sexta-feira, 25 de março de 2011

MARIA DO HERMOGI


MARIA DO HERMOGE

Maria,
menina de pés descalços
sob seixos redondos, macios,
lavados pela água fria, transparente,
doce e calma
que cumpre seu caminho de longas
e vagarosas curvas.
Sinuosas e enfeitadas, pelo capim verdejante,
as flores do cerrado pequeninas e coloridas
como seus dentes miúdos raramente à vista.
Por perto, os galhos secos e tortuosos
são varais para secar a roupa branca e melodiosa,
pois foi lavada sob a harmonia sonora do seu canto
de menina do mato, pura como os pássaros,
leve como borboletas.
Cabelos esvoaçados, bacia na cintura
e os passos largos e rápidos, esbarrando
a saia nos arbustos que margeiam a estreita trilha
que significa todos os dias, sua rota, seu mundo.
Sol a pino, duas da tarde, fome de matar.
Ovo frito, arroz de carreteiro, farofa de couve
picada, fininha, quase como os cabelos verdes de Jurema.
Água fresca da bica agora sacia aquela cantora de dias e noites.
Este é o mundo de Maria, regado de bênçãos e rezas,
Sem brinquedos de menina.
À tarde, ela aprende a ler com a mãe e mestra.
As lições são as da bíblia, sua única cartilha.
Onde aprende com a outra Maria, não mais pura,
a receber visita de anjos, a ser boa menina, exemplar e iluminada.
Maria soletra, divide as sílabas,
como divide as horas, as tardes, a vida.
De noite, Maria dorme, e, criança, sonha com cajus, goiabas,
figos maduros e maracujás furados por pássaros, os mais docinhos.
Mas no sonho, engraçado, não tinham gosto de nada.
Colhe as flores do campo para enfeitar os cachos de sua cabeleira,
Farta, ondulada e até à cintura, como seu pai gostava.
E é só disso que Maria sabe, que Maria vive.
Sua felicidade é plena, é inteira, pois
Maria desconhece as agruras do mundo para além do cercado
ou depois do riozinho de avermelhadas águas.
Sua vida é doce e calma, como as nuvens, as lições do catecismo
e os sonhos catalogados em seu coração,
Um a um: de encontrar um príncipe, num cavalo branco,
ou de ser freira, para viver e morrer dentro daquele hábito lindo,
santificado, dedicado a Deus.
E assim ela cumpre seus dias repletos de cajus coloridos,
flores, estrelas e magias que inventa.
Seu sorriso raro são asas que voam rumo à felicidade,
a paz, a alegria
que faz Maria viver para sonhar...
sonhar... sonhar...
Marianamente e sempre.
Ave, Maria!

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