terça-feira, 1 de março de 2011

D. LUIZA MESTRE




Impossível listar três ou quatro alegrias da infância
sem esbarrar em D. Luiza Mestre.
Negra bonita, altiva, magrinha, delgada, fidalga mesmo.
Com suas canelas finas, compridas que não acabavam mais.
Era a última da geração das paneleiras,
desde sua bisavó, avó, mãe, irmãs
todas as mulheres da família eram feitas do barro
e dele faziam a vida.
E com ela, grandes panelas, bacias, tigelas, canecas...
Tinha uma boca carnuda, típica.
Sua cara enfeitada com grossos brincos
que faziam par com o colar de ouro, de contas, longo, com
duas voltas naquele pescoço maravilhoso de girafa.
D. Luiza Mestre, lá de Silvânia, morava na mesma casa
onde ainda hoje, mora D. Santa...
Esta casa tem é sorte...
é por isso que eu sempre gostei de ir lá.
Pra comer o bolo de fubá fofinho que ela me dava.
Sempre com seu casaquinho e o turbante
na cabeça que nunca envelheciam,
durante décadas.
E só agora que eu fui desconfiar que ela os refazia
e com isto enganava todo o mundo.
Gastei cinquenta anos para descobrir isso.
Quando eu passava na rua e ela na janela
já ria desconfiada com o canto da boca
sabendo que ia me agradar com doces,
mangas, limas-de-bico ou laranjas-cravas.
(ela dizia).
D. Luiza Mestre tinha uma jabuti mais velha do que ela,
de quem pintava as unhas de vermelho.
Rezava de noite a Ave Maria
e ficava esperando que Brazuca,
respondesse a parte final.
E não é que ela respondia? Hum!
A sua dona até já conhecia a voz da bichinha.
Depois do terço bem rezado, ela embrulhava
a Brazuca num pano colorido e a colocava
do lado da cama, debaixo do seu cobertor.
E as duas dormiam juntas, num amor divino,
sonhando os mesmos sonhos que uma contava pra outra
na manhã seguinte.
Eu gostava de passar na casa dela depois das seis da tarde,
pois, sempre, ela estava no seu escalda-pé
de água quente, sem o quê não dormia um minuto.
O que era mesmo uma bela mania.
Aí, eu sozinho no quintal,
jogava as limas e laranjas para meus amigos na rua.
Eles não iam na casa de D. Luiza,
porque eu, esperto, menti pra eles que ela comia crianças.
(Mas era pra eu sozinho ficar
com as laranjas, as limas, os doces, os bolos).
Não era atôa que eu era discípulo de D. Luiza Mestre,
pra deixar de ser bobo e a dar meus golpes benígnos.
Que saudade!
Quando D. Luiza Mestre morreu, naquela tarde ardida de agosto,
D. Maria do Valdemar que tomou conta de tudo,
arrumou caixão, pagou a missa e tomou todas as providências.
Depois do enterro, ela limpou a casa sozinha.
Trancou a porta, suspirou fundo e levou a Brazuca pra casa,
que foi, debaixo do braço, de pescoço comprido e desconfiada.
E está lá até hoje, mesmo sem rezar terço
e ter a quem contar seus sonhos.
Pois, D. Maria não é mulher de coisas assim.
Só para bondades outras.
E por isso, ela ensinou com maestria à Brazuca,
a enganar a morte e fazer como fez:
viver mais de um século fazendo felicidades.
Ela ensinava a não morrer.
E como D. Luiza Mestre, no meu coração,
ela está viva hoje e para sempre.
___________

(Antonio da Costa Neto)


2 comentários:

Maria Stela Lecocq Muller disse...

Olá Antonio!

Nossa... adorei seu blog!!
Amei ler sobre D. Luiza Mestre... são pessoas assim que fazem de nossa vida algo muito especial!
Gostaria de tê-la conhecido... assim como meu pai, com toda certeza! Afinal, ele amava pessoas como ela... e tambem amava quitutes! rsrs

Vou colocar o link no meu blog.

Abraços,

Stela

Lígia Moura disse...

Não conheci D. Luiza, mas conheci Tereza do Pau............serve? De Mestre só seu Zé, rsrs bjs e saudades de tu!