sexta-feira, 20 de junho de 2008

A RIQUEZA SIMBÓLICA DO FUTEBOL


Não podemos negar que o futebol é a grande coqueluche. A paixão, o encanto das multidões que atravessa épocas, idades, períodos históricos. Uma grande façanha, num mistério que ativa profundamente corações, almas, altera destinos. Faz vibrar, morrer e até matar. Arranca lágrimas, suspiros e gritos de dor até dos que se consideram os mais machos, os intocáveis. E tratam a emoção como coisa de mulher; para os fracos. E estes, são os que mais se esvaem, se entregam, se deprimem com a derrota, o desalento das frustrações futebolísticas...
Fico vendo tudo isto e pensando: - Pobre humanidade, tão leiga, incauta e inocente... coitadinha! A esta altura da evolução da ciência, da tecnologia, de tantas idéias revolucionárias e o ser humano ainda continua submisso e ingênuo a esta barbárie psicológica e social, absolutamente contra a sociedade, a economia e as pessoas. Um cinismo muito bem estruturado para enganar principalmente as classes populares, os pobres, o povo que trabalha, os donos das mãos que alimentam os habitantes da terra.
A vida, é lógico, seria outra se as pessoas gastassem a metade dos neurônios e da energia mental e física que colocam a serviço do futebol discutindo o preço (como eram vendidos os escravos de luxo), o salário do jogador como se fosse o deles. Se preocupando com os lances do jogo, a postura do juiz, a vitória de não sei quem. Ao invés disso, deveriam pensar a política, a economia, o mercado de trabalho, os impostos e taxas, o preço do aroz, do feijão, do aluguél, dos remédios, a péssima qualidade da educação, enfim, os problemas reais que envolvem a vida humana em sociedade.
Será que elas nem de leve desconfiam que o futebol - e os demais esportes competitivos, também - existe inclusive para isto. Para lançar uma nuvem de fumaça entre o indivíduo e os conflitos sociais, a corrupção, o uso fácil das massas, a exploração das mulheres, crianças, dos trabalhadores, a negação dos direitos humanos, da dignidade, da cidadania. Loucas de êxtase, elas não conseguem perceber o crime que se esconde por trás das estratégias do futebol, das negociatas que o envolvem, inclusive na simbologia do jogo, na competição entre machos que chutam, ferem, tomam a qualquer custo para aumentarem vantagens próprias.
Não enxergam os coitados que a própria vida também é conduzida da mesma forma, da luta de vencedores engolindo vencidos e colocam no meio da arena o futebol, justamente para ocultar o conflito, neutralizar consciências, alienar as pessoas.
A ficha de ninguém cai? Será que é tão maravilhoso assim ver um bando, uma chusma de suados e fedorentos correndo atrás de uma bola? Querendo tomá-la a qualquer custo, competindo, chutando, e, de vez enquando, fazer aquela rede tremer como uma péssoa doente? Não é muito pouco e pobre frente a complexidade da vida, os problemas que enfrentamos, as dores, os sofrimentos, os conflitos do mundo?
Pensando desta forma, de fato o futebol é muito rico. Não só de maneira simbólica, mas, também, de forma concreta. É riquíssimo em estratégias para manipular e tornar fácil o abuso das massas, das galeras, das torcidas cegas.
Quem vibra tanto numa partida, dá socos e urros, espuma o canto da boca para xingar o juiz e os jogadores adversários durante uma partida de futebol, jamais terá ânimo ou disposição para analisar as questões vivenciais mais sérias. Será incapaz de perceber se está ou não sendo usurpado pelos impostos, as leis, o governo, os patrões, os afortunados, os políticos miseravelmente corruptos. Será uma presa fácil ao jugo exterminador das elites capitalistas. Então, na universalização do futebol são sempre elas que ganham. E o seu placar deve marcar no mínimo uns dez a zero para elas, para as elites, que, satisfeitas têm mais este recurso em seu favor e fazem de tudo para perpetuá-lo.
Walter Bracht, um cientista brasileiro da motricidade humana, afirma em seu importante ensaio intitulado: "A criança que pratica esporte respeita as regras do jogo...capitalista"... Quando nos diz que "cumprindo o papel de reforçar a estereotipação do comportamento masculino, o futebol tem contribuido enormemente para o adestramento mental e físico necessário para a preparação e a manutenção da força de trabalho necessária aos interesses da classe dominante." E continua : " o aprendizado do futebol enfatiza o respeito incondicional e irrefletido às regras e dá a estas um caráter estático e inquestionável. O que não leva à reflexão e ao questionamento, mas sim, à acomodação, forjando um conformista feliz e eficiente. Nele, o aprender as regras significa reconhecer e aceitar regras pré-fixadas. Pois o comportamento inconformado à regra não leva a uma transformação do futebol, mas à imediata exclusão do indivíduo inconformado. No que entra a autoridade do juíz que, no inconsciente coletivo, representa os poderes sociais estabelecidos, o mito das autoridades a quem devemos toda a obediência"...
Ora, isto é, politicamente, um grande malefício contra a sociedade que quer e precisa se transformar para alçar os padrões mínimos da dignidade e da cidadania. E aí, estes ilustres senhores que dão sua vida a serviço do futebol, dele extraindo fortunas incalculáveis, status, prestígio e valores, em nenhum momento desconfiam que trabalham contra a sociedade, contra os humildes, os pobres, o povo. Não percebem, porque não querem. Porque enquadram o ser humano aos esquemas da exploração, da fome, da miséria, da violência. E assim, na mesma proporção em que a sociedade mais se oprime, mais aumentam os esquemas, as estratégias do futebol, dos jogos, campeonatos, torneios, copas, etc.
E mais, se numa partida, as duas equipes têm condições iguais para jogar? Então a que ganha é porque foi superior, mais preparada, mais dedicada e mereceu o mérito. O que, como num passe de mágica é repassado para o inconsciente das pessoas que internalizam uma sensação idêntica para as relações econômicas, sociais e do trabalho. Assim, "se o meu patrão é rico e bem-sucedido é porque ele é melhor do que eu. Estudou, se dedicou e merece o mérito. Pois nascemos em condições iguais." Onde se ocultam as relações de poder e as dicotomias socioeconônomicas, residindo aí o crime maior dos esportes competitivos: o de assassinar a consciência crítica das pessoas, tornando-as inocentes úteis a todos os processos exploratórios.
É preciso, para fixar melhor isto, criar líderes econômicos com salários arquimilionários, como os mitos do futebol, recebendo homenagens estonteantes, para quem são estendidos tapetes vermelhos enfrente aos maiores palácios do mundo. Vigiar dia e noite os astros, policiando suas vidas. Caso contrário, a coisa perde o sentido. Se o atleta, geralmente um beócio, um pateta, um bobo, se transforma numa pessoa comum. O futebol, sendo, como deveria, um instrumento lúdico para a distração, o lazer e a saúde, dexaria de ser este importante meio político de manipulação humana e social. Ajudando a manter a ostentação de poucos por meio da exploração de muitos. Assim, como todas as demais práticas sociais prestam um único serviço: o de aniquilar a percepção crítica para que os ricos continuem mais ricos, os explorados mais explorados, os pobres muito mais pobres e tudo permaneça como se fosse certo, justo e normal. Pois se no futebol ganha quem é o melhor, na vida também é assim e pronto.
É por isso que os poucos representantes cínicos das elites, barrigudos e impecavelmente bem-vestidos em seus ternos caríssimos, se apresentam com um indisfarçável sorriso nos lábios durante as comemorações das vitórias, as entregas de títulos, troféus e medalhas. Pois sabem que ali se escondem os mecanismos perversos de perpetuação das suas fortunas construídas às custas do suor dos torcedores, do sofrimento das galeras. Os profissionais do futebol e do esporte se vendem a estes déspotas degenerados para constituirem este espetáculo de horror. E o pior, acreditam piamente, juram que não. Ao contrário, afirmam que agem pelo povo sofrido, que amam o Brasil e que fazem tudo pelo país. Inclusive ganham medalhas, acumulam troféus em suas estantes dentro das mansões luxuosas compradas com os muitos milhões que ganham jogando bola como se isto fosse a coisa mais importante do mundo.
Mas um dia, não sei quando, há de despertar a verdade. E os trabalhadores do futebol, os grandes atletas e o povo desconfiarão desta imensa farsa. Deste crime com cara lúdica de palhaço drogado. Tomara que ainda seja tempo para a reversão de alguns processos. E que, apesar de tudo, a dignidade possa abrir suas imensas asas sobre todos. Para aí sim, podermos comemorar, nos abraçar, cantar e dançar pelas ruas, de alma lavada. E não mais como os bobalhões ridículos de hoje em dia, festejando a própria desgraça e sem se dar conta disso.
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Antonio da Costa Neto

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