antiga Grécia anterior a Sócrates e Platão. O que é mais do que descabido para um tempo tão evoluído como ou nosso. Ou estou enganado?

O verdadeiro líder político que ainda nos falta é alguém que tenha, acima de tudo, sensibilidade e competência afetiva para enxergar, de maneira direta, e não, avessa, caótica, os imensos problemas dos que sofrem, dos que precisam, dos que não têm onde morar, o que comer, educação, lazer, saúde. Esparadrapo, gaze, anestesia, amor, diálogo, calor humano nos hospitais públicos é muito mais urgente do que sofisticados estádios, aeroportos com recursos eletromagnéticos, tecnologia avançada que enriquece ricos e empobrece pobres. Respaldando tudo com uma educação doentia, perversa, que favorece ao escravagismo moderno. Precisamos de quem entenda que o que nos falta é comida, dignidade, saneamento, educação e não, copas do mundo, olimpíadas, convenções internacionais e rodinhas burguesas regadas a champagne francês e caviar da melhor qualidade, enquanto a maioria morre de fome e de frio em seus barracos de zinco, ou ao relento, como ainda acontece no país que eles "melhoraram tanto".

Nós, os eleitores, o povo, que trabalhamos para sustentar os bacanas continuamos aí, à margem de tudo e de mãos estendidas numa súplica descabida que dura alguns milênios e que não vamos mudar assim, elegendo quem elegemos e nos curvando aos assintes abusivos dos homens de ternos e gravatas e agora chefiados por fantoches, babados e fantasias. Temos que conduzir nossas mentes e ações para mudar, transformar, revolucionar radicalmente tudo: estrutura política, educação, família, religiosidade, saúde, qualidade de vida. Por ora, ainda caminhamos para trás. E devemos entender que a eleição de Dilma Rousseff, quase nada representa em termos de evolução, e, sim da continuidade mórbida do Brasil que temos, e, com certeza, não é o que, na absoluta maioria, desejamos.

Por enquanto, não podemos nos respaldar em falsas esperanças. Não, as coisas não vão melhorar. Continuarão o assistencialismo, a guerrilha, os confrontos urbanos, as crianças nas ruas, os trabalhadores insatisfeitos, a educação de péssima qualidade, a saúde dependente, as greves, os manifestos, os conflitos, as balas perdidas, mães desesperadas. E, certamente, não será desta vez que daremos o salto de qualidade política que esperamos há décadas.

Nós perdemos a chance, e não falo, é claro de uma possível eleição de José Serra, o que seria, sem dúvida, a mesma coisa. O que não poderíamos era deixar as coisas chegarem aonde chegaram e que, a cada dia, torna-se mais difícil a reversão do quadro. Pois, no atual momento da nossa história, estamos, sem nenhuma saída. Mas, como nada é por acaso, que pelo menos nos sirva de lição. Restando ainda uma ponta de esperança que é a possibilidade, mesmo remota, de eu estar enganado. Esperemos para ver de que lado a história brasileira vai se colocar.

Antonio da Costa Neto

"As pessoas são, frequentemente, corruptas, fúteis, desleais, cheias de vazios chavões ou, simplesmente, secas, no que são transformadas pela educação formal ou pelas condições de vida. Enquanto poderiam terem se tornado decentes, honestas, capazes de amar, naturalmente responsáveis, flexíveis, sem complexos e prontas para o prazer."
(Wilhelm Reich)

A CRIANÇA QUE PRATICA ESPORTE, RESPEITA AS REGRAS DO JOGO ...CAPITALISTA - WALTER BRACHT





Educar nesta sociedade é tarefa de partido, porque não é possível a um educador permanecer neutro. Ou educa a favor da classe dominante ou contra ela. Ou a favor das classes dominadas ou contra elas. Aquele que se diz neutro, estará apenas a serviço do mais forte, ou seja, da classe dominante. No centro, portanto, da questão pedagógica, situa-se a questão do poder.”
(Moacir Gadotti)


Entre os profissionais da educação física do Brasil, existem diferentes entendimentos do papel da educação física escolar. Poderíamos dizer que um grande grupo pensa e age de acordo com uma visão “biológica”, a partir da qual o seu papel seria o de melhorar a aptidão física dos indivíduos, com o que já estaria, automaticamente, contribuindo para o desenvolvimento social. Uma vez que as pessoas já estariam mais aptas a atuar na sociedade, e, portanto, mais úteis a ela. Outro grupo de profissionais, que, juntamente com o anterior perfazem a maioria, supera de certo modo esta visão, agregando à melhoria da aptidão física, o essencial desenvolvimento psíquico da pessoa.
Esta segunda visão, que denominamos de “biopsicológica” reconhece como papel da educação física não só a melhoria da performance desportiva em si, mas, também o desenvolvimento intelectual e a manutenção do equilíbrio efetivo e emocional; utilizando, para tal, uma abordagem sistêmica.
Diria-se que a educação física atua para além dos domínios cognitivo, afetivo e psicomotor. Nestas duas visões, porém, a análise da relação da educação física com o contexto social é, simplesmente, funcionalista, na medida que a sua função é a de formar física e psiquicamente um cidadão que desempenhe o melhor possível (dentro da atual estrutura social) o papel a ele atribuído na prática social.
Desta forma, são visões a - históricas da dimensão social da educação física, como também circunscrevem-se no âmbito das teorias acríticas da educação, conforme Saviani (1984), por não reconhecerem os condicionantes sociais da educação, e, mais especificamente, da educação física e da sua atividade pedagógica propriamente dita. Entendemos, assim, que não podemos mais permanecer com estas visões parciais e falseadoras da nossa prática social, produzidas, por sua vez, por uma metodologia positivista e fragmentada, como fruto do ultrapassado pensar cartesiano sobre os fatos e fenômenos. E neste sentido, não podemos prescindir de uma análise crítica que possa identificar o papel social que a educação física concretamente cumpre neste especial momento histórico de nossa sociedade.
São muito recentes algumas tentativas neste sentido que foram levadas a efeito. Dentre elas citamos a de Castellani (1983), que analisando os documentos e a legislação relativos à educação física no Brasil desde a década de 30 chegou à conclusão de que esta tem cumprido o papel de reforçar a estereotipação do comportamento masculino e feminino. Tem, igualmente, colaborado para o adestramento físico necessário, tanto à defesa da pátria, quanto à preparação e manutenção da força de trabalho necessária aos interesses da classe dominante.
Cavalcanti (1984) demonstrou o caráter ideológico do discurso que fundamentou, por exemplo, a campanha “Esporte para Todos” no Brasil, na medida em que este menosprezou os fundamentos filosóficos, sociológicos e psicológicos da atividade físico-desportiva e valorizou sobremaneira os aspectos metodológicos, não questionando, desta forma, o significado integral do esporte para a vida em sociedade.
Ferreira (1984)], a partir de uma matriz dual, em que classifica as atitudes e procedimentos do professor de educação física num modelo de reprodução ou numa perspectiva de transformação social, procedeu a uma investigação empírica que demonstrou o caráter reprodutivo das atividades pedagógicas do trabalho com a educação física no ensino fundamental. E para fazer justiça, teríamos ainda que citar as reflexões pioneiras de Lopes (1980) e as análises críticas de Oliveira (1983) e de Medina (1985).
Buscando colaborar no processo de análise crítica pelo qual passa a educação física brasileira, hoje. E o que ocorre intensivamente com a educação de uma maneira geral é que nos propomos a investigar uma outra faceta da educação física escolar, que é a sua possível contribuição no processo de socialização real de crianças e adolescentes.
Muitos pedagogos da educação física/esporte têm realçado a contribuição da atividade física e desportiva na socialização das crianças, contribuição essa, que tem sido utilizada como justificativa da sua inclusão nos currículos escolares. Neste sentido, as colocações indicam que acriança, através do esporte, aprende que, entre ela e o mundo existem “os outros”. Que para a vivência social precisamos aprender a obedecer determinadas regras, ter determinado comportamento. Aprendem as crianças também a conviver com vitórias e derrotas, a vencer por meio do esforço pessoal, desenvolvem, pelo esporte, a independência e a confiança em si mesmos, o sentido de responsabilidade, de socialização, de reconhecimento, etc.
Todas estas informações têm, no entanto, em comum o fato de serem informações que identificam um papel positivo-funcionalista para o esporte no processo educativo. Privilegiam, portanto, a sua funcionalidade, sua prática fria, camuflando, desta forma, os aspectos direcionais em si, que neste prisma, seriam, logicamente, os mais importantes. Estas posições não partem de uma análise crítica da relação educação física/esporte e o contexto sócio-econômico-político-cultural em que se objetivam, e, sim, da análise da educação física/esporte enquanto instituições funcionais. Ou seja, como instituições que devem colaborar para o funcionamento e a harmonia da sociedade na qual os indivíduos que as integram se inserem. Quando tais abordagens identificam aspectos negativos, estes são simplesmente colocados como disfunções internas da própria educação física/esporte.
No entanto, ao lado destas informações que considero como positivo-funcionais no resultado do processo de socialização através do esporte, poderíamos encontrar outras que indicam, justamente, no sentido contrário, como por exemplo: pelas regras das competições o esporte imprime no comportamento as normas desejadas da competição e da concorrência. As condições do esporte organizado ou de rendimento são, simultaneamente, as mesmas condições de uma sociedade de estruturação autoritária. Assim, o ensino do esporte nas escolas, enfatiza o respeito incondicional e irrefletido às regras e dá a estas um caráter estático e inquestionável. O que, é lógico, não leva à reflexão ou ao questionamento, mas sim, ao acomodamento. “Forjando um conformista feliz e eficiente.” O aprender as regras significa reconhecer e aceitar passivamente regras pré-fixadas e impostas. Como podemos verificar, sob um enfoque distinto, temos também, valorizações diferentes do produto e do processo da socialização na educação física e no esporte infantis.
Estas diferentes valorizações decorrem de óticas variadas de sociedade ou teorias sociais. As valorizações positivas são respaldadas na teoria estrutural-funcionalista da sociedade a partir da qual os elementos isolados do sistema social, tais como a educação, o esporte, etc. podem ser descritos como funções do sistema. Eles são considerados desde que tenham importância funcional para o sistema macro. Mantendo, portanto, sua estabilidade como unidade de funcionamento. Uma afirmação que tem o respaldo desta teoria é a de que a nova geração é educada dentro de uma sociedade muito competitiva, na qual, o princípio do rendimento se impôs. O jovem desportista é confrontado muito cedo com princípios do rendimento e dele é esperado não só suportar diferenças de rendimento, como também respeita-las.
As análises que criticam a função socializadora que o esporte cumpre, partem de uma teoria da sociedade que poderíamos chamar de “abordagem ou ótica do conflito”. Esta concepção desenvolvida a partir de Marx e Engels acredita que é mais correto ver a sociedade a partir de suas contradições historicamente acumuladas. Portanto, a adoção deste referencial significa não entender as sociedades capitalistas, por exemplo, como sendo harmônicas e funcionais, e, sim, que estas encerram contradições fundamentais, surgidas, principalmente na exacerbada competição entre as pessoas, que, em última análise, o esporte vem reforçar, ao mesmo tempo em que lança uma nuvem de fumaça para que as mesmas não sejam vistas, enfim, aliena politicamente as pessoas.

A partir da ótica do conflito – visão histórico-crítica – o esporte:

1 – Precisa ser entendido no contexto mais amplo das condições objetivas das sociedades capitalistas, ou seja, extremamente competitivas e centradas no produto, no resultado que, de preferência, deverá ser benéfico a qualquer custo, exacerbando, desta forma todo o processo de competição.
2 – Está intimamente relacionado com as diferenças de classes em termos da distribuição do poder, da riqueza, dos direitos individuais e sociais.
3 – Todo esporte competitivo reflete a ideologia burguesa, transcendendo-a para o lúdico, facilitando, principalmente, em termos psicológicos a sua reprodução no cotidiano das pessoas.

Por outro lado, a partir da abordagem estrutural-funcionalista – ou pela ótica do consenso – o esporte é assim encarado:

1 – O esporte competitivo reflete uma série de valores da maior importância para a sociedade, pois se ela é competitiva, pelo esporte, o indivíduo aprende a competir, lutar e ganhar. Desta forma, o recrutamento para o esporte em si, já cumpre a função de integração social.
2 – O esporte funciona nas sociedades industriais, especialmente as do ocidente (capitalistas) como um mecanismo de mobilidade social, pois, em última instância, reflete as suas tradições, carências e necessidades.
3 – É no esporte que se apresentam as melhores condições e oportunidades para a aprendizagem dos papéis sociais que permitem, por sua vez, a dinâmica da própria sociedade.

Cumpre aqui assinalar que a visão estrutural-funcionalista é mais típica dos chamados países do primeiro mundo – desenvolvidos e capitalistas – pois, tal postura, logicamente, colabora e muito com o dominador. Em função do que este está muito pouco interessado – ou nada interessado - em mudar porque isto pode acarretar a perde de privilégios. Nesta perspectiva, trata-se de não mudar o sistema, mas sim, conseguir mudanças, reformulações, aperfeiçoamentos dentro do sistema capitalista, buscando, assim, formas de fazê-lo funcionar melhor.
Assim sendo, o processo de socialização não é neutro. Pois ele acontece dentro de valores específicos. E, inclusive e, especialmente, pelo esporte, os valores que são inculcados são os valores dominantes, facilitando, enormemente, a exploração do homem pelo homem. O que nos lembram Marx e Engels (1984) em “A ideologia alemã”, que são sempre os valores que interessam às classes dominantes. Desta forma, o que a socialização desportiva reproduz, são, em especial e principalmente, as desigualdades sociais, isto é, a própria dominação se processando, aparentemente de forma lúdica e natural, por meio da prática do esporte.
Desta forma, podemos dizer que a socialização por meio do esporte escolar deve ser considerada uma estratégia de controle social, pela adaptação do praticante (e da torcida, principalmente, pois ela o faz de forma eminentemente passiva) aos valores e normas dominantes que propiciam o funcionamento do próprio esporte, o que é alegado como condição essencial para a funcionalidade e o desenvolvimento da própria sociedade. Um dos papéis que cumpre o esporte – e em especial o escolar – em nosso país é o de reproduzir e reforçar a ideologia capitalista, que, por sua vez, visa a fazer com que os valores, princípios e normas nela inseridos se apresentem como normais e desejáveis. Ou seja, a exploração e a dominação devem ser assumidas e consentidas por todos, exploradores e explorados e tida como forma absolutamente harmônica e natural.
É ainda dentro da “ótica” estrutural-funcionalista que ouvimos com freqüência a afirmação de que o esporte educa. Se indagarmos por que e o que tem de educativo no esporte, obteremos, quase que invariavelmente, a seguinte resposta: “Ora, o esporte educa porque ajuda a criança a conviver com a vitória e a derrota. Ensina a respeitar as regras do jogo (já que somos todos iguais perante a lei, devemos respeita-la, sem discuti-la). Ensina a vencer (no jogo e na vida) através do seu esforço pessoal (às vezes temos que, momentaneamente, nos aliarmos ao outro ou aos outros para atingir nossos objetivos – processo que os pedagogos desportivos chamam, ingenuamente, de cooperação ou companheirismo). Ensina a competir (já que a sociedade é competitiva ao extremo, então isto prepara para a vida). Desenvolve o respeito pela a autoridade, que é o árbitro ou o professor (chama-se isto de disciplina). Precisamos entender que as atitudes, normas e valores que o indivíduo assume através do processo de socialização no esporte, estão relacionados com os sistemas de significados e valores mais amplos, que se estendem para além da situação imediata do esporte.
Nessa medida, não é difícil numa rápida análise da resposta anteriormente mencionada, identificar elementos e valores da ideologia burguesa. No esporte, desenvolvem-se idéias ou valores que levam ao conformismo. Como é, por exemplo, o respeito incondicional às regras. Porque o comportamento não-conformado no esporte não leva a modificações no esporte, mas sim, à exclusão dele. No esporte coloca-se em destaque a idéia de que todos têm a oportunidade de vencer (vencer no esporte, e, igualmente, vencer na vida) através do esforço pessoal e individual, bastando, para isso, que se esforce e tenha talento. O que, em última análise justifica e explica as diferenças sociais, negando toda e qualquer determinação política, econômica e social. Esta crença de que no esporte desaparecem as desigualdades, colabora, também, para um aparente abrandamento das contradições e dos conflitos sociais.
Assim, como vimos, realmente o esporte educa. Mas educação aqui significa levar o indivíduo a internalizar valores e normas de comportamento, que lhe possibilitarão a se adaptar à sociedade capitalista. Em suma, é uma educação que leva ao acomodamento e, não, ao questionamento. Uma educação que ofusca, ou lança uma cortina de fumaça sobre as contradições da sociedade capitalista. Uma educação a serviço da classe dominante. Uma educação que não leva à formação do indivíduo consciente, crítico, sensível à realidade que o envolve.
Se analisarmos as aulas de educação física onde o esporte escolar é iniciado e desenvolvido, veremos que a idéia da aprendizagem das técnicas predomina. Isto porque para a competição, na verdade, é isto que conta. Permeia, portanto, a busca do desenvolvimento atlético, que é condição para a possibilidade de vitória nas competições. Com a exacerbação do espírito competitivo do esporte escolar, as técnicas esportivas e o próprio esporte foram elevados à condição de finalidade, ou seja, o esporte enquanto fim em si mesmo. Neste momento em que a idéia de competição (concorrência) toma conta do esporte escolar, o que é fomentado pela busca da vitória, às vezes a qualquer custo (lucro), e do que representa na nossa sociedade (vencer na vida). Já não existe mais espaço para a discussão sobre as normas do esporte, para a criação no esporte (adaptar o esporte à realidade social e cultural do grupo que faz esporte). Já não existe espaço para a preocupação com o desenvolvimento de valores relacionados com o coletivismo ou como ações que visem propriamente o bem-comum, priorizando, logicamente, o coletivo ao individual.
Já não existe espaço para a discussão de estratégias que permitam a participação de todos os alunos com as mesmas oportunidades nas aulas, porque o professor tem que preocupar-se unicamente com a melhoria e o aperfeiçoamento da técnica – elevando-a à categoria de fim. Preocupa-se com a imposição das regras internacionais que permitirão as condições objetivas de comparação de performances. Preocupa-se em desenvolver nos alunos e suas equipes o espírito de competição, como exigência fundamental para obter vitórias, em síntese, vencer na vida.
Como mencionamos anteriormente, as características que o esporte escolar apresenta não são geradas no seio do próprio esporte, e, sim, são os reflexos mediatizados da estrutura social em que ele se realiza, ou seja, da sociedade capitalista. Neste momento, cabe ou surge a grande indagação: em que medida e em até que ponto poderemos chegar a um quadro diferente? Enfim, a educação física/esporte escolar pode cumprir um papel diferente do de inculcar a ideologia burguesa?
Se assumíssemos aqui e agora a postura das teorias crítico-reprodutivas, afirmaríamos que o esporte nesta sociedade, invariavelmente contribuirá para a reprodução da estrutura social que temos. Embora reconhecendo as ferrenhas determinações sociais que sobre a educação física/esporte escolar recaem, acreditamos que, no seu interior, a contradição não foi suprimida, ela persiste. Ainda que os espaços a serem ocupados no sentido de uma ação transformadora sejam restritos, admitimos a sua existência. Neste sentido, ou seja, o de identificação destes espaços, cumpre inicialmente incluir a educação física/esporte escolar no contexto mais amplo da educação em si e enquanto prática social devidamente sistematizada. E, enquanto parte desta, analisar as possibilidades de contribuição para o processo de mudança social, condição básica para se concretizar uma sociedade melhor, justa e livre.
Na busca do esclarecimento do que a educação pode contribuir para transformar a sociedade, depara-se com duas posições antagônicas. De um lado a postura teórica que identifica a educação como redentora da sociedade (teorias crítico-reprodutivas). O que cabe, no entender de Saviani (1 984) não, a polarização entre as duas posturas, mas sim, a tentativa da superação por meio de uma teoria crítica da educação que possa identificar em que e como pode contribuir especificamente a educação no processo contínuo de transformações sociais.
Esta possível contribuição prende-se ao fato de que a escola não é um instrumento homogêneo da classe dominante, pois nela refletem-se as contradições existentes na sociedade. Reflete-se, portanto, o antagonismos entre os interesses burgueses e os proletários. Neste sentido, na escola existe um espaço, embora pequeno, o que Gadotti
(1 981) chama de guerrilha ideológica travada na escola. Cumpre, então, para desenvolver uma pedagogia desportiva com alguma força transformadora, tomar como ponto de partida um compromisso político com a classe oprimida e dominada que é a classe trabalhadora. Portanto, uma pedagogia que não se comprometa com os interesses burgueses, mas com os atributos e interesses revolucionários das classes populares.
Neste sentido, a tarefa que nos impõe parece ser a de desenvolver uma pedagogia desportiva que possibilite aos indivíduos pertencentes à classe dominada, aos oprimidos, o acesso a uma cultura desportiva desmistificada. Permitir ou possibilitar por meio desta pedagogia que estes indivíduos possam analisar criticamente o fenômeno esportivo, situá-lo e relacioná-lo com todo o contexto sócio-econômico-político e cultural.
Embora não seja o objetivo deste ensaio desenvolver uma proposta pedagógica numa perspectiva de classe, e, que tenha como fundamento o referido compromisso político com a classe dominada. Ousadamente, coloco algumas reflexões que apontam neste sentido:
Os professores de educação física, na ação, devem, efetivamente incorporar novas posturas frente às questões básicas aqui levantadas, tendo, como princípio, a análise crítica e o comprometimento ideológico do que fazem, do como fazem e dos valores que, consciente ou inconscientemente inculcam nos seus alunos dentro das normas e dos princípios técnicos do esporte que fazem os alunos aprender.
Precisam superar a visão positivista de que o movimento é, predominantemente, um comportamento motor. Entender que o movimento é humano e o homem é, fundamentalmente, um ser social. A motricidade não é mais biológica, e, sim, histórica e socialmente contextualizada. Desta forma, o movimento tem repercussão sobre todas as dimensões do ser humano. A conseqüência disso para a ação pedagógica é que nas aulas de educação física devemos objetivar muito mais do que a aptidão, a performance, a destreza, a capacidade motora, etc. Mas entender que o movimento que a pessoa realiza num jogo, tem repercussões diretas sobre todas as demais dimensões do seu comportamento. E mais ainda, que esta atividade veicula e faz a pessoa introjetar determinados valores e normas de comportamento, que irão, gradualmente, causar e responder por condicionantes e aspectos gerais ulteriores na sua vida.
Deverão entender que aquela idéia de que atuando sobre o físico já estamos automática e magicamente atuando sobre as demais dimensões precisa ser superada com a máxima urgência para que as questões aqui tratadas possam ser levadas efetivamente em consideração na ação pedagógica, por meio de esclarecimento de estratégias que objetivem conscientemente o desenvolvimento num determinado sentido, destes outros aspectos e dimensões dos educandos. O que atualmente acontece é que, embora os objetivos da educação física incorporem a dimensão psicossocial, as estratégias e atividades são totalmente norteadas pelos objetivos relacionados a resultados, à aptidão física, destrezas desportivas, aprendizagens motoras, esperando-se que estas, tenham repercussão sobre todas as outras demais dimensões que envolvem o aspecto educativo em seu teor mais amplo.
Precisam superar a visão de infância que enfatiza o processo de desenvolvimento da criança em si, e não, de uma criança situada social e historicamente. Fala-se da natureza da criança, e, isto é comprometido ideologicamente, na medida em que não se considera as diferenças produzidas pelas condições sociais, culturais, e, principalmente, econômicas destas crianças. Na sociedade capitalista, definida pelas relações que se estabelecem entre classes sociais antagônicas, a origem e o completo histórico familiar da criança estabelecem as condições gerais da sua infância, o que interfere diretamente nos seus processos de aprender, de viver e de estabelecer relações com o mundo no qual se insere.
Os professores de educação física devem entender que o que determinará o uso que indivíduo fará do movimento (na forma de esporte, de jogo, de trabalho manual ou artístico, de lazer, de defesa, de produção, de ataque aos outros e à sociedade), não é determinado, em última análise, pela condição física, habilidade desportiva, flexibilidade, etc. e, sim, pelos valores e normas de comportamento introjetados pela condição econômica e pela posição na estrutura de classes da sociedade.
Suplantar, urgentemente a falsa polarização entre diretividade e não-diretividade. Embora as pedagogias não-diretivas tenham contribuído para a denúncia do excessivo autoritarismo com que a educação bancária conduzia o processo educativo. Enquanto o oposto, ou seja, o não-diretivismo pode, quando realizado de forma irresponsável, nos levar a um espontaneísmo estéril que acaba tornando-se igualmente, comprometido com os valores burgueses que sustentam a sociedade capitalista. Ferreira (1 984), que citamos no início deste ensaio, de certa forma, cai nesta “armadilha”, quando coloca que as fontes de informações, normas e sanções, numa perspectiva de transformação devem provir dos interesses, necessidades e motivações do educando. Para tanto, segundo a autora, o educador deve ser o facilitador da conscientização, a partir de “motivações intrínsecas” dos indivíduos. Ora, as crianças não chegam vazias às aulas de educação física, elas já estão incorporadas ao processo de socialização burguesa e se nós quisermos a introjeção de normas e valores que se contrapõem aos burgueses, temos que dar uma direção real ao processo, pois os interesses e necessidades, etc. da criança já estão, de certa maneira “contaminados” pela vivência burguesa, consumista, capitalista, que elas trazem de suas vidas e do meio social em que se inserem. Assim, permitir ou facilitar, simplesmente que elas “desabrochem”, implica na reprodução, e não, na transformação. A postura de que o educador deve apenas facilitar o desenvolvimento das potencialidades da criança, tem como fundamento a idéia – igualmente burguesa – de que a criança possui uma “natureza” que é, fundamentalmente, boa, contextualizada política e economicamente para as suas necessidades reais e que bastaria permitir que isto se manifestasse, o que é muito mais do que ingênuo e determina na parte e no todo o fracasso de qualquer educação que se diz transformadora. Se assumirmos uma posição de classe social para a educação, os interesses e necessidades que devem ser levados em consideração, não só os dos indivíduos, e sim, os valores, objetivos e metas da classe social pela qual se trabalha, o que, de uma maneira geral, os professores de educação física têm feito em favor da burguesia, e, nem sempre, conseguem saber disto.
Um outro equívoco que precisa ser superado, é o que devemos, simplesmente, ignorar a cultura dominante, que, neste entendimento, não serve à classe dominada. Não podemos negar a cultura dominante, e sim, permitir que a classe dominada, em “dominando a cultura dominante” possa, então, construí-la a partir de suas necessidades e interesses. Em termos de educação física significa que não devemos negar o desporto como meio de se educar. Porque, segundo alguns pensadores da área, ele é essencialmente burguês, e existe, portanto, a necessidade de que a classe popular “domine” a cultura esportiva burguesa, mas que lhe seja simultaneamente permitido desmistificar criticamente esta mesma cultura desportiva.
O esporte é burguês, não porque esta é a sua essência, e, sim, por suas múltiplas determinações que lhe fornecem as características para tal. De maneira que, para termos um esporte não-burguês, precisamos, logicamente, atuar sobre suas determinações. E o educador representa o momento de ruptura em relação ao que é determinado socialmente, ao mesmo tempo que define uma conduta para levar o educador uma solidariedade consciente, vale dizer, ao sentido coletivo de sua formação. Procurando desenvolver um esporte em que o princípio do rendimento e da competição discriminatória (dos melhores e dos piores) , do esforço pessoal e individual (às vezes associado) para vencer o adversário, não seja o norteamento deste, desenvolvendo um esporte em que se busque insistentemente o desenvolvimento do coletivismo (ou seja, a priorização do coletivo ao individual, incluindo o “adversário/companheiro”), estaremos, na verdade, descaracterizando o esporte burguês, lançando e criando as bases de um novo esporte, que, por sua vez, somente se consolidará com a criação, também, de uma nova ordem social sem a qual não terá condições de sobreviver. Porque será, fatalmente, submetida à ordem burguesa.
Para que este novo esporte, que leve a uma socialização, é necessário que, os professores de educação física devam superar também a idéia, muito difundida, que nas aulas de educação física, não se deve falar, ou seja, não se deve sentar e discutir com os alunos o que se está fazendo, sob o argumento de que a aula de educação física deve ser “prática” – entenda-se, “adestrante”.
Estas são algumas reflexões sobre o processo da educação física escolar que, espero, contribuam para que possamos desenvolver uma proposta pedagógica que aponte e possa realmente colaborar com a transformação social. Que permita a concretização de uma nova ordem social, esta sim, mais justa, fraterna e livre.
Porém, de acordo como pensamos, acreditamos que a ação transformadora do professor de educação física não deve restringir-se a esta esfera, ou seja, aos muros da escola. A atuação prática deste profissional deve estender-se à sua entidade respectiva, seu sindicato. Não movido, é óbvio, por uma visão corporativista, e, sim, a partir de uma identificação social com a classe trabalhadora. O engajamento com a categoria de profissionais ligados à educação. Neste momento histórico, deve, ao nosso ver, visar a uma ação que permita e que se estabeleça uma política educacional, de que se concretize uma escola em nosso país, de acordo com as necessidades e interesses da classe trabalhadora. A atuação política do professor de educação física deve também alcançar a política partidária, para que, enquanto cidadão comum, assuma o papel de sujeito político da sociedade.
Finalizando, gostaríamos de lembrar as palavras do Professor Flrestan Fernandes, ditas no III Congresso Estadual de Educação, em São Paulo, segundo as quais: “O EDUCADOR QUE SE NEGA NO PLANO IDEOLÓGICO E POLÍTICO, SE NEGA TAMBÉM COMO EDUCADOR”.
­­­­_______________

Walter Bracht, autor deste texto é Doutor pela Universitat Oldenburg (1990). Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Espírito Santo, onde coordena o Laboratório de Estudos da Ciência da Motricidade Humana. Foi presidente do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (1991/93 e 1993/95). Tem experiência na área de Educação Física, atuando principalmente nos seguintes temas: educação fisica escolar, formação continuada de professores, educação e epistemologia.

Leituras Complementares Recomendadas:

CAVALCANTI, K. B. Esporte para todos: um discurso ideológico. São Paulo: Ibrasa, 1 984.
COSTA NETO, Antonio da. Paradigmas em educação no novo milênio. Goiânia: Editora Kelps, 2 003.
____________. Escolas & Hospícios – ensaio sobre a educação e a construção da loucura. Goiânia: Ed. Kelps, 2 009.
DEMO, Pedro. Sociologia: uma introdução crítica. São Paulo: Atlas, 1 983.
FERREIRA, Vera Lúcia M. Costa. Prática da educação física no 1° grau: modelo de reprodução ou perspectiva de transformação? São Paulo: Ibrasa, 1 984.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1 983.
____________. Escola, direita...volver!.... Boletim/Suplemento especial da Folha de São Paulo, n° 187, 17/08/80, p. 15.
GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. São Paulo: Cortez,
1 981.
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial e seus referenciais políticos e ducativos. Rio de Janeiro: Zahar, 1 967.
MEDINA, João Paulo Subirá. A educação física cuida do corpo e...mente. Campinas: Editora Papirus, 1 983.
SANTIN, Silvino. Educação física: outros caminhos. Porto Alegre: EST, 1 990.
SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Ed. Cortez, 1 984
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