sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A ÁGUIA QUE QUASE VIROU GALINHA




Rubem Alves

A idéia desta história não é minha. Meu é só o jeito de contar. Sobre uma águia que foi criada num galinheiro e foi aprendendo sobre o jeito galináceo de ser, de botar ovos, de ciscar a terra, de comer milho, de dormir em poleiros. E como todo aprendizado exige um esquecimento, ela desaprendeu o vôo nas alturas, o ar puro da montanha, a vista se perdendo no horizonte, o doce sentimento de liberdade... E como ninguém lhe falasse sobre estas coisas e todas as galinhas cacarejassem os mesmos catecismos, ela acabou por acreditar que não passava de uma galinha com perturbação hormonal. Tudo grande demais. Aquele bico curvo, sinal certo de acromegalia e desejava muito que o seu cocô tivesse o mesmo cheiro certo do cocô das galinhas.
Um dia passou por lá um homem que vivera nas montanhas e viu o vôo orgulhoso das águias.
- O que faz você aqui? Ele perguntou.
- Este é o meu lugar, ela respondeu. Todo o mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros, ciscam o chão, botam ovos e finalmente viram canja. Nada se perde, tudo se transforma, utilidade total.
- Mas você não é galinha, ele disse. É uma águia!
- De jeito nenhum. Eu nem sequer voar sei. Pra dizer a verdade, nem quero. A altura me dá vertigem. É mais seguro ir andando passo a passo.
E não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Até que o homem não mais agüentando aquela coisa triste de uma águia transformada em galinha, agarrou a águia à força e a levou até o alto de uma montanha, atirando-a bruscamente lá de cima do abismo. A pobre água começou a cacarejar de terror, voando rasteira em bruscos zig-zags. Mas depois, pouco a pouco, com tranqüila dignidade, esticou o pescoço para cima e para frente e começou a plainar bela, confiante e cada vez mais alto, até fundir-se no azul do firmamento. Aí ela compreendeu enfim que seu nome não era galinha, mas águia.
Esta história foi escrita na África, um profeta dizendo aos seus seguidores:
- Vejam a que estado os brancos nos reduziram, águias que andam como galinhas. É preciso aprender a voar de novo.
Mas eu senti que era muito mais que isso. E comecei a ver por todos os lados, águias exploradas e humilhadas, felizes por ciscar a terra e comer milho. E nesta coisa que chamam lar, de chinelo, de pijamas, bob na cabeça e os mesmos cacarejos milharescos longe do ar frio das montanhas. Também as escolas que se especializaram nesta curiosa metamorfose de transformar as águias em galinhas para que nunca falte canja.
E os pais se rejubilam quando a magia chega ao fim. E as águias solitárias que são sempre perigosas e imprevisíveis recebem seus diplomas galináceos. Agora são iguais como todos os demais. Podem arranjar seus empregos, botar seus ovos e chocar seus filhos até o glorioso momento de serem transformadas em canja.
...E as águias acabam por perceber que o seu tempo já passou.
E-mail: antoniocneto@terra.com.br


6 comentários:

Anônimo disse...

Eu achei muito interessante essa historia1
Moral Da Historia:Nunca tente ser o que ou alguem que você não é!!

Anônimo disse...

Tem muito mais por tras dessa historia, as vezes convivemos com pessoas que tem atitudes de galinha, mas somos aguias e acabamos nos contaminando com suas atitudes e somos influenciados a termos atitudes de galinhas como elas, aí alguém vem e nos alerta e nos lembra de onde nos viemos, de Deus é claro, então somos aguias...

Anônimo disse...

Olá, Prof. Antonio!
Fiquei encantada com esta crônica do Rubem Alves!
Na mesma linha, ele também escreveu "O aluno perfeito" (http://www.historianews.org/2011/03/textos-historicos-cronicas.html) que eu -- como estudante de Pedagogia -- sou apaixonada pela crítica dele à essa educação baseada na memorização.
Ambos os textos tem esse elemento freiriano da busca pra se libertar da opressão.
Uma lição de vida que deve ser reaprendida a cada dia. Afinal, como diria Paulo Freire, somos seres em constante processo de aprendizado.
Parabéns pelo blog!
Um grande abraço,
Kátia
São Paulo / SP

Anônimo disse...

adorei esse resumo seu obg isso me ajudou muito ta!!!

Anônimo disse...

adorei esse texto que vc publicou aqui na nete amei me ajundou muito!!!

Anônimo disse...

Na verdade a aguia e a galinha é do autor leonardo Boff.