sábado, 16 de novembro de 2013

A BELEZA - AINDA QUE AMARGA - DA POESIA DE CAIO FERNANDO ABREU ME ENCANTA. ME FAZ CHORAR

Revejo velhos cadernos
anotações de sonhos
saturno, crescentes
intento
invento
e de cada vez sei
sempre
quenão é aqui.

Os amigos perdidos
os cabelos perdidos
os olhos perdidos.

Nenhuma crença
nenhum motivo bom
ou mesmo mau
para seguir ou desistir.

A vida parada
julho, agosto
as estradas poeirentas
o vento norte:
o sono de minha avó
na cadeira de balanço.

A cidade deserta
setembro, outubro
o reboco caindo
o vento sul:
o xadrez no plástico da mesa
com flores vermelhas e amarelas.

Um cão late
o relógio bate
a poeira cobre os móveis
e os rostos dos parentes.
Caminhões que vão para lugar nenhum
cartas que não chegam
as flores descoradas de plático
na luz dura da sala.

Novembro, dezembro
os caminhos que não andei
os amores que não tive
os sonhos que continuo mantendo
pela simples razão de estar vivo.

Aí, Deus
dai-me outra vez o sangue na veia
novamente o coração em descompasso
as visões de antes, o verão ardente
não este mormaço seco
o sangue gelado de agora
e nenhum arco-íris sob os olhos.

Quero de volta meu riso
quero de volta meu passo:
quebrarei todas as cristaleiras da casa
ou me transformarei para sempre
numa flor de plático
inútil, desbotada, coberta de poeira...

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