sábado, 4 de junho de 2011

ENGRAÇADO, OS EDUCADORES...

Comecemos falando de um grande consenso e de uma dúvida maior ainda. O consenso é de que prescindimos de uma educação de qualidade. Ou melhor dizendo, de ótima qualidade. Isto é, que seja capaz de desenvolver o potencial humano brasileiro para enfrentar os seus muitos dilemas e crises. Tentar, com sabedoria e serenidade solucionar os problemas e conflitos, cuja gravidade se acirra a cada dia, a cada momento. Tudo mais que óbvio e faz parte de um discurso uníssono, há, no mínimo, algumas décadas, dentro das universidades, das instituições, do governo, enfim, de todos os segmentos da dita sociedade civil organizada, especialmente, envolvida com a educação das pessoas.

Mas, paralela a tudo isto vem a grande dúvida, a que incomoda profundamente. Atordoa pensadores, pessoas comuns, pais, alunos, autoridades, comunidades educacionais. E que pode ser sintetizada nas seguintes perguntas que insistem em não se calar: O que é, afinal e como se processa uma educação de qualidade para o povo do Brasil? Onde estaria o nó, o engano? Qual é a educação de que precisamos?

Seria esta que aí está? Que é realizada formalmente em nossas escolas, que, aos milhares, funcionam diuturnamente? Cumprem horários, obedecem currículos, formalizam disciplinas, aplicam provas, dão notas e obedecem, por sinal, muito bem, todas as suas funções cartoriais? Aliás, seria feita de questões cartoriais como preencher fichas, compilar diários sem erros, borrões e marcas, cumprimento de horários, de grades curriculares, indução à disciplina, uma educação que poderia ser classificada como sendo de boa qualidade, como querem os gestores, as autoridades, os professores, os estudiosos da educação de um modo geral

Posso estar errado, como sempre me acusam, mas pra mim, pelo menos, está, se não tudo, quase tudo muito errado. E ainda estamos por começar a realizar a educação de qualidade que é o sonho de todos, mas que ainda não conseguiu superar os discursos, sempre bonitos, mas igualmente, cheios de lacunas, inconsistências e ignorâncias outras. Que começam, logicamente, com o frágil pensar e o fazer político em que se desdobram tais ações, serviços ou desserviços que a nossa educação e nossas escolas prestam à sociedade brasileira, sem, pelo menos, se dar conta do que faz.

É possível, sinceramente, se pensar em educação de qualidade quando, por exemplo, os professores de português insistem em ensinar às crianças pobres - especialmente - que uma palavra é oxítona ou o que o valha, porque a sua sílaba pronunciada com mais força vem antes do começo ou do fim? O que tem isto haver com a ordem das coisas? Vai ajudar em que na estrutura do pensamento e na construção dos discursos que necessitam para suplantar suas necessidades? Estes professores se preocupam tanto em listar com perfeição a complexa conjugação dos verbos, suas regularidades ou não, procurar o sujeito, o predicado, os objetos, classificar frases, orações e períodos. Quando, no final de tudo, depois de tanto sofrimento, os alunos exaustos desta inquieta repetitória, não conseguem, se quer, formular um pensamento completo ou desdobrar a retórica dos "não menos famosos paloccis", capazes, por sua vez, de nos assaltar em nome das santas ações do governo, etc. Isto pode fazer parte de uma educação de qualidade frente à realidade brasileira que tanto carece de entendimento como forma de luta, coerção e exigências de dignidade para se viver em paz?

Podemos estar educando com qualidade quando quem ensina matemática faz de tudo para infernizar o raciocínio das crianças e dos adolescentes para percorrem os tortuosos labirintos para se descobrir os valores incógnitos de equações infinitas que não levam a nada? E as potências, os radicais, os números relativos, as equações trigonométricas? Não seriam colocadas a propósito nos espaços mentais onde deveriam estar os referenciais da crítica, da política e da ação transformadora do que nos incomoda e nos mata a cada dia?

Finalizando a lista e os professores de arte? Que ensinam a fazer lacinhos, panos de pratos, colagens e dobraduras, sem, no mínimo, agregar a isto, a sensibilidade lúdica para o posterior entendimento da estética política que envolve as relações do indivíduo com os seus pares e com o mundo? Não seria tudo isto no conjunto, não só uma autêntica perda de tempo, mas uma forma criminosa de se deseducar as pessoas, aliená-las, retirar delas quaisquer essências ou valores referentes à vida, seus processos e a busca de melhorias mínimas para cada cidadão em particular?

E os pedagogos, os cães de guarda da pequena burguesia que invadem os corredores das escolas para legitimarem a velha e ultrapassada ordem, a disciplina, a produção, os resultados estanques, fragmentários e contraditórios a tudo o que acreditam e que ditam estar fazendo? E as direções das escolas? E as demais autoridades educacionais? E tudo isto depois do aluno ter de se arregimentar a horários rígidos, a chamadas escolares infinitas, aos ambientes insípidos das escolas que são, hoje, muito mais restaurantes ou lanchonetes, para justificarem, assim a falta de comida que deveria estar em casa por meio da remuneração digna do trabalho de seus pais e que ninguém se dá conta disto. Pois distribuir merenda - diga-se de passagem, de qualidade duvidosa - é muito mais prático, econômico, instrumento de dominação do trabalhador, numa sociedade que se diz, democrática e liderada neste momento pelo partido dos trabalhadores e suas práticas e costumes populares demais. Por que os professores tão supostamente preparados não se dão conta disto? Seria mais uma estratégia mafiosa e maquiavélica para se manter a educação a serviço de regimes e domínios das elites privilegiadas?

Engraçado, os educadores brasileiros, querem formar cidadania, mas tiram, enquanto pensam que educam, todas as condiçoes de seus alunos para tal. Querem cidadãos críticos, mas desde que não o sejam. Trabalhadores criativos, mas que são proibidos de inventar. Não podem, nem mesmo suspeitar da existência de nada novo, para além do que lhes foi imposto, quanto mais expressá-lo na prática cotidiana do que aprendem e quando aprendem.

Querem que os alunos pensem, mas se negam a desenvolver neles quaisquer espécie de raciocínio. Transformando a escola e suas práticas num meio brutal de aniquilar consciências, promovendo, no seu cotidiano, nada mais do que um processo lento, criminoso e autêntico de lavagem cerebral das pessoas. E, para tanto, obriga-as a operações, resultados, subserviência a horários, planilhas, burocracia, punições, notas. Nossos educadores e nossas escolas são como as pessoas que querem emagrecer mas que ingerem todos os dias, doses exuberantes de proteínas, açúcares, gorduras. E, não entendem o porque do efeito de tal processo. Até que, obesas e sedentárias, morrem diabéticas e inchadas antes mesmo de descobrirem o porque de seus problemas de saúde, depressão, ignorância.

Assim é a educação de qualidade que nós, os educadores brasileiros ainda realizamos em nossas escolas públicas e particulares, nos ambientes familiares e nas organizações sociais afins. É preciso, portanto, como doentes graves que somos, que aceitemos este diagnóstico e retomemos o nosso tratamento para uma saúde de qualidade que congregue vida e esperanças em termos de educação e desenvolvimento ético, político, humano e social. Talvez ainda haja tempo para o resgate e alguma espécie de salvação para educação que está mortalmente enferma e pedindo socorro. Aos gritos. Mas que, ideologicamente, nos negamos a escutar. Preferimos trabalhar em silêncio a serviço de nossos algozes. Ignorando, o que é mais confortável, as agruras e males que fazemos e cujo peso se aloja em nossas costas e que aumenta a cada dia, até não suportarmos mais.


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Antonio da Costa Neto
antoniocneto@terra.com.br

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