sexta-feira, 30 de abril de 2010

A AVALIAÇÃO NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM




Antonio da Costa Neto


“A avaliação deve ser um processo rumo ao
crescimento, e, não, à estagnação.”

(Demerval Saviani)


De todos os aspectos que envolvem os processos formais ou mesmo informais de ensinar e de aprender – aí entendendo a complexidade do educar – sem dúvida, a avaliação sempre foi um dos pontos mais nevrálgicos. Isto, em todos os segmentos do que podemos identificar como a história da evolução da educação. Seus instrumentos, formas e táticas no sentido de fazê-la acontecer, de fato na prática, no cotidiano das pessoas. Claro que aí não se resume todo o contexto dos problemas da educação. Temos muitos outros, vários e diversificados, mas há um consenso entre boa parte dos grandes pensadores da área de que é justamente na avaliação, por seu caráter eminentemente político e intersubjetivo é que se encontram os maiores problemas, e, por conseguinte, a dificuldade de se vislumbrar soluções válidas e eficientes no sentido de resolvê-los ou superá-los no cômputo da evolução do mesmo processo.
Dentro de um contexto teórico, podemos levar em consideração desde, por exemplo as concepções clássicas de Bordieu & Passeron (1975), que tratam da questão por um foco político-ideológico, passando igualmente pelas abordagens psicológicas e operacionais de Wallon (1988); Vygotsky (1984); Gatti (2007); Garrido Pimenta (2008); Candau (1984) e Hoffmann (2003); dentre outros que trazem os mais diversificados aspectos sobre o tema da avaliação dentro da educação brasileira.
Assim refletindo, se fizermos uma análise, ainda que simplificada dos processos evolutivos da educação no Brasil, desde os jesuítas, passando pela pedagogia tradicional, a escola nova, a educação tecnológica, e até mesmo, dentro das tendências humanísticas, consideradas mais avançadas como as de Freire (1989); a teoria crítico-social dos conteúdos; as concepções e tendências libertária e libertadora, passando pela escola construtivista de Ferreiro (2005) e outros, chegando aos nossos dias, parece-me que não temos muito a comemorar em termos do crescimento da avaliação. Que, em meio a pequenos avanços e ajustes técnicos e metodológicos, demonstra trafegar no senso comum, do quase nada inovador, dando, infelizmente, mostras de uma grande estagnação no campo das ideias que a compõem, tanto na teoria, quanto na prática.
A avaliação nos processos educacionais quase sempre se pautou por ser um mecanismo estanque, segregador, e, quando não, punitivo. Dentro de uma concepção pedagógica instrumentalista que rejeita o processo e busca, de forma veemente, apenas o resultado. Fundamentando-se numa abordagem social voltada para o atendimento cego, da hoje ultrapassada dinâmica do crescimento industrial puro com o que se regozijava a economia do País nas décadas de 50 a 70 do Século XX, mais precisamente.
Há uma linha de pensadores que defende a ideia de que a educação, enquanto processo político e prática social, atua, ainda que de forma inconsciente também para dificultar o desabrochar crítico da pessoas. E se isto é verdade, certamente é nas formas de avaliar que residem esta essência. Pois aí mora justamente o referencial de cobranças, punições, culpas, repressões, e, por que não, dores e sofrimentos que vão, ao longo dos anos, meio que moldando o cidadão, para que ele se encaixe nestes mesmos processos de forma menos consciente e menos dolorida. Deixando as brechas para a exploração fácil, a extorção econômica pelo trabalho ou pelo consumo, e, assim por diante.
Desta feita, o antigo modelo aula/prova (antigo sim, na teoria, mas atualíssimo na prática, infelizmente) peca basicamente por separar, segregar a indução da dedução, cerceando aí, de cara, a realização do verdadeiro aprendizado.
Pois a moderna psicologia da educação nos explica que, se fragmentarmos - separarmos - a indução – do particular para o geral, quando o professor ensina, fundamenta sua teoria, explica, comanda, induz ideias; distanciando-a no mesmo processo da dedução. Ou seja, do geral para o particular, quando os muitos alunos retornam para um único professor o que entenderam, o que concluíram. E como vão (ou não) se utilizarem socialmente do que aprenderam – assim, o máximo que podemos chegar é a um processo de treinamento adestrante, com vistas a resultados parciais, distintos e estanques. O que está a anos-luz de distância do que poderíamos, de alguma forma, definir como educação. O que é muito mais amplo, volátil e complexo, e, por incrível que pareça, ainda dentro de nossa extrema ingenuidade política, na maioria das vezes, nós acreditamos que já estamos fazendo.
Neste sentido, a Universidade de São Paulo – USP, no final da década de 90 realizou um experimento interessante. Ela, por meio de Departamento de Avaliação Educacional da sua Faculdade de Educação, convocou cerca de 80 ex-candidatos que acabavam de ser até os terceiros colocados nos vestibulares das maiores Universidades do país e dos cursos com o maior grau de concorrência. O que exigia, logicamente, um desempenho excepcionalmente acima da média, para responderem, dias depois, a mesma prova do vestibular em que muitos conseguiram a nota máxima, quando não, resultados espetaculares em função do grau de cada uma das aprovações e classificações finais.
O Jornal A Folha de São Paulo da época, publicou o espantoso resultado desta pesquisa, mostrando que a quase totalidade dos alunos, ou sejam 96,2% destes, acertaram bem menos da metade de todas as questões. O que levaria à reprovação de muitos deles, caso o resultado fosse considerado como oficial. Ou seja, a condução específica dos objetivos e resultados do aprendizado, sendo a aprovação, a nota ou a prova desobriga, inconscientemente a pessoa a ter o domínio do supostamente aprendido dentro do contexto anterior. Seca, desnutre, nega todo o processo e a necessidade de se aprender para a vida, para uma aplicação posterior rumo ao crescimento, a melhoras teóricas ou práticas. Fica no ar algumas perguntas: Vale o sofrimento, o esforço, o infinito gasto para apenas desenhar na prova do vestibular ou do concurso os subterfúgios de um conhecimento raso, superficial, quase inexistente? Deve a escola continuar sendo este laboratório de mentira, de figuração da aparência e de um aprendizado de faz de conta, apenas para o cumprimento de razões burocráticas claras? Não constituiria tal processo numa imensa vergonha num país que vive justamente rebatendo a tecla da importância da educação? Onde estão os recursos do MEC, seus técnicos regiamente pagos e que não enxergam este descalabro total?
Nunca se educou e nem se educa para a vida, mas para as razões cartoriais das instituições de ensino, os ícones administrativos frente aos rigores da administração da escola e que não levam a absolutamente nada na ordem das coisas, ou dos fins reais da educação. E isto não constitui um crime social que se configura no medo de que afinal o pobre, o trabalhador, o eleitor incauto aprenda, entenda, revide e cobre o que é o seu mais absoluto direito?
Outro aspecto importante a considerar é o que diz respeito ao mero e simples “ensinar/aprender” e o complexo e infinito “educar”, que são fenômenos bem distintos dentro de um mesmo tema quando tratado, como aqui, em proporções mais amplas. O que de fato queremos? Se a questão é de apenas instruir, ensinar, levar o indivíduo a reproduzir o saber, então já estamos no caminho certo. Pois é o que já acontece nas nossas escolas, aliás, com especial eficiência e que independe de uma múltipla série de critérios e aspectos. É uma tarefa simples como arregimentar macacos ou programar robôs para tarefas simples, superficiais, repetitivas e inconscientes, o que é até muito fácil de se fazer e, portanto, nem precisa ser bem pago. Daí, talvez a eterna e polêmica discussão sobre os salários dos profissionais da educação, e, sobretudo, dos professores.
Mas, se o que queremos é educar, abordando o sentido político, a ótica, o contexto, a formação ética, crítica e estética, dentre outras, haveremos, em avaliação deste processo e nos demais campos que o compõem, de dar saltos e vôos bem mais altos.
Os processos de avaliar no ensino, na aprendizagem, e, finalmente, na educação em seus métodos quantitativos – avaliação somativa, formativa ou diagnóstica – que visa a análise da reprodução do conteúdo ou dos raciocínios anteriormente explicados. Ou mesmo a avaliação qualitativa – no processo, iluminativa, emancipadora, auto-avaliação – que vai além do reproduzir. E referenda posturas e opções transformadoras entre o que se aprende e o que se aplica na melhoria deste mesmo fazer, em si, e frente às complexidades e exigências atuais, são ainda muito pouco eficientes.
É preciso, inicialmente, para se revigorar este processo que os educadores entendam e percebam o referencial de poder e dos possíveis jogos manipuladores que se escondem por trás de cada uma delas. Pois se a educação formal existe para, inclusive, aniquilar o senso político das pessoas, é, sem dúvida, na avaliação que tal segmento, aliás, como já dissemos, se manifesta de forma facilmente oculta e produzindo os maiores traumas e escárnios intelectuais não perceptivos a muitos. O que, na verdade, constitui o maior de todos os seus problemas, talvez o único.
Depois, faz parte de um passado longínquo – embora grande parte dos professores não saibam disso – o tempo em que o único meio de avaliar eram aquelas maquiavélicas e extensas provas, por vezes, segregadoras e punitivas ao extremo. Que nada mais ‘eram’ do que um meio de caça-ideologia do aluno.
Ou seja, se – eu – o professor, a autoridade máxima e central, o dono absoluto do conhecimento disse isto na aula. Ou referendei aquilo no livro ou no texto utilizados para ilustrarem o seu contexto – então você, um simples aluno, como integrante de uma massa amorfa não poderá fugir um mínimo que seja de tais propósitos, afirmações e circunstâncias.
E parece-me que é assim que historicamente se construíram os guetos famigerados de poder, as oligarquias nazi-fascistas em volta do mundo. Perpetuando a exploração do homem pelo homem, o caos, a miséria, a fome e todos os males sociais, ainda hoje, vivos e presentes no mundo contemporâneo. Mas os educadores e educandos parecem gostar de continuarem cegos e incapazes de fazer uma ligação intelectual qualquer entre este conjunto de coisas. O que é uma grande pena, uma enorme perda de tempo, enquanto a humanidade sofre e se despedaça a cada dia.
Entendo que para se tentar buscar soluções para os problemas da avaliação no processo ensino/aprendizagem é preciso agrupar – e por uma ótica radicalmente nova – aspectos qualitativos e quantitativos outros. Avaliando sim com provas, o que nunca foi absolutamente proibitivo. Mas não só com elas – e que também não sejam tão maquiavélicas e punitivas como, no geral, têm sido. Que incluam atividades práticas, intervenção social, ludicidade, artes, debates, seminários, psico e sóciodramas, feiras, mostras, auto-avaliação e infinitas modalidades de se avaliar o que se ensina, o que se aprende e a que distância estamos do fenômeno máximo que é o de educar as pessoas. E o infinitamente mais importante, saber o para que, para quem, contra o que e contra quem se ensina, se aprende e se tenta educar e avaliar tais processos nas escolas e demais instituições congêneres.
Hoje em dia há uma linha de pensadores da educação, dentre os quais De Gregori (2003); Carvalho de Oliveira (1998); Cândida Moraes (2000); Soriano de Alencar (1983); Victor Paro (1986) e muitos outros que advogam, em síntese que o papel central da avaliação no processo ensino/aprendizagem consiste em tornar simultâneas e não, fragmentadas, a indução e a dedução. Criando assim, na própria lógica, espaços para a argumentação, a sistematização do novo saber. E a conclusão – íntima, interior e sempre mutante – sobre o aprendizado, a reflexão crítica sobre ele. E, enfim, a opção – ou não – pelo seu concreto uso posterior no meio social.
Com o quê, além de avaliar apenas resultados, estaremos, igualmente, avaliando os processos e ainda a avaliação estará sendo dual e não mais, parcial como tem sido. Ou seja, estaremos avaliando, ao mesmo tempo e no processo, o professor que ensina e o aluno que aprende. Pois, por esta ótica, bons processos levam, necessariamente a bons resultados e a recíproca também é verdadeira. Se houve, portanto, um bom ensino, considerando complexidades, momentos, ritmos, estilos, dinâmica psicossocial e não só, procedimentos técnicos, como o que comumente acontece, o bom aprendizado será quase uma garantia.
Mas, tal como geralmente funciona, a avaliação nos processos ensino/aprendizagem - talvez de propósito – neutraliza, não considera – e meio que protege o professor, quem ensina, quem comanda, deixando por baixo um ranço de culpa, de má vontade, de indolência, de preguiça, só do aluno. Com o que, com a maior eficiência se reproduz subliminarmente o jogo, a política da exploração de muitos (representados pelos "vários alunos omissos, preguiçosos e irresponsáveis"). Garantindo, assim, como simples e natural os privilégios de poucos (representados pelo único professor que comanda, sendo, portanto, naquele momento, o maior responsável pela eficiência do processo), o que é a síntese de todo o caos e dos grandes problemas do mundo e da vida moderna, seus tormentos e horrores em volta do planeta.
Se apurarmos antigas e novas proposições, estudos, experimentos, pesquisas e tratados feitos sobre a avaliação nos processos ensino/aprendizagem, vamos entender que a sua problemática não é mais tão técnica. Mas, especialmente, política, humana e social. Ao invés de dissimular meios de segregar, vigiar e punir, a avaliação deverá facilitar, promover, beneficiar processos e pessoas que ensinam e que aprendem, conduzindo juntas o fenômeno do educar.
Pois, avaliar deve significar procedimentos rumo a melhorias e não, para a estagnação de processos que punem, segregam e que continuam aí, os mesmos, há séculos .A moderna avaliação da educação deve começar por entender uma concepção ampla de “ensinagem”, num único bloco, e, não mais, ensino - e - aprendizagem, que separa e torna estanque uma coisa da outra, o que tem sido um dificultador bastante grande.
Deve articular métodos, formas e concepções que sejam qualitativa e quantitativamente aceitas, harmônicas e complementares. Avaliando no processo e com muitas formas, meios e recursos. Não mais, tornando o aluno um objeto, um recipiente onde se guarda o saber e ele ali fica por muito pouco tempo – como uma pequena estátua de gelo exposta ao causticante sol do alto verão tropical. Mas fazer de quem ensina e também de quem aprende, sujeitos mediadores de uma mesma sintonia autêntica de trocas e crescimentos múltiplos. Fundamentar a epistemologia própria de cada fase, idade, época, história, pessoa. Para que a educação e a escola, o ensinar e o aprender não sejam, meramente, a condução de saberes prontos e acabados. Conhecimentos mitizados por uma estrutura de poder em crise e que faz do ensinar e do aprender, ainda que, a princípio, de forma inconsciente, um subterfúgio, da legitimação do caos.
Avaliar para facilitar os passos da educação que muito bem rezam a LDB, os PCNs, os Projetos Político-Pedagógicos, e, por fim, os planos de ensino de cada componente curricular, de cada professor. Ou seja, ensinar, aprender, em síntese, educar para melhorar a concepção, os valores, a cultura das pessoas. Que, por sua vez, irão atuar para melhorarem suas relações, os ambientes em que vivem, as suas próprias e a vida humana em sociedade. Avaliar, enfim, processos de ensinar e de aprender para diagnosticarmos, finalmente, em que ponto estamos de distância deste magnífico processo que é o de educar os seres humanos no mundo.

Bibliografia Consultada:

ALENCAR, Eunice Soriano de. Psicologia: os princípios básicos do comportamento. Petrópolis: Vozes, 1983.
BORDIEU, P. & PASSERRON, J. C. A reprodução: elementos para a teoria de um sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1 975.
CANDAU, Vera Maria. A didática em questão. Petrópolis: Vozes, 1984.
CARVALHO DE OLIVEIRA, Colandi. Psicologia da ensinagem: processos das relações professor/aluno. Goiânia: Kelps, 1 998.
DE GREGORI, Waldemar. A construção dos três cérebros pela família e pela escola. Belo Horizonte: Luzazul, 2003.
FERREIRO, Emília. Memória da pedagogia. Cidade do México: Duetto Educacional, 2005.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1 989.
GATTI, Bernadette. Construindo caminhos para o sucesso escolar. São Paulo: Unesco no Brasil, 2007.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção. Porto Alegre: Mediadora, 2003.
PARO, Victor. Administração da educação: uma introdução crítica. Petrópolis: Vozes, 1986.
PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2008.
SAVIANI, D. Educação brasileira: estrutura e sistema. São Paulo: Saraiva, 1 978.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP. Pesquisa para identificação da validade avaliativa nos processos de aprendizagem no ensino médio e na preparação para o vestibular. Departamento de Fundamentos da Avaliação Educacional da Faculdade de Educação: São Paulo, 1 998.
VYGOSTYKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
WALLON, H. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1 988.

Nenhum comentário: