segunda-feira, 27 de maio de 2013

MANOEL DE BARROS. ESTADO CIVIL: CRIANÇA. IDADE: 97 ANOS

Olha o que eu tirei da orelha do livro Menino do Mato,
 de Manoel de Barros, esta criança maravilhosa de mais de 96 anos de amor e poesia.

"Eu tenho um ermo enorme bem dentro do olho.
Por motivo do ermo não fui um menino peralta.
Agora tenho saudade do que não fui.
Acho que o que faço agora é o que não pude fazer na infância.
Faço outro tipo de peraltagem.
Quando eu era criança deveria pular o muro do vizinho pra catar goiaba.
Mas não havia vizinho.
Em vez de peraltagem eu fazia solidão.
Brincava de fingir que pedra era lagarto.
Que lata era navio.
Que sabugo era um serzinho mal resolvido igual a filhote de gafanhoto.
Cresci brincando no chão entre formigas.
De uma infância livre sem comparamentos.
Eu tinha mais comunhão com as coisas do que comparação.
Porque se a gente fala a partir de ser criança: a gente faz comunhão de um orvalho
e sua aranha, de uma tarde e suas garças, de um pássaro e sua árvore.
Então, eu trago das minhas raízes crianceiras a visão comungante e oblíqua das coisas.
Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina.
É um paradoxo que ajuda a poesia e que eu falo sem pudor.
Eu tenho que esta visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido
onde havia transfusão com a natureza e comunhão com ela.
Era o menino e o sol.
O menino e o rio.
Era o menino e as árvores."

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