quinta-feira, 21 de agosto de 2008

PODE UMA EDUCAÇÃO NÃO SER POLÍTICA?


A Revista Veja, na sua edição semanal 2074 , de 20 de agosto de 2008, trouxe uma instigante e ao mesmo tempo terrível reportagem que defende o tempo todo que a escola e a educação devam ser politicamente neutras. Leia-se tecnicistas, inumanas, desrespeitosas em relação aos direitos das pessoas, ao alcance da cidadania das massas populares. Pois é o que uma "educação politicamente neutra" deseja fazer. Acho isto um duro golpe contra a vida. Pois se é a política e os políticos que tudo definem na sociedade, desde o preço do feijão e do aluguel, como retrata Brecht em seu analfabeto político. Como podem as pessoas aprenderem de forma politicamente neutra? Não ficariam assim alijadas do processo de decidir e das conseqüências diretas que levam para a vida? Formar sem política não é o mesmo que adestrar, mecanizar raciocínios, negar as vontades e incutir, enquanto "educa", uma certa moral escrava?
Sou pela visão de Paulo Freire, aliás, um vulto profundadamente desrespeitado na referida reportagem, por defender a idéia de ser, o ato educativo, eminentemente, político. O que entendo, deva ser, inclusive, tal postura, objeto suficiente para se processar a revista.
Vejo também como ultrapassada a visão contraditória de direita ou esquerda em que a matéria insiste. Algo que muitos nem sabem o que é. E, em última análise, apenas serve para abstrair a questão, esta sim, dos dominadores e dominados. Da elite e das massas oprimidas, dos que definem tudo dentro da esfera do poder. E dos que são, em tese, "educados" para cumprir sem questionar as decisões tomadas para privilegiar os poucos que as tomam, sob a própria ótica.
Educar as pessoas de forma politicamente neutra não é educar. É instruir, doutrinar, na linha de se varrer o lixo social para debaixo do tapete. Dando-se a impressão de que tudo está limpo e vai bem. Quando, na verdade, as agruras se acumulam e os sofrimentos cotidianos continuam a consumir a todos: pobres e ricos, trabalhadores e empregadores. Chegando-se ao caos, à astuta insustentabilidade de nossos dias.
Na dita reportagem há sim a defesa da educação neutra, o que significa educar pelos interesses dos que já dominam. Dos que têm em seu favor todos os instrumentos definidores de políticas, diretrizes e ações que garantem as suas benesses materiais e sociais no cotidiano das suas relações com o mundo. Há milênios de história da humanidade.
Pergunto: Devemos então educar as pessoas para que elas, politicamente neutras dêem continuidade ao mundo que aí está? Para que no futuro definam as políticas econômicas seculares que acabam por gerar o cinturão imenso de misérias em volta do Planeta, com a finalidade de garantir a ganância de pouquíssimos privilegiados? E o crime, não conta? E os revólveres nas cabeças de inocentes incautos nas drogarias da Ceilândia-DF, um ato que inaugura uma nova galeria de métodos de roubar, morrer e matar? Isto também não é fruto de uma "educação politicamente neutra?"
Existe uma citação de Saviani que diz que: "Não é possível ao educador permanecer neutro. Ou educa a serviço dos dominantes ou contra eles. Ou em favor das classes dominadas ou contra elas. Aquele que se diz neutro, estará apenas trabalhando em favor do mais forte, ou seja, da classe dominante. No centro portanto, da questão pedagógica situa-se a questão do poder." Isto de não se misturar política com educação faz parte de um discurso e de um movimento frenéticos para se manter os privilégios do capital, dos ricos, das elites. E já passamos muito do tempo de compreender que isto é o mais absoluto dos atrasos.
Creio que, ao invés de tender para a direita ou a esquerda, a escola não tem que negá-las. Mas atender e difundir ambas as tendências. Vivemos num tempo em que a diversidade de idéias é absolutamente importante no âmbito da formação das consciências. Num momento histórico em que os meios de comunicação de massa são extremamente difundidos em todos os ambientes e que a internet invade as nossas casas. Não há como sonegar ao jovem, ao adolescente, à criança e até ao adulto que estuda, qualquer tipo de informação, tendência, filosofia ou dinâmica do mundo. O aluno precisa sim, é de ter contato com tudo e ser orientado para optar pelo que for melhor para ele. Tomar partido, ser crítico e um agente em potencial na construção da sua própria história econômica, social, política, ética, espiritual, ecológica...
Claro que na matéria em pauta, a Revista Veja trás pontos realmente importantes e com os quais concordo. Mas faz parte da estratégia que os jornalistas tão bem aprendem nas faculdades de comunicação pouco escrupulosas, que os formam justamente para isso. Para saberem enganar com pose e classe. Para escreverem bem o que interessa aos ditames da economia internacional, dos grandes capitais, à revelia da dignidade humana, do ar respirável, da qualidade de vida.
Fiquei estarrecido quando, na própria matéria, soube que os pais se organizam para que a neutralidade da educação de fato, aconteça. A reportagem cita uma Ong de Brasília, denominada Escola sem Partidos que defende com unhas e dentes a neutralidade política da escola, sob o lema de que o papel da educação é o de explicar a matéria, difundir as teorias, organizar os ofícios. Ou seja, o indivíduo tem que aprender e de preferência, muito bem, a apertar o parafuso. Mas é proibido de saber o porque do parafuso. Qual a sua finalidade, e, principalmente, de descobrir métodos novos para apertá-lo como mais eficiência ou facilidade.
Pois, assim agindo, estaria descumprindo dogmas, ordens e vontades de um possível dono e senhor de todas as coisas. E, mais que isso, descobrindo maneiras sustentáveis de garantir o próprio bem-estar enquanto trabalha. E por esta ótica canalha, não podemos ter trabalhadores felizes que irão, logicamente reivindicar a felicidade extra mundo do trabalho. Realmente, é de chorar ouvir ainda falar destas coisas em pleno Século XXI. De onde conclui-se que a humanidade está mesmo perdida. E o que é pior, em todos os sentidos.
As jornalistas da Veja, responsáveis pela matéria, têm o desplante de fazerem a seguinte afirmação sobre Paulo Freire, que aqui compilo com todas as letras, para que não pairem dúvidas: "...as escolas idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização..."
Ora, eu pediria ao leitor que fixe vagarosamente palavra por palavra a partir das aspas aqui citadas. Reflita comigo se não é mais que motivo para colocarmos os responsáveis por esta reportagem no fundo da cadeia? É o mais astuto dos absurdos, para o qual, espero da classe dos educadores deste País um mínimo de vergonha na cara e que não deixe passar impune. Pois se isto acontecer, tenho que concordar com a Veja quando cita veementemente a absoluta barbárie que é a qualidade da educação no Brasil. Uma tarefa, segundo a revista, feita por incompetentes, despreparados e sem a menor condição para exercê-la. Pois esta, foi uma provocação muito além do limite aceitável. Trata-se de um desrespeito aviltante e sem perdão.
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Antonio da Costa Neto
Professor - Pesquisador - Conferencista em Educação.

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