domingo, 20 de março de 2011

BRASIL, CARNAVAL, FUTEBOL, VAGABUNDOS E OUTROS HERÓIS


Desde muito antes de eu nascer, e olha que já faz um bom tempo, já se repetia a plenos pulmões que éramos o Pais do futuro. E que para alcançá-lo, precisávamos nos desenvolver, crescer, aprender coisas, preparando-nos, enfim, para uma outra posição, uma outra forma mais crítica e autêntica de ver o mundo e suas relações. Sendo mais sensíveis, mais persuasivos. E por que não dizer? Mais inteligentes. Contudo, à revelia de tantas escolas, universidades, institutos de pesquisa, ciência, tecnologias, bibliotecas, internet, etc. parece-me que estas são coisas que se negam a acontecer.
Quando nós, brasileiros, já passamos dos 500 anos do seu famigerado e mentiroso descobrimento – o que faz parte das estratégias de exploração da Europa burguesa sim, mas nem tão burra do Séc. XVI – ainda continuamos, a bem da verdade, os mesmos cidadãos simples, ingênuos e exploráveis como os nossos índios. Se bem, é claro, de uma forma muito mais sofisticada, abrangente e que beneficia aos de fora, à economia internacional, aos ditames do primeiro mundo, enquanto continuamos aqui a ver navios, sertões ou cerrados que desaparecem dia a dia para dar lugar à soja. A que se presta, principalmente à exportação e ao enriquecimento dos grandes capitais, num ciclo vicioso de exploração e miséria que ninguém vê ou dá o grito de basta!
Dizem que quando Cabral aqui chegou, com a sua quadrilha, fazia frio. Então, para agradar e conquistar nossos índios, ele passou a presenteá-los com grossas japonas, casacos e cobertores que fizeram a alegria dos nossos nativos. É uma pena, pois se fizesse calor seria ao contrário. Os índios é que tirariam as roupas dos portugueses e, como quem é agraciado por mim cumpre o meu desejo, teríamos catequizado toda a trupe de invasores e feito valer os nossos direitos, cultura e costumes. Alguns historiadores – os bonzinhos, simpáticos e medrosos – consideram este fenômeno como nossa saga, nossa má sorte. Mas acho isto uma grande covardia. Pois penso mesmo que se trata de algo muito bem pensado pelos portugueses, a quem nos acostumamos a chamar de burros. O que, mais uma vez abre as comportas para a exploração fácil e máxima que se dá até hoje. E depois, os burros são eles.
Mas, trazendo tudo isto para a atualidade, quando ainda não evoluímos intelectual e politicamente para entender a fundo o que se passa. Tais fenômenos se transportam para dentre muitos outros, para o carnaval e o futebol. E, segundo os princípios da moderna antropologia, quem tem um carnaval tão maravilhoso como o nosso e, ao mesmo tempo, um futebol tão exuberante, dificilmente terá tempo, chance e forma de se evoluir. E, claro, não é por acaso que o governo investe tanto nos dois. Criando sambódromos, financiando desfiles de escola de samba, bailes populares e promovendo torneios, olimpíadas internacionais, copas do mundo. E fazendo dos jogadores mitos extremos que acumulam fortunas mirabolantes em curtíssimos espaços de tempo, como se fossem, as celebridades mais importantes do mundo, muito contribuindo para que a vida melhore.
É que a ilusão da alegria extrema e efêmera, de ser rei ou rainha por um dia, de atravessar a avenida com esplendor dos deuses, apaga da alma o sentimento de dor, de carência, de miséria e de todos os males que nos atingem dia a dia. A cabala do prazer, do lúdico, do brilho frente aos milhões que nos assistem tem um poder psicológico absolutamente mágico que tudo apaga e tudo consome. Aí vem a competição, o desejo louco de ganhar, restando, apenas a magra iniciativa de começar tudo de novo para o ano que vem. E assim, sempre.Até que a vida se acabe é tudo é considerado como bom, justo e legal.
E o mesmo se dá com o futebol, quando vibro com aquele jogador meu parceiro, irmão, filho da mesma pátria e que, não raro, e por estratégia de uma mídia política escandalosamente criminosa, veio de baixo, saiu do morro, da favela, da fome e se torna neste mito extremo, rico, importante, a quem todos veneram com a densidade máxima. Como se seus feitos, seus gols resolvessem os problemas cruciais da comida, da habitação, da saúde, do lazer, do trabalho, da cidadania. De forma inconsciente, nós introjetamos a realidade deles, a parte boa das coisas e passamos pela lenda de sermos ricos, milionários, famosos torcedores, nos esquecendo que somos anônimos, sofridos e, muitas vezes considerados como vagabundos e marginais. Afinal, continuamos ainda sendo tolos demais, manipuláveis ao extremo.
E quando as duas coisas se juntam e o Ronaldinho Gaúcho dança desengonçado na Portela e exibe uns passos na Mangueira, levando as multidões ao delírio com aquela cara feia, aquela boca dentuça e aquele “samba” da pior qualidade? Tanto que é preciso renovar todo o quadro de segurança, alterar o cronograma de horários dos desfiles, trazerem pavilhões de soltados armados para garantir a segurança de quem, a bem da verdade, além de cínico, desonesto e esperto, nunca fez nada a não ser por ele mesmo, seu status, sua fortuna. Dizendo em todas as entrevistas que não joga por dinheiro, mas pelo prazer de jogar. Se achando o bom, o bacana, o máximo. E nós, o que é pior, ainda acreditamos.
E por osmose, elegemos para o Congresso Nacional Romários, Bebetos e tantos outros que estão na mesma linha do cinismo nacional. Que nos fizeram rir, chorar, sofrer e sonhar com vitórias e derrotas, que são transmitidas para dentro de nossos seres. Enquanto tudo continua do mesmo jeito, persistindo os mesmos males. Condenando-nos ao sofrimento, para continuarmos a mercê destes que são os ídolos do vazio, da negligência, da mentira, do nada.
Ah! Ia me esquecendo, elegemos também o Palhaço Tiririca. Mas pensando bem, palhaços por palhaços, nós elegemos muitos. Quase todos. Este, pelo menos, trás uma história de vida digna de pobreza, luta e de um ganha pão, senão de qualidade extrema, mas pelo menos honesto e divertido. Sendo, também, a cara de um Brasil semi-analfabeto, aniquilado, desdentado e pobre. Este talvez possa, de alguma forma, fazer a diferença. E por incrível que pareça, a eleição do Palhaço Tiririca pode ser, talvez, a prova contundente, ainda que aparentemente antagônica de que, mesmo sem querer, nós estamos começando a evoluir. O que, sem dúvida, já não era sem tempo.

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Antonio da Costa Neto

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