quarta-feira, 25 de julho de 2007

UM OLHAR SOBRE O ECOFEMINISMO E A MUDANÇA DE PARADIGMAS







A terra vem passando por transformações que se tornam cada vez mais explícitas com todos os acontecimentos ocorridos recentemente na natureza. A humanidade toda começa a se perguntar a respeito do que está acontecendo e muitos, enfim, começam então a perceber o quão importante é o equilíbrio de nosso planeta e o quanto o homem vem contribuindo justamente para o contrário. Muito além destes eventos naturais trágicos que vem suscitando tantos debates ocorre uma transformação mais lenta e profunda e que também diz respeito à relação homem-natureza.
Esta transformação, não tão focada pela mídia quanto a anterior, se trata de uma mudança que vem ocorrendo nas bases de nossa cultura. Uma mudança poderosa mas silenciosa que vem crescendo, se fortalecendo e criando raízes firmes no solo da sociedade e aos poucos se faz ser ouvida. Esta transformação vem sendo constituída como uma alternativa à estrutura civilizacional que temos vivenciado. Mais do que uma mudança de mentalidade é apresentada como uma mudança de paradigma levando em consideração o termo dentro do conceito proposto por Boff (2000, p.27) de paradigma enquanto “uma maneira organizada, sistemática e corrente de nos relacionarmos com nós mesmos e com tudo o resto à nossa volta”. Tratando-se de “modelos e padrões de apreciação, de explicação e de ação sobre a realidade circundante”.
Esta alternativa surge como uma ferramenta essencial nesta construção sobre os resquícios patriarcais de um modelo de sociedade que tem sido visto como o principal responsável de alguns dos piores dramas da humanidade, entre eles a desigualdade social, a destruição do planeta, a violência e a miséria. Modelo este que representa cerca de 400 anos de nossa história recente e é simbolizado pelo capital, pela dominação e pelo poder sobre a natureza e sobre os seres mais fracos. Na atitude de estar sobre as coisas e sobre tudo, parece residir o mecanismo fundamental de nossa atual crise civilizacional. [...]
A vontade de tudo dominar nos está fazendo dominados e assujeitados aos imperativos de uma terra degradada. A utopia de melhorar a condição humana piorou a qualidade de vida. (Boff, 2000, p.25). As grandes marcas desta atitude se mostram ainda fortes na atual sociedade de consumo, no capitalismo, no acúmulo de bens materiais, no desenvolvimento econômico sem freios e na ilusão do uso ilimitado dos recursos naturais, entre outros tantos. Cresce assim a preocupação sobre este modelo e se busca uma nova forma de nos relacionarmos com nosso meio, nossa comunidade local e também global.
Surge uma preocupação sobre a humanidade como um todo e a necessidade de um novo projeto, buscando desta forma uma nova visão, um novo posicionamento frente a essas questões. Hoje estamos entrando num novo paradigma. Quer dizer, está emergindo uma nova forma de dialogação com a totalidade dos seres e de suas relações [...] em razão da crise atual, está se desenvolvendo uma nova sensibilização para com o planeta como um todo.
Daqui surgem novos valores, novos sonhos, novos comportamentos, assumidos por um número cada vez mais crescente de pessoas e de comunidades. É desta sensibilização prévia que nasce um novo paradigma.[...] Começa já uma nova dialogação com o universo. (Boff, 2000, p.29-30). Assim aos poucos vai sendo sinalizada uma nova concepção não apenas da natureza e de nosso planeta como também do próprio ser humano e de suas relações com o entorno. Resgatando um sentimento de presença e de cuidado, estimulando uma conexão mais verdadeira com a realidade em volta e com o mundo. Assumindo cada cidadão uma postura de maior responsabilidade sobre esta realidade e este mundo que construímos diariamente.Temos uma nova percepção da Terra, como uma imensa comunidade da qual somos membros. Membros responsáveis para que todos os demais membros e fatores, desde o equilíbrio energético dos solos e dos ares, passando pelos microorganismos até chegar às raças e a cada pessoa individual, possam conviver em harmonia e paz. (Boff, 2000, p.31).
A mudança de paradigma surge como o único caminho para o futuro da humanidade, como a única saída se de fato quisermos manter a vida em nosso planeta. Capra (1996, p.23) nos coloca que “Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até mesmo muito simples. Mas requerem uma mudança radical em nossas percepções, no nosso pensamento e nos nossos valores”. É neste ponto que reside a importância fundamental de toda esta transformação, pois para reciclarmos nossa sociedade e por conseguinte nosso planeta precisamos primeiramente passarmos todos por uma reciclagem individual e transformadora. Na Ecologia Profunda, dentro das teorias apresentadas por Capra, assim como por outros teóricos da atualidade o homem surge não como uma peça igualmente fundamental, mas apenas mais uma peça na teia da vida. Torna-se óbvia a unicidade presente no universo, seja ele interno ou externo ao ser.
Tudo está interligado e interconectado formando uma cadeia interdependente. Essa visão prevalece sobre a visão mecanicista que isolava cada elemento em seu lugar e torna-se a marca principal da mudança de paradigma.O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominada visão ecológica, se o termo ‘ecológica’ for empregado num sentido mais amplo e mais profundo do que o usual. (Capra, 1996, p.25).
Capra (1996, p.25) coloca o conceito de ecológico acima do significado popularizado, agregando fortes valores éticos e comportamentais a concepção de visão ecológica. Sendo assim, a percepção ecológica profunda “reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos)”. Para isso o autor busca a teoria de Arne Naess que faz a distinção entre a ecologia convencional e a ecologia de que fala Capra.
Naess apresenta duas correntes: a ecologia rasa e a ecologia profunda, e é dentro desses conceitos que Capra consegue ilustrar claramente o que ele objetiva dizer ao falar de uma visão ecológica de fato:A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ela vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza [...] a ecologia profunda não separa seres humanos – ou qualquer outra coisa do meio ambiente natural. Ela vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes.
A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida. (Capra, 1996, p.25).Assim ele determina a ecologia profunda como o grande fundamento, o alicerce do novo paradigma. É basicamente imprescindível resgatar o sentimento no individuo de pertencer à natureza para que este possa de fato modificar seus hábitos e sua relação com o meio. Baseado na ecologia profunda é que se torna possível construir essa nova percepção no ser humano da natureza que o cerca e do qual ele faz parte. E é a partir dela que de fato desencadeia-se a complexa transformação de nossos valores culturais herdados.Toda a questão dos valores é fundamental para a ecologia profunda; é, de fato, sua característica definidora central. Enquanto que o velho paradigma está baseado em valores antropocêntricos (centralizados no ser humano), a ecologia profunda está alicerçada em valores ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma visão de mundo que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependências.
Quando essa percepção ecológica profunda torna-se parte de nossa consciência cotidiana, emerge um sistema de ética radicalmente novo. (Capra, 1996, p.28). Ecofeminismo, outra vertente apresentada por Capra relacionada a ecologia profunda é o ecofeminismo, uma corrente oriunda do movimento feminista que relaciona historicamente a mulher e a natureza com a subjugação e exploração sofrida por ambas. O ecofeminismo representa um forte movimento no sentido de reforçar a importância da mudança de paradigma também para a melhoria da relação entre gêneros, assim como da relação com o meio.
Seus expoentes trabalham em nome da transformação do atual e ultrapassado modelo civilizacional representado pelo patriarcado. Assim como os autores já citados lutam pela mudança de paradigma uma vez que associam a este o resgate dos valores femininos simbolizados pela proteção e pelo ato de cuidar, entre outros. Os ecofeministas vêem a dominação patriarcal de mulheres por homens como o protótipo de todas as formas de dominação e exploração: hierárquica, militarista, capitalista e industrialista. Eles mostram que a exploração da natureza, em particular, tem marchado de mãos dadas com a das mulheres, que têm sido identificadas com a natureza através dos séculos.[...] os ecofeministas vêem o conhecimento vivencial feminino como uma das fontes de uma visão ecológica da realidade. (Capra, 1996, p.27).
O ecofeminismo vê a dominação a qual a mulher foi sujeitada assim como outras raças (índios e negros) e seres mais fracos, paralelamente a dominação e usurpação da natureza e de suas riquezas. Uma vez que entre os povos primitivos, segundo alguns historiadores, sempre houve uma forte conexão entre a mulher e a natureza, através do culto ao feminino e a Terra em si como símbolo maior deste princípio.Esta visão sacralizada da natureza percebia o homem como parte dela e este em troca lhe tratava com respeito e cordialidade, com o carinho de um filho para com a sua mãe. Na medida em que a natureza foi perdendo este seu caráter sagrado paralelamente iniciou sua exploração. Os valores patriarcais de dominação e centralização de poderes logo começaram a ser sentidos também pelas mulheres dando prosseguimento a mesma associação anterior, só que de forma diferente onde a mulher, assim como a natureza, tornou-se mera propriedade masculina.
O atual resgate fruto da mudança de paradigma possibilita a homens e mulheres repensarem essa relação histórica entre si e com a Terra.A recuperação do princípio feminino se baseia na amplitude. Consiste em recuperar na Natureza, a mulher, o homem e as formas criativas de ser e perceber. No que se refere à Natureza, supõe vê-la como um organismo vivo. Com relação à mulher, supõe considerá-la produtiva e ativa. E no que diz respeito ao homem, a recuperação do princípio feminino implica situar de novo a ação e a atividade em função de criar sociedades que promovam a vida e não a reduzam ou a ameacem. (Shiva, 1991, p.77 apud Siliprandi, 2000, p.65).
A questão do resgate do feminino corresponde mais ao equilíbrio do que a sobreposição de um modelo sobre o outro. O patriarcado se enfraqueceu no momento em que o feminismo alcançou maiores espaços e maior peso cultural. Ou seja, não há de fato um culpado, o masculino não é determinado como o inimigo, mas sim como um extremo apenas de uma complexa realidade histórico-socio-cultural existente entre homens e mulheres.
Por um longo período este extremismo vem sendo perpetuado causando enormes prejuízos para ambos os gêneros da raça humana, além de inúmeros desequilíbrios que atingiram não apenas a sociedade como também ao nosso meio em comum: a Terra. Em um mundo constituído por homens e mulheres ainda assim o poder há centenas de anos vem sendo centralizado pelo masculino alicerçado em diversos princípios prepotentes e manipuladores características do patriarcado que ainda são sentidos nos dias de hoje em nossa atual bagagem cultural que infelizmente herda um vasto legado de dominação, destruição, medo e culpa; obra de uma visão masculina judaico-cristã que permitiu ao homem branco sentar-se em seu trono sobre a natureza e subjugar espécies diferentes da sua, fazendo incluir nesta categoria mulheres, índios e negros entre outros, que como o restante da natureza também não eram dignos de possuir uma alma.
O que já era o suficiente para justificar qualquer atrocidade cometida e respaldá-la em bases religiosas que disseminavam estes valores.El patriarcado capitalista dominante es una ideología basada en el miedo y la inseguridad[...] Y el ecofeminismo dice: hay suficiente para todos, no tienes que asustarte, no tienes que destruir la vida para conseguir un poco... Se necesita confianza para permitir a la vida evolucionar en libertad y alimentarse a sí misma en el proceso. El ecofeminismo es una filosofía de la seguridad, de la paz, de la confianza, el patriarcado capitalista es asustadizo, es estrecho de miras, está tan terriblemente asustado que no puede tolerar a otras especies o culturas. (Shiva, 2005).
Como colocam os autores trata-se de um imprescindível resgate não apenas para as mulheres mas para toda a civilização e principalmente para as futuras gerações. A mudança de paradigma torna-se urgente para que se coloque um ponto final definitivo nesta história sangrenta marcada por conflitos e guerras por poder e dinheiro que tanto castigaram a Terra e seus povos ao longo de centenas de anos de domínio e exploração. La recuperación del principio femenino permite trascender los cimientos patriarcales del mal desarrollo y transformarlos. Permite redefinir el crecimiento y la productividad como categorías vinculadas a la producción —no a la destrucción— de la vida. De modo que es un proyecto político, ecológico y feminista a la vez, que legitima la vida y la diversidad, y que quita legitimidad al conocimiento y la práctica de una cultura de la muerte que sirve de base a la acumulación de capital. (Shiva, 1995, p.02).
A comunicação, a mídia podem tornarem-se importantes instrumentos para a conscientização e uma posterior educação ambiental ao servir como propagadoras dos valores disseminados pelo novo paradigma uma vez que é conhecida a influência exercida pela mídia e a comunicação em geral sobre a opinião pública. A mídia se caracteriza como um importante meio e assume um caráter de agente cultural capaz de influenciar comportamentos e posicionamentos mais éticos e ecológicos. Neste início de século e de milênio estamos testemunhando uma profunda crise que afeta todos os aspectos da vida. A poluição gerada pela busca do lucro a qualquer custo, as guerras, a fome, a miséria generalizada, revelam uma sociedade injusta, sem ética e que nega o direito à cidadania. Ao mesmo tempo, o avanço acelerado das tecnologias da informação tem contribuído para a abolição das distâncias permitindo maior rapidez nas comunicações. É fundamental a participação dos órgãos de comunicação neste processo de sensibilização à mudança de paradigma. É sabida a força da comunicação de massa, mas falta ainda interesse mais humano na habilidade de conduzir a questão.
Temas de relevante importância para toda a sociedade ainda são deixados de lado em detrimento da postura de veículos comerciais guiados na maioria das vezes por motivações que visam unicamente o lucro, ao contrário de exercer um papel realmente elucidativo e educativo junto à comunidade. Salvo raras exceções como as que tem sido constatadas no jornalismo ambiental realizado na última década. O jornalismo ambiental assume uma missão muito importante para contribuir com a transformação da sociedade tendo em vista uma oikos solidária, sadia, afetiva e ética. E o jornalista precisa estar consciente de seu papel como agente de transformação social. Precisa estar bem informado, estudar constantemente e ter responsabilidade, pois atua em um campo muito amplo que exige o domínio a linguagem científica, para que esta possa ser decodificada e democratizada.
É um campo que freqüentemente se apega a discursos ambíguos para justificar a imposição de certas tecnologias que são apresentadas como benéficas e salvadoras da humanidade. Torna-se fundamental a atuação consciente do jornalista para que de fato a mídia seja conduzida como um importante meio para reforçar os valores do novo paradigma. Este precisa assumir a responsabilidade social que esta incutida em sua profissão e perceber a real dimensão de seu trabalho como comunicador e também como educador.
Reciclando a imagem de uma mídia que é vista de forma tão polêmica no tocante aos valores incentivados. Segundo Alves (2002, p.02) “os meios de comunicação, em sua maioria, propõem uma idéia que é conflitante com a idéia de proteção e respeito ao Meio Ambiente, estimulando valores insustentáveis de consumismo, desperdício, violência, preconceito, desrespeito” entre outros. A autora critica a postura da mídia frente as questões ambientais e cita Brügger que “afirma que a mídia globalizada vende ‘rupturas com o entorno’ sendo que essas rupturas são enfatizadas pelo incentivo ao consumismo” (Alves, 2002, p.02).
As empresas de comunicação de massa, destacando-se a mídia impressa, definida como sendo o conjunto formado por "revistas, jornais, folhetos, mala-direta, cartazes, outdoors, displays, catálogos e outros (Erbolato, 1986 p.214-Dicionário de propaganda e jornalismo). Esta exerce papel preponderante na prestação de informação correta, confiável e na formação de opinião. Para que possam desempenhar adequadamente seu papel, faz-se necessário que as empresas de mídia impressa assumam publicamente seus valores e filosofia, e que a questão ambiental faça parte destes, assumindo também ações responsáveis de forma ética, social e ambientalmente corretas nas comunidades nas quais estão inseridas, deve ainda incentivar e estimular a especialização de seus profissionais na àrea ambiental, disponibilizar espaço para as reportagens de cunho preservacionista, ecológico e ambiental. (Alves, 2002, p.10).
Uma nova abordagem é impossível que a sociedade continue a ignorar a questão ambiental e tudo que ela envolve, como ela nos envolve e atinge direta ou indiretamente. A mídia tem muito a fazer nesse sentido ao compensar uma antiga brecha social, e assim como o indivíduo a mídia também tem que se reciclar e oferecer abertura ao novo paradigma. Através de um olhar mais atento às completudes dos fatos ao invés de evocar um discurso superficial e isolado. É somente utilizando-se de um posicionamento holístico que a mídia pode modificar a base de suas mensagens e conseqüentemente o impacto que causará em seu público.
O jornalismo que se propõe holístico incorpora sempre a busca de visões múltiplas, porque múltipla é a realidade. Ela só pode ser amplamente entendida com um enfoque dentro de um contexto balanceado, onde se examina globalmente o presente, se busca as raízes do fenômeno no passado e, tanto quanto possível, se percebe a eventual conseqüência que o fato vai trazer para o futuro. (Lima, 1994).
Infelizmente essa visão holística ainda é pouco encontrada na mídia de forma geral. Com exceção de alguns programas de TV com uma linguagem mais moderna e aproximada com as mudanças culturais são poucos os canais que disponibilizam material informativo e educativo de qualidade levando em conta a preocupação de formar cidadãos mais conscientes e ativos. Na mídia impressa esse fato muda devido a várias revistas segmentadas que já expressam muitos dos valores propostos pela mudança de paradigma, são publicações atentas as questões ambientais e humanas e que objetivam por um jornalismo que acrescente conteúdo e estimule a busca pela qualidade de vida de seus leitores. Segundo Giacomini Filho (1996, p.42) “qualquer abordagem sobre aspectos de qualidade de vida deve considerar a comunicação social [...] os instrumentos de comunicação social devem ser vistos como elementos agregados aos atributos de qualidade de vida”.
Esta situação decorre do que o autor chama “da vocação como agentes informativos e persuasivos” natural dos meios de comunicação social. Se uma instituição jornalística quer colaborar no processo da necessidade urgente de transformação da consciência humana, um jornalismo com uma percepção holística pode ajudar muito. O ser humano está descobrindo que há um patamar de percepção e interação com a realidade armazenado dentro dele, mas adormecido. Essa alavancagem para a percepção ampliada precisa ser feita com urgência, porque é a partir dessa percepção, testada interiormente em cada indivíduo, que seremos capazes de agir num patamar coletivo de maior alcance e harmonia. Estamos saindo de uma era que tentava dominar e controlar a natureza. Em consequência, também a exploração do homem pelo homem. Felizmente, estamos percebendo que a saída dessa crise brutal não é essa. O caminho é aprender agir em harmonia e cooperação.
Essa cooperação é do homem com o homem, do homem com a natureza e de todos em conjunto. Todos fazemos parte de uma realidade única. (Lima, 1994). Talvez muitos dos erros cometidos pela mídia sejam pela razão de não realizarem o que aponta Vandana Shiva (2005) ao falar sobre o ecofeminismo que se trata de “poner la vida en el centro de la organización social, política y econômica”. Um ótimo ponto de partida para os profissionais de comunicação seria o de adotar os valores intrínsecos propostos pelo novo paradigma. A ecopedagogia poderia servir como um produtivo caminho no intuito de realizar essa reeducação da sociedade. A mídia, ao assimilar esse conjunto de saberes enriqueceria o debate relacionado ao meio ambiente através de um enfoque mais humano e educativo. Desempenhando desta forma um papel chave na construção de uma nova realidade social.Vivemos na era da informação, mas não do conhecimento e da comunicação.
As tecnologias da comunicação não significam comunicação humana. Temos necessidade, por isso, de uma “esfera pública cidadã” (Jürgen Habermas), uma esfera pública de decisão não-estatal; precisamos, como diz Adela Cortina, de uma “ética pública cívica”, fundada numa sociedade pluralista (por exemplo: respeitar respostas distintas a perguntas sobre a vida, isto é, praticar o pluralismo ético); na convivência autêntica (“viver juntos e não apenas justapor-se”); na construção coletiva (“tarefa a realizar permanentemente pois os pontos de convergência não são automáticos”) e no descobrimento mútuo e no diálogo (“buscar o que temos em comum”).( Gadotti, 2002, p.03).
Esta sociedade pluralista que engloba ao invés de excluir, que dá voz a todos deveria ser o grande objetivo a ser alcançado pela comunicação social. Esta proposta pedagógica representa uma ação necessária e urgente da sociedade na tentativa de construir novos modelos sociais, mais harmonizados com a natureza e com os valores complexos da mudança de paradigma. Fazendo com que os cidadãos criem esta re-conexão, essa re-ligação com o sentimento de humanidade e zelo pelo planeta, e possa enfim vivenciar uma cultura de paz. Pois como afirma Gadotti (2002, p.05) “o que foi socialmente construído pode ser socialmente transformado. Um outro mundo é possível. Uma outra globalização é possível. Precisamos chegar lá juntos e, sobretudo, em tempo”.


Considerações Finais:


No grande contexto que representa o planetário muitos conceitos ficam ainda mais claros do que quando percebidos apenas isoladamente, localmente, ou ao compartimentar a humanidade criando barreiras e segmentando os seres, separando-os em diferentes grupos, como se no final não fossemos todos pertencentes à mesma espécie, ao mesmo momento histórico e ao mesmo planeta. Não há como falar sobre o ser humano e sobre o meio ambiente sem o enfoque da percepção holística, não há como tratar às questões humanas sem pensá-las dentro de um contexto de unicidade. Como bem expresso nas palavras de Boff: Os temas da complexidade, da interconexão de todas as coisas entre si e da centralidade da vida nos evocam a mulher e as reflexões do ecofeminismo[...] Se queremos elaborar uma nova aliança com a natureza, de integração e de harmonia, encontramos na mulher e no feminino (no homem e na mulher) fontes de inspiração. Ela não se deixa reger apenas pela razão mas integra mais holisticamente também a intuição, o coração, a emoção e o universo arquetípico do inconsciente pessoal, coletivo e cósmico.(Boff, 2000 p.52-53).
Um novo modelo emerge e prega uma transformação efetiva em nossa conduta frente à vida como um todo e em todas as suas representações e manifestações. Por que então levar adiante uma estrutura já ruída e que não nos leva a outro lugar senão a nossa eminente destruição? Surge uma urgência, uma convocação que por enquanto só chega apenas àqueles sensíveis às causas da vida, àqueles que se interessam em ouvir além. Chega como um pedido de socorro de um ente querido ancestral que nos presenteou com nossa existência e que agora nos pede ajuda. E que fala da importância deste resgate, que representa um olhar atencioso para com o mundo através do gesto de cuidar.
Cuidar de nós mesmos, de nossa qualidade de vida; cuidar de nossos semelhantes, nossa comunidade; cuidarmos de nosso planeta. Estes são alguns dos princípios defendidos pelo novo paradigma e reafirmados pelo resgate do feminino, deste feminino que fala de paz, de solidariedade e de amor. Sentimentos tão necessitados por todos nós e principalmente por nossa Gaia.

Texto de Luciana P. Urbim

Referências Bibliográficas:

ALVES, Jane Magali Rocha. O papel da mídia na informação ambiental. 2002. Disponível em:. Acesso em 12/02/2006.
BOFF, Leonardo. Dignitas Terra-e- Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo: Editora Ática, 2000.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Editora Cultrix, 1996.
____ . As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Editora Cultrix, 2002.
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. Vol.2: O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DENCKER, Ada de Freitas e KUNSCH, Margarida (org). Comunicação e meio ambiente. São Bernardo do Campo -SP: Coleção Intercom n°5, 1996.
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra e cultura da sustentabilidade. 2002. Disponível em: . Acesso em 12/02/2006.
GIACOMINI FILHO, Gino. Comunicação e qualidade de vida em Comunicação e meio ambiente. São Bernardo do Campo -SP: Coleção Intercom n°5, 1996.
LIMA, Edvaldo Pereira. A perspectiva holística no jornalismo. 1994. Disponível em: . Acesso em: 12/02/2006.
PULEO, Alicia. Feminismo y ecologia. Disponível em:. Acesso em 12/02/2006.
RUETHER, Rosemary Radford. Ecofeminsismo: mulheres do primeiro e terceiro mundo. Disponível em: . Acesso em: 02/01/2006.
SHIVA, Vandana. Entrevista a Vandana Shiva sobre ecofeminismo. 2005. Disponível em: . Acesso em: 02/01/2006.
____. Abrazar la vida: mujer, ecologia y supervivencia. Montevideo: Instituto del Tercer Mundo, 1991.
____. La mirada del ecofeminismo. 1995. Disponível em: . Acesso em: 02/01/2006.
SILIPRANDI, Emma. Ecofeminismo: contribuições e limites para a abordagem de políticas ambientais. Disponível em: . Acesso em 02/01/2006.

terça-feira, 24 de julho de 2007

O SOM AZUL DE MÔNICA SALMASO


Mônica Salmaso é a musa do canto e do encanto. Rainha da simplicidade com seus casaquinhos de frio, azuis como o céu que é pra onde nos leva com aquele ar de quem canta para se encontrar. E se perdeu no paiol da poesia, da mística, da graça, da música...
O timbre anasalado, gripe de criança, saindo fumaça e radiante fazendo redemoínhos emoldurados no ar. Cor de ouro, esvoaçantes, encachoeirados, azuis. Como não? Ouvir Mônica Salmaso é como tomar aquele chá quentinho, gostoso, enfrente à lareira, quando o que mais precisamos é de algo que nos aqueça o corpo e a alma.
Ela consegue esta mágica que se complementa com a luz dos olhos grandes, brilhosos e inquetos.
Um olhar de quem sabe amar brincando. Os gestos leves, mãos de fada, o movimento igualmente poético, necessário e preciso. Nem mais e nem menos. No ponto. Como doce feito em casa no fogão de lenha, no tacho de cobre. Puro, metálico, cristalino. Água da fonte, fruta orvalhada, mãe que chama, flor no cabelo...
As bijouterias artesanais, a saia farta e lisa. Não sei porque - E quem não sabe? - ela tem predileção pelos azuis. A grandiosidade daquela cara de cavalo, sempre lavada, sem maquiagem, apenas enfeitada pelo cabelo longo, preto, solto, esvoaçante, mulato que lembra a beleza rústica de uma Catherine Hepburn bem brasileira, bem nossa, bem de agora. O requintado gosto musical na escolha do repertório. O filtro de todos os sons dos instrumentos e do papel de cada um dos músicos em busca da preciosa qualidade como quem garimpa o maior e o mais puro dos diamantes também azulados. É uma perfeccionista absolutamente viciada, graças a Deus. Personalista por natureza. A valorização máxima de tudo o que faz: concepção musical e gráfica do encarte e capa do disco, fotos, arte, colocação da voz, do ser e do estar em todo o contexto, o momento, a sutileza. Sua música é um momento sagrado de oração, de revelar bênçãos. É levar-e-trazer alegrias que se acalantam no fundo do lado bom dos seres.
Um sonho de luz na alma brasileira. Na poesia. Na arte, no povo do Brasil tão carente de beleza, harmonia e de preces. Que simbolizam-se na música boa que ela faz. No recado que exibe e na felicidade que expressa apenas por existir. Lutar e suar como acontece com os verdadeiros talentos deste país, deste mundo louco e conturbado.
A eterna inversão de valores tudo faz para ofuscar este tipo de trabalho. Só não acontece quando o talento é maior. A vontade vibra. A força acontece. A beleza transcende e o sangue grita em harmoniosas melodias, em tons, em versos.
Mônica Salmaso me faz sonhar. Me faz dormir com um semblante risonho num tom de azul. Um azul existente. Azul que há e nos inunda de felicidades e do frescor de novas esperanças.

Antonio da Costa Neto

sexta-feira, 13 de julho de 2007

ABRA SEU CORAÇÃO PARA O NOVO

Você já deve ter percebido que geralmente é necessário viver por momentos de crise para que realmente as pessoas mudem hábitos e costumes.
Geralmente essas crises acontecem quando estamos agarrados a velhos padrões de comportamento. Sabemos que tem que mudar, mas inconscientemente permanecemos agarrados a eles: é o medo do novo. Parece ser mais seguro ficar com aquilo que já conhecemos.
Quando chegam as crises, dá impressão que o mundo acabou, enxergamos apenas o sofrimento, o caos!Por que isto está acontecendo comigo? É injusto! Sou uma pessoa tão boa! Não devia ter acreditado. Bem que me falaram. E etc, etc, etc...
Tudo a nossa volta está em constante processo de transformação! Olhe a sua volta. Você irá perceber que todos têm questões a resolver. Mudar significa desapegar!
Quando você se compromete com seu caminho de transformação, o mundo em sua volta também muda! Esse caminho é desafiante, árduo, mas seus resultados são gratificantes! Você poderá começar seu processo de transformação pelas pequenas coisas, assim irá exercitando sua mente para as grandes e necessárias transformações.
Por exemplo, vá até o seu armário! Abra a porta e observe-o por alguns minutos. Veja todas as roupas que estão lá guardadas e perceba quantas peças você já não utiliza.Outras você quer acreditar que um dia ainda poderá usar, porém o tempo passa e elas ficam pra lá. Algumas estão até velhas e fora-de-moda, daí você cria uma ilusão que poderá usá-las para "bater". Mas a peça fica parada tomando o espaço de peças novas. Tomam espaço enquanto poderiam ser úteis para alguém.
A acupuntura explica que a dor é excesso de energia concentrada em determinado ponto. É energia parada, sem movimento, sem fluência.
Analogamente poderia estar um relacionamento sem qualidade, onde as pessoas tomam espaço no armário emocional, numa relação sem amor, sem respeito, achando que um dia possa melhorar, acreditando que um não possa viver sem o outro, pensando ser ruim com a pessoa e pior sem ela, ou por costume, ou para evitar conflitos familiares, chegando ao ponto de procurar o complemento emocional em relações extras.
Desculpas existem várias, mas saiba que estará bloqueando a sua realização e ocupando o lugar de alguém que poderia chegar em sua vida e também impedindo o outro na sua realização. Estará menosprezando a sua capacidade, seu potencial de amor, perdendo o seu tempo, sufocando a sua criatividade, impedindo o seu caminhar na estrada da vida, criando karmas.
Você poderá começar a mudar esse jogo através de seu armário. O armário de roupas é o reflexo da pessoa. É como se dissesse: Mostra-me teu armário e eu lhe direi quem és! Lá está você, o seu estilo, as suas cores. Verifique tudo o que está parado na sua vida, deixe a energia fluir começando pelo armário. Retire tudo o que não usa. Doe para quem precisa. Livre-se do que não é importante, poderá ter importância para o outro. Comece a transformar sua vida pelo armário e as outras mudanças virãocom toda certeza. Parece simples, mas requer muita disposição. É a lei do desejo!


Texto de Léo Artése

FRASES ENCANTADORAS DE FABRÍCIO CARPINEJAR










"A feição envelheceu com unidade. Até os óculos acompanharam."




"Jogo cartas e dominó apenas na praia. A infância combina mais com o mar do que com nossa idade.
Metade do que vivo é imaginação A outra metade é conseqüência dela."




"Nunca foi bom em matemática. Morreu de cálculo renal."




"É mais difícil arrastar uma pessoa desmaiada, morta, tudo é bem mais pesado. É necessário que tenha vida para conseguir carregar. Assim eu penso os livros."




"Nem eu sou meu discípulo. Não suporto o próprio timbre."




"Mulheres com sobrancelhas grossas me passam um ar de tristeza impossível. Frida Kahlo marcou meu jeito de ver. Uma beleza selvagem, súplica, ardor adotivo, vento de dia que já é uma espécie de noite."




"Deixo escorrer o rímel que não estou usando. O silêncio não me deixa dormir. Sobraram-lhe nove dedos sem aliança alguma. Há sempre um momento em que é preciso chamar um adulto."




"A morte desobedece Deus em segredo."




"Conheci uma beata que espantava os demônios com os mistérios gozosos."




"Gênio? Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonhos gênios como eu, E a história não marcará, quem sabe? Nem um, Não haverá senão estrume de tantas conquistas futuras. Não, não creio em mim."




"O desejo é um medo que não tem cura."




"Quando se tem razão é aconselhável negar. Em seguida, o interlocutor admite a verdade e repete aquilo que havíamos dito como se fosse dele."




"Não desisto de me encontrar onde não estou."




"Escrevo com medo, mas um medo alegre, o mesmo que pressentia quando criança diante do desconhecido ou das sombras do quarto. Medo de que algo aconteça e falte voz. Um medo proibido e sedutor. Um medo curioso, que se provoca para acontecer."



"O poema é uma mão tremendo. Seguro no poema não para aliviar o tremor, mas para ser contagiado por ele."




"Contesto meu gosto, não o meu gosto no gosto dos outros."




"Antes sem modos do que seguir moda."




"Quero morrer sem sobrar vida para contar."




"Agradeço meus limites. Não me suportaria infinito. Os limites são vantagens."




"Toda arrogância é excludente e moralista. O moralismo nunca me ensinou a me comportar."




"O crítico não deve escrever para o autor, muito menos para si mesmo."

quinta-feira, 5 de julho de 2007

POR QUE SOMOS TÃO BURROS?



Por que somos todos tão estúpidos? Por que, em plena “sociedade da informação”, as pessoas vivam justamente o paroxismo da desinformação, da ignorância, da imbecilidade? Por que as pessoas, por exemplo, confundem filosofia com metafísica e saem por aí dizendo cretinices como “a filosofia não serve pra nada?” As pessoas não sabem que todas as ciências modernas foram criadas, sim, por filósofos? Que, por exemplo, o protocolo “www”, alicerce da internet tal e qual a utilizamos cotidianamente, foi criado por Tim Berners-Lee, e que Berners-Lee se inspirou, entre outras coisas, nos estudos de um filósofo e sociólogo chamado Ted Nelson? As pessoas acham que a medicina, as engenharias, a biologia, a física e a química foram criadas por indivíduos desde aqueles dias assim, especializadíssimos? As pessoas acham que a filosofia trata apenas de coisas abstratas, sem nexo e sem conexão com a realidade imediata? As pessoas são burras? Você, leitor, é burro? Eu sou burro? O burro é burro? O que é burro?
Eu acho que todos somos muito burros, sim. Eu mesmo sou uma anta. O Lino, quando eu ainda estava em Silvânia, disse que eu sou um sujeito muito inteligente, mas ele que me desculpe, porque eu não sou, não. Eu sou é burro demais. Já passei por um monte de coisas e nunca aprendi nada. Li uma pá de livros e estou sempre relendo um ou outro pra ver se gravo alguma coisa que preste. Cometo sempre os mesmos erros. Pior do que isso: há quem me pague para cometer erros. O mundo é mesmo um globo superpovoado por gente burra, não? Mas aonde eu quero chegar?
Exatamente aqui: as pessoas falam o tempo todo sobre um monte de coisas, mas não fazem idéia do que estão falando. As pessoas são, em tese, animais racionais, mas agem o tempo todo de forma irracional. Mas por que isso acontece? Por que as pessoas viraram as costas para toda a tradição cultural do Ocidente? As pessoas, em geral, estiveram, em algum momento, de frente para toda a tradição cultural do Ocidente? Por que as pessoas, para usar aquele mesmo exemplo, dizem que “a filosofia não serve para nada” sem, contudo, saber, de fato, o que é filosofia? As pessoas, quando usam o termo “filosofia”, têm consciência do que estão falando? Sabem que filosofia não é só metafísica e abstrações e masturbação mental, mas também estética, lógica, epistemologia, ontologia (não, eu não escrevi “odontologia”, eu escrevi “ontologia”) e um monte de outras coisas? Voltando novamente ao ponto: por que isso acontece? Eu digo que isso acontece por culpa da escola.
Todo mundo, ou quase todo mundo passa anos e anos na escola estudando coisas como história, geografia, álgebra e trigonometria, mas ninguém sabe para quê. Um engraçadinho poderia dizer: Para passar no vestibular. Não é pouca coisa, está certo, mas e daí? Existe algum significado real em entender as causas e conseqüências da Revolução Francesa? Existe algum significado real em saber calcular uma hipotenusa? Existe algum significado real em saber desenhar a fórmula estrutural do ácido sulfúrico? Você, professor de física, pergunte ao seu aluno do primeiro ano: Por que estudar o movimento retilíneo uniformemente variado? Você, professor de literatura, pergunte ao seu aluno do terceiro ano: Por que estudar a Geração de 45? E não aceite como resposta qualquer coisa associada a passar no vestibular. Pergunte pelo significado real (se é que existe algum) de cada uma dessas coisas. E, afinal, quando confrontado com aquele silêncio sepulcral, pergunte a si mesmo, professor: O que eu estou fazendo aqui? Por que eu estou aqui?!
Eu penso que a forma como os jovens são educados é errada. A maneira como conteúdos e conceitos são transmitidos é errada. O modo como procuram criar cidadãos conscientes é errado porque os educadores muitas vezes não são cidadãos conscientes. O que acontece, então? E qual seria a “maneira correta”? O que acontece é que o estudante conclui o ensino médio, mas é incapaz de formular um raciocínio completo e coerente. O que acontece é que muitos professores são incapazes de formular raciocínios completos e coerentes. O que acontece é que o professor de exatas despreza as humanidades porque não enxerga nelas qualquer “funcionalidade”, qualquer “valor prático”. O que acontece é que o professor de humanidades despreza as exatas porque nunca conseguiu calcular aquela maldita hipotenusa. O que acontece é que ninguém sabe nada sobre coisa alguma.
Os alunos não aprenderão enquanto não houver uma reforma ou mesmo uma revolução no ensino. Os alunos não aprenderão enquanto os educadores não compreenderem que têm de ser mais flexíveis. Os alunos não aprenderão enquanto os educadores não se adequarem a eles, porque, sim, o sistema que precisa se adequar aos estudantes, não o contrário. Como fazer um adolescente entender e obedecer a uma disciplina, para os padrões dele, desgraçadamente rígida? Como pretender que um adolescente “fique quieto e aprenda” quando o que é ensinado, da forma como é ensinado, simplesmente não o interessa? Como pretender que um adolescente “fique quieto e aprenda” quando ele sequer pode escolher as disciplinas que mais lhe interessam? Com a desculpa de oferecer uma “formação ampla” aos estudantes, acabam oferecendo uma formação nula. Como pretender que um adolescente “fique quieto e aprenda”, por exemplo, geografia quando, no fim das contas, nem o professor de geografia compreende o que é que está ensinando e por quê?
O que temos hoje no sistema educacional em todo o mundo é uma cadeia de erros que perpetua a burrice, a apatia, o desinteresse. Uma cadeia de erros que forma milhares de profissionais especializadíssimos, mas - inacreditavelmente - despreparados. Uma cadeia de erros que está relegando ao abismo toda uma tradição cultural porque as pessoas não pensam mais, as pessoas não raciocinam mais, as pessoas não têm mais bases para pensar e para raciocinar, não têm mais bases para se situarem historicamente, filosoficamente. Como uma pessoa acéfala, amante das novelas e séries globais toscas que, não, não abordam a realidade cotidiana, mas uma idealização cretina da mesma, como uma pessoa assim pode ter subsídios para, por exemplo, apreciar a contento um material riquíssimo como a adaptação de A Pedra do Reino, na mesma Globo?
As pessoas vivem dispersas no vácuo, girando e girando pela eternidade afora, sem qualquer referência, divorciadas dos outros e de si mesmas, divorciadas até mesmo de Deus, posto que a idéia de Deus, como defende Baudrillard, perdeu-se em razão de simulacros e de rituais vazios, perdeu-se nos vãos da burocracia das religiões. No fundo, além de burros, somos todos ateus. E, não, as coisas não vão melhorar.

André de Leones
Orgulhosamente para o
Jornal A VOZ de Silvânia-Goiás