domingo, 14 de novembro de 2010

SERIA APENAS NO BERÇÁRIO BEBÊ (IN)FELIZ DE GOIÂNIA?


As pessoas estão desoladas com o que aconteceu no Berçário Bebê Feliz, em Goiânia. Eu também estou. Considero um dos maiores crimes a violência. E, muito especialmente, quando esta se dá contra crianças indefesas. E, ainda mais, com todo o requinte de crueldade. Que, neste caso, começa com a obrigação das crianças de chamarem esta criminosa pela forma carinhosa de "vovó". Um absurdo. Uma realidade absolutamente descabida que leva estes pais ao mais profundo desespero. Induz à comoção, à busca da justiça, o combate a este crime hediondo, à ação da polícia, à prisão, etc.
Claro, sou categoricamente contra a tal Maria do Carmo Serrano, o monstro, a dona do berçário e torturadora de crianças de forma brusca e inumana, numa crueldade sem precedentes. Num maquiavelismo frio, uma alma de Hitler. Ela precisa, deve pagar pelo seu crime. Cumprir sua pena. Preferencialmente, em regime fechado. O que eu duvido muito que vá acontecer. Pois nossas leis são condescendentes com este tipo de criminoso. Com certeza, vão alegar que se trata de uma ré primária, uma trabalhadora, mãe de família, e, em especial, por ser uma pessoa com idade avançada. E que não poderá ser submetida à prisão. Que responderá o processo em liberdade, etc. E passada a comoção social, tudo fica do mesmo jeito. Exceto, espero, reabrir a instituição, principalmente, sob a sua responsabilidade. Mas, ficaremos por aí. Quem viver, verá.
Fica, no entanto, na minha cabeça uma série de dúvidas. Primeiro, por que estes pais, e, principalmente, mães, que se dizem agora tão preocupados e desolados com o acontecido foram tão omissos e deixaram que a coisa chegasse onde chegou? Se fossem tão responsáveis, e, sobretudo, amorosos e atenciosos com seus filhos, com suas crianças, quanto o são com os seus empregos, salários e o seu espírito competitivo na vida - inclusive em nome do amor aos filhos (?) este horror - que começa com a negligência em casa - não teria acontecido. Tenho certeza.
O que ocorre, na maioria das vezes, embora jurem que não, é que os pais e as mães são insensíveis, desinformados, ocupados demais, portanto, despreparados para tal. Compram qualquer trabalho de pseudo-educadores, até por ingenuidade, e, com a melhor das boas intenções - do que, como dizem, o inferno está cheio - e meio que deixam pra lá. Não têm tempo de conversar com os filhos, de observar seus corpos. De perguntar, e desdobrar os comportamentos, os pavores, os medos, as esquisitices das crianças. Na verdade, o amor aos filhos, o contato, o carinho, são sempre coisas para depois. Primeiro, a obrigação no emprego, as exigências dos escritórios, o dinheiro, a ganância material. Ou mesmo, a necessidade pura e simples. Mas, mesmo assim, os filhos ficam relegados a um segundo plano.
Se os pais e mães, agora chorosos e ávidos por justiça fossem mais presentes, mais responsivos. Se visitassem com certa frequência, de surpresa, inclusive, as instituições e as pessoas a quem entregam "seus tesouros", agora invadidos e violentados, tais coisas muito se minimizariam. De modo que temos que juntos, assumir nossas parcelas de culpa. Pois tomamos uma postura de consumidores, como se a educação, o afeto, o diálogo com nossas crianças fossem mercadorias que compramos e pagamos. Que são expostas nas prateleiras empoeiradas dos supermercados e pronto. Somos, de certa maneira, também responsáveis. Todos culpados.
Ainda mais, sabendo que se tornam indeléveis as marcas feitas na alma e no espírito de uma criança. O que trará consequências graves para todo o sempre. Interferindo em seus relacionamentos futuros posssíveis erros, suas ações, induzindo a males e fracassos que, porventura venham ocorrer.
No final das contas, D. Maria do Carmo Serrano e este conjunto de pais omissos, negligentes, embora sem culpa, é claro - o que se trata de um fator extremamente subjetivo - merecem os parabéns. Conseguiram constituir um projeto grandioso, secular de dor, sofrimento, mágoas, doenças e todos os tipos de males que, com certeza, frutificarão por um tempo que jamais poderemos vislumbrar. O que, em definitivo, não é coisa pouca.
Entendo, igualmente, ser esta uma oportunidade riquíssima para abrirmos os olhos e perceber que não é apenas no Berçário Bebê Feliz de Goiânia que tais fenômenos se dão. Mas em todas as escolas - ou em quase todas elas - inclusive numa pousada infantil, vizinha deste berçário, na qual trabalhei e que pude assistir verdadeiras sessões de terror político, social, ético e ideológico, sem tocar no corpo da criança. Mas, ao contrário, com um carinho sinistro que engana com perfeição até os pais e mães mais sensíveis. Portanto, todo cuidado é pouco. É que temos uma cultura de resultados e só nos preocupa o que deixa marca, o que causa dor física, e, evidentemente, em educação isto é só a ponta do iceberg.
Temos, se amamos mesmo nossas crianças, de nos focar no etéreo, no espiritual, na filosofia, no invisível. Pois é, principalmente aí que as escolas, por meio dos educadores que nelas atuam, provocam os mais terríveis atos contra quem, acreditam, estão educando. Saiba se, por exemplo, a sua criança está sendo exposta a ordem unida, a ter que dar respostas em coro, sem o direito de questioná-las e de repensá-las, mas apenas falando como se fosse um papagaio; se tem que cumprir um horário rígido que não respeita a sua individualidade, sono, cansaço, distância, o trânsito que enfrentou para chegar na escola; se tem que chamar de tias, pessoas desconhecidas e que não lhe expiram o menor sentimento de afetividade, mas até pelo contrário, como no caso da vovó que aqui citamos. Se tem que usar um uniforme de que não gosta, responder à chamada, obrigar-se a uma tarefa que, definitivamente não consegue fazer, sendo, por isso coagida ao pavor, ao medo. Se é ridicularizada pelos colegas por ser diferente da maioria.
Se é obrigada a infinitos deveres de casa que não lhe interessam, é submetida à coação de acertar, de tirar a nota, de fazer a prova, de ser aprovada, de estar sempre presente, etc. Isto também é violência e muito maior do que a física, pois deixa marcas que vão perdurar eternamente, inclusive, com impactos nas suas gerações futuras. E, principalmente, tudo isto para quê? Para aprender o quê? Para se tornar um trabalhador alheio aos seus direitos e enriquecedor, inocente, de patrões perversos e competitivos? Para ser um eleitor alienado? Um ser humano alijado de seus direitos de pessoa e de cidadão? Isto sim é a maior das violências e que, com certeza, deixa no chinelo os tapas, safanões, os gritos que as crianças receberam no berçário de Goiânia, mas isto, ninguém vê.
Maria do Carmo cometeu contra as crianças a odiosa violência física. E as demais escolas, berçários, creches, estabelecimentos públicos e privados, ricos ou pobres, lares, casa de apoio, pousadas infantis, etc. cometem atos tão iguais ou até piores que chamo de violência moral, violência ética, psicológica, simbólica. Elas treinam, confinam, adestram as crianças, com total irresponsabilidade política, humana e social. E o fazem com doçura, com carinho, sem dar tapas, empurrões, ou esfregar o dedinho da criança em paredes ásperas até sangrar. Elas, pior ainda, retiram, matam a alma, o espírito, a esperança, a felicidade, o futuro das pessoas, tanto no individual, quanto no contexto da sociedade maior.
Obcecadas pelos ditames do capitalismo, especialmente, o internacional, do qual somos vítimas não-confessas, as instituições educacionais - especialmente das crianças - não medem esforços para diminuí-las, "emburrecê-las" social, cultural, política e economicamente. Enquanto deveriam educar para mudarem o mundo e a vida, as escolas ajustam as pessoas a um mundo mal e caótico, pensado pelos ricos e poderosos, e que não serve mais nem mesmo a estes.
Caros pais, inclusive os clientes do famigerado berçário aqui citado, todas as escolas e instituições mentem, camuflam, blefam, violentam seus filhos, tentando transformá-los em agentes de uma sociedade em crise, ultrapassada, caótica. E que, em última análise, é a que gera as Marias do Carmo, que, com a sua psicopatia, criou um jeito de atrair as crianças, para, justamente, violentá-las. O que lhe dá um certo prazer mórbido. É uma doente e como tal, deveria ser tratada. E fez tudo com métodos extremamente maldosos, neste crime sem precedentes. O que, com certeza, se dissimula em todas as outras instituições educativas, embora não sejamos capazes de perceber e de lutar contra.
Mas, não sejamos mais tão ingênuos e tolinhos assim. Encarem de frente a escola boazinha que não bate, não belisca, não machuca a carne. Mas o que ensina e como ensina? Que valores induz e em que tipo de personalidade estão transformando seus filhos e filhas para o amanhã que virá? A nossa pedagogia é aética e bizarra. Os pedagogos, em parte, maltratam, ferem, limitam, cheios de sorrisos, amor e bondade, exercendo um certo escárneo sinistro contra a criança que estuda. São, quase todos cínicos o suficiente para isto. Os professores, idem, nós, a grande maioria de pais e mães, idem. Não se deixe enganar tomando aqui uma atitude defensiva, do tipo, eu não sou assim. Na minha casa as coisas são diferentes, pois esta é uma desculpa, justamente dos donos das maiores culpas.
Não seja responsável pelo sofrimento desnecessário da criança que você colocou no mundo e pela qual, você tem toda a responsabilidade perante a vida e o universo inteiro. Chegou a hora de arregaçarmos as mangas e mudarmos radicalmente nossa conduta perante a criança que sofre indefesa neste mundo cão, gerido pelos adultos que não a consideram. Fingindo amá-la assim como "Vovó Maria do Carmo". E podem estar certos: todas as crianças sofrem, de uma forma ou de outra. E as "Vovós Marias do Carmo", somos, com certeza, todos nós. Ou quase todos. Já passa muito da hora de refletirmos, e, mais que isto, de fazermos algo de novo e diferente. Com calor, carinho, açúcar e afeto. Vamos amar as nossas crianças, que são todas. E não só, as que nasceram de nós ou nos foram entregues como alunos. Ainda há tempo e esperança de dias melhores com paz, serenidade e alegria de viver. O quê, com certeza, todos nós desejamos.
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Antonio da Costa Neto, de Brasília, professor, conferencista, autor de livros e artigos nas áreas de educação, contemporaneidade e qualidade de vida.

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