segunda-feira, 17 de abril de 2017

ESTE RAPAZ JÁ FOI UMA MOÇA COM ÚTERO, OVÁRIO E TUDO... ACREDITE...





Por Neto Lucon
Fotos Lucas Ávila

Tente (se conseguir!) desviar o olhar, dos lábios e do corpo de Paulo Vaz, de 31 anos. O mineiro é pura beleza, charme e sedução. E acaba de tirar fotos quentíssimas para o fotógrafo Lucas Ávila, publicadas com exclusividade noNLUCON – com direito a sorvete espalhado pelo corpo. Paulo é formado em design, concurseiro, ataca de modelo e também é um homem trans. 

Amante da fotografia, ele já havia feito três ensaios, um antes e dois depois da transição de gênero – para quem não entendeu, ele foi designado mulher ao nascer, mas se identifica com o gênero masculino e é um homem – mas foi a primeira vez que ele (quase) se desnudou por completo para alguns cliques. Os cliques falam sobre a vivência do corpo. 

O contato entre modelo e fotógrafo veio do artista plástico Paulo Bevilaqcua, alguém de muita importância para o processo de descoberta de Vaz. Muitas conversas, risadas, ideias parecidas e o convite. “Fiquei um pouco nervoso no começo, por estar praticamente nu na frente dele, mas rapidinho me acostumei”, declarou ao NLUCON. 

O ensaio foi realizado na casa de Lucas e feito a quatro mãos, explica o fotógrafo. Os cliques se inspiraram ao som da MØ, Lorde e Madonna. “Paulo tem uma noção muito boa de iluminação e de composição fotográfica. Deixei ele a vontade para escolher o que queria ser fotografado, o que queria transmitir e o que mostrar enquanto homem trans. Selecionamos as fotos juntos, conversamos sobre o tratamento das imagens”, afirmou Lucas.





“Minhas cicatrizes trazem paz”

O fotógrafo e sobretudo Paulo gostaram bastante do resultado e o modelo ressalta que é apaixonado pelo estilo preto e branco. “Tentei passar como é ser um homem trans na intimidade, o corpo modificado, algumas expressões, algo que não vemos com tanta frequência”. A preferida dele – e a de muita gente- é a do sofá com sorvete. 

As cicatrizes que ganhou por meio da cirurgia de masctetomia masculinizadora também receberam destaque. Para ele, são motivos de orgulho: “Muito, elas me trazem paz e me fazem lembrar de quem eu sou”. 

Mas a parte que as pessoas mais elogiam, sobretudo nas redes sociais, é a boca. “É a parte que eu mais gosto também, é a boca”. Agora terão outras e outras (e não encarem isso como um assédio à la Vin Diesel, por favor). 

Apesar de estar muito à vontade com o seu corpo e de mostrar isso com extrema sensualidade, ele diz que nem sempre esteve em paz com o espelho. “Minha autoestima está muito melhor. Ainda quero melhorar uma parte específica do meu corpo – os quadris – e vamos ver se a testosterona ajuda com o tempo”. 

Paulo conta que com 17 anos chegou a ser gordinho, chegando 95kg, e que continuou assim até os 23. “Chegou um dia que eu não queria ficar mais desse jeito, então resolvi procurar um nutricionista e treinar corretamente”. Hoje, ele malha, faz exercício aeróbico, bicicleta, aparelho de escalada, elíptico e corrida.





E modelo?

Quando se fala de mulheres transexuais ou travestis, o espaço da moda parece ter algumas representes. Mas em se tratando de homens trans há uma carência de nomes fazendo sucesso no mercado. “Não sei porque dessa carência, mas espero que isso um dia mude. Não trabalho como modelo, mas se vier oportunidades, serão muito bem-vindas”. 

Lucas endossa: “Já passou da hora de pessoas trans ocuparem cada vez mais postos de trabalhos em todos os nichos. A moda é algo que é muito importante e valorizada em nossa sociedade. Campanhas com modelos trans ajudam a combater o preconceito e ainda geram postos de trabalho para essa população. Temos uma dívida enorme com a população trans, que ainda tem direitos básicos negados pelo poder público e privado. É um dever social contribuir para amenizar estes problemas”. 

“Não sabia que existia o mundo transexual”

Até terminar a faculdade, Vaz sequer saber da possibilidade de ser um homem trans. Ele conheceu o artista plástico Paulo Bevilacqua, que achava que Paulo poderia ser trans. “Ele veio conversar comigo e eu não entendia ‘bulhufas’ do que ele estava falando. Depois que entendi, fiquei pesquisando um tempão sobre o assunto, até me dar conta que eu era um”.

Em termos de visibilidade, ele afirma que o primeiro homem trans que viu foi Buck Angel, ex-ator pornô, diretor de filmes adultos e ativista. Mas destaca que o grande responsável por trazer visibilidade ao tema foi o amigo Paulo Bevilacqua. 

As peças foram se encaixando: infância, adolescência, modo
s, mentes, “enfim, tudo estava enquadrado naquele conceito como a maioria dos homens trans”. Primeiro, ele procurou uma psicóloga, um psiquiatra e teve atestada a sua transexualidade. Com o laudo em mãos, foi direto ao endocrinologista, fez todos os pré exames e deu início à hormonização.

"Para a família não foi nenhuma surpresa. Ele sempre fez tudo o que era considerado masculino desde criança. “Falei primeiro para a minha mãe, depois para minha irmã mais nova e elas aceitaram muito bem. Meu pai foi o terceiro e achei que ia matá-lo do coração, mas ele é quem mais está acertando os pronomes. Depois foi o restante da família e foi muito tranquilo”. Os amigos também já sabiam antes da transição, então “posso falar que tive sorte no meu convívio social, pois não fui discriminado. Diferente da realidade de muitos trans”.








Sendo trans

No dia nacional da visibilidade trans, 29, Paulo afirma que os homens trans ainda hoje precisam de visibilidade. E que muita gente sequer sabe o que significa ser homem trans. “Exemplos: entrar em locais públicos onde precisa mostrar a identidade (não retificada), falar sobre nome social e a pessoa não entender, na hora de exames médicos, principalmente ginecologia, você marcar por telefone e chegar lá com fisionomia masculina e ter que se explicar, em hospitais ou clínicas para fazer exames e não ser chamado pelo nome social”.

Segundo ele, o que as pessoas precisam saber primeiramente é que homens trans existem. “Segundo, entender que o gênero (homem/mulher) está no cérebro e não na genitália. Sei que muitas vezes as pessoas não sabem como pensar, falar ou até mesmo lidar com o assunto por uma simples falta de informação. Um dos motivos para tratar questões de gênero na educação”.

Transfobia ele já sofreu pela internet. Mas embora tenha um rosto e um corpo dentro de padrões que chamam de passabilidade cisgênera, Paulo continua ressaltando que é um homem trans. Para ele é importante botar “a cara no sol” para ter direito básicos no âmbito educacional, judicial e da saúde respeitados. “Se ficarmos calados, nada vai mudar por aqui”. Outra pauta necessária é a facilitação da retificação do nome/gênero, “porque é muito lento e burocrático, além de tudo, é o que mais causa constrangimento. Esse sistema precisa ser atualizado”.

Pois é... Além de lindo e sexy, é inteligente e engajado. Quem resiste? E, olha, que ele não se define a respeito da orientação sexual. “Gosto da personalidade da pessoa. E não estou namorando”.

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