terça-feira, 23 de outubro de 2007

FILHOS NÃO SÃO NOSSA IMAGEM E SEMELHANÇA


Madre Teresa de Calcutá ensinava que quem julga as pessoas não tem tempo para amá-las, o que acontece também com os pais, quando exigem que os filhos lhes sejam a imagem e semelhança. Nossos filhos não são iguais nem entre eles mesmos, quanto mais entre eles e nós. Deus, o Pai Celestial, que cria todos os seres e todas as coisas, é o Artista Maior, que não fabrica clones ou cópias. Ele não adota produção em série, só realiza originais, criações únicas, inigualáveis. Em todo o Universo, não se encontram dois grãos de areia, duas plantas, dois animais, duas moléculas, dois átomos ou duas de suas partículas exatamente semelhantes.

Para o pai amar seus filhos, é essencial aceitá-los como são, ajudando-os adesenvolver seu lado positivo e a se livrar de seus aspectos negativos, porque aperfeição ainda não é deste mundo, onde encarnam apenas homens e não existemanjos. Petit Senna achava que os filhos se tornam para os pais, segundo aeducação querecebem, uma recompensa ou um castigo. As exceções dessa regra são numerosas, porque conhecemos pais que se sacrificam pelos filhos e deles recebem asformas mais amargas da ingratidão.

Gibran Khalil Gibran nos chama a atenção para uma grande verdade: nossos filhos não são nossos filhos. Nossos filhos são setas que atiramos ao mundo. Podemos apontá-las, mas não as controlar em seu vôo para o infinito.

- Fulano é a cara do pai - dizem os amigos. Se os pais criam o corpo físico dos filhos, dentro das leis da genética, transmitindo-lhes caracteres físicos, quem cria espíritos é Deus, e somenteDeus. Corpo é matéria perecível, espírito é imortal. Nossos filhos são espíritos antigos, que já tiveram incontáveis existências. Os mais velhos espiritualmente são os melhores, mais sofridos e mais experientes. Os espíritos mais novos são os filhos que erram mais, requerendo maior paciência e dedicação dos pais. Há filhos melhores do que os pais, por terem mais experiência como espíritos. Num lar encarnam espíritos amigos einimigos. Os amigos, no aconchego do afeto paterno e materno, ampliam o amor que já os une. Uma das principais finalidades da família é transformar, neste mundo, em amigos, espíritos inimigos, de outras reencarnações. Os parentes difíceis são os mais úteis, colocados por Deus junto de nós, para nosso próprio benefício, ministrando-nos paciência.

Assumir compromissos na paternidade e na maternidade constitui engrandecimento do espírito, ante o caráter divino da chegada do novo ser. A Terra, na relação dos mundos, ainda é muito atrasada, local de expiação e provas, daí porque abriga percentual elevado de pais que não compreendem ao que vieram. Então, desertam e barganham deveres por ilusões. Todo filho é obra preciosa, queDeus nos envia em confiança, solicitando-nos dedicação sem limites, nos caminhos do bem.

Escrevendo aos Efésios, recomendou Paulo de Tarso: "Vós, pais, não provoqueis a ira a vossos filhos". Existem pais que apenas procriam, fugindo à responsabilidade. Não compete aos filhos julgá-los. Na dinâmica da vida, mais cedo ou mais tarde, colhemos exatamente o que semeamos. Antes de Jesus, era muito difícil entender Deus e paternidade. O Deus do VelhoTestamento, na descrição de Moisés e dos outros profetas, mesmo sendo infalível, vacilava em determinadas circunstâncias, quando então se arrependia de haver criado o homem. Fazia chover fogo do céu sobre os inimigos, enviava sete pragas- que se contarmos com o que está narrado na Bíblia eram 10 - sobre osegípcios. Entre tantos povos da Terra, seu povo era somente os hebreus, que o chamavam de Senhor dos Exércitos.
Aí vem o Cristo, chamando de Pai a Deus e, a si próprio, de Filho doHomem, nosso irmão. O Pai não é só dele, é nosso. Ele faz chover leite e mel sobre bons e maus e o sol nascer sobre justos e injustos. Pacientemente, aguarda a volta do filho pródigo, a quem em momento algum condena. Na mais linda história de amor de todos os tempos, o reencontro não se dá em casa, com exigências do orgulho e humilhações para o moço desvalido. O pai corre e a abraçá-lo ainda na estrada, movido de íntima compaixão, enlaçando-lhe o pescoço e o beijando ternamente.

- "Pai, pequei contra o céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho. Faze-me como um de teus empregados" - é o desabafo do jovem. E o pai não lhe exige pedidos de perdão nem penitência, não impõecondições. Estende-lhe os braços simplesmente e o levanta, apertando-o no peito para que ouvisse a voz ansiosa do coração paterno. Ao irmão que não fora embora mas estava enciumado, que chega e reclama, o pai repassa o motivo de tamanho regozijo:

-"Filho, tu sempre estás comigo e todas as minhas coisas são tuas. Portanto, é justo que nos alegremos juntos, porque este teu irmão era morto e reviveu, estava perdido e foi achado." Haverá lição maior de paternidade? Não somos todos nós filhos pródigos, desgarrados, retornando à casa do Pai?

Jávier Godinho

Publicado no Diário da Manhã de 3/10/2007/Goiânia-GO

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