sexta-feira, 27 de maio de 2011

O CASEIRO DO PIAUÍ E A CAMAREIRA DA GUINÉ





Nascido no Piauí, Francenildo Costa era caseiro em Brasília. Em 2006, depois de confirmar que Antonio Palocci frequentava regularmente a mansão que fingia nem conhecer, teve o sigilo bancário estuprado a mando do ministro da Fazenda. Nascida na Guiné, Nafissatou Diallo mudou-se para Nova York em 1998 e é camareira do Sofitel desde 2008.


Domingo passado, enquanto arrumavao apartamento em que se hospedava Dominique Strauss-Kahn, foi estuprada pelo diretor do FMI e candidato à presidência da França. Consumado o crime em Brasília, a direção da Caixa Econômica Federal absolveu liminarmente o culpado e acusou a vítima de ter-se beneficiado de um depósito irregular no valor de R$ 30 mil. Por duvidar da palavra do caseiro, a Polícia Federal resolveu interrogá-lo até admitir, horas mais tarde, que o dinheiro fora enviado pelo pai do jovem detido por dizer a verdade.


Consumado o crime em Nova York, a direção do hotel chamou a polícia, que ouviu o relato de Nafissatou. Confiantes na palavra da camareira, os agentes da lei localizaram o paradeiro do hóspede suspeito e conseguiram prendê-lo dois minutos antes da decolagem do avião que o levaria para Paris ─ e para a eterna impunidade.


Até depor na CPI dos Bingos, Francenildo, hoje com 28 anos, não sabia quem era o homem que vira várias vezes chegando de carro à “República de Ribeirão Preto”. Informado de que se tratava do ministro da Fazenda, esperou sem medo a hora de confirmar o que dissera em depoimentos na polícia e na Justiça. Nunca foi chamado. Na sessão do Supremo Tribunal Federal que julgou o caso, os juízes se dispensaram de ouvi-lo. Decidiram que Palocci não mentiu e engavetaram a história.


Depois da captura de Strauss, a camareira foi levada à polícia para fazer o reconhecimento formal do agressor. Só então descobriu que fora estuprada por uma celebridade internacional. A irmã que a acompanhava assustou-se. Nafissatou, muçulmana de 32 anos, disse que acreditava na Justiça americana. Embora jurasse que tudo não passara de sexo consensual, o acusado foi alojado numa cela.


Nesta quinta-feira, Francenildo completou cinco anos sem emprego fixo. Palocci completou cinco dias de silêncio: perdeu a voz no domingo, quando o país soube do milagre da multiplicação do patrimônio. Pela terceira vez em oito anos, está de volta ao noticiário político-policial. Enquanto se recupera do trauma, a camareira foi confortada por um comunicado da direção do hotel: “Estamos completamente satisfeitos com seu trabalho e seu comportamento”, diz um trecho.


Nesta sexta-feira, depois de cinco noites num catre, Strauss pagou a fiança de 1 milhão de dólares para responder ao processo em prisão domiciliar. Até o julgamento, terá de usar uma tornozeleira eletrônica. Livre de complicações judiciais, Palocci elegeu-se deputado, caiu nas graças de Dilma Rousseff e há quatro meses, na chefia da Casa Civil, faz e desfaz como primeiro-ministro. Atropelado pela descoberta de que andou ganhando pilhas de dinheiro como traficante de influência, tenta manter o emprego. Talvez consiga, é claro: desde 2003, não existe pecado do lado de baixo do Equador.


O Brasil dos delinquentes cinco estrelas é um convite à reincidência. Enlaçado pelo braço da Justiça, Strauss renunciou à direção do FMI, sepultou o projeto presidencial e é forte candidato a uma longa temporada na gaiola. Descobriu tardiamente que, nos Estados Unidos, todos são iguais perante a lei. Não há diferenças entre o hóspede do apartamento de 3 mil dólares por dia e a imigrante africana que cuida de arrumá-lo.


Altos Companheiros do PT, recitam de meia em meia hora que o Grande Satã ianque é o retrato do triunfo dos poderosos sobre os oprimidos. Lugar de pobre que sonha com o paraíso é o Brasil. O caseiro do Piauí e a camareira da Guiné berram o contrário. Se tentasse fazer lá o que faz no Brasil, Palocci teria estacionado no primeiro item do prontuário.


Se escolhesse o País do Carnaval para fazer o que fez nos Estados Unidos, Strauss só se arriscaria a ser convidado para comandar, no mínimo o Banco Central, ou quem sabe, o Mininistério da Fazenda, pois a Receita Federal seria pouco. O azar de Francenildo foi, em parte, não ter tentado a vida em Nova York. A sorte de Nassifatou foi ter escapado do Brasil que absolve o criminoso reincidente e castiga quem comete o pecado da honestidade.


Quero ressalvar que não devamos ser aqueles eternos tupiniquins, subservientes e ingênuos em relação às muitas agruras norte-americanas. Lá também, muita coisa é muito mais do que um horror. Mas vamos dar à César o que é de César. E, em termos de justiça, de valores humanos, onde começa a linha tênue do desenvolvimento e da evolução, se compararmos aqui com o Brasil, os EUA têem anos-luz de frente. Causa-nos injeva. E como tal, talvez um dia, eles cresçam nos demais aspectos. Já elegeram um quase-branco-quase-negro, mas que se diz negro. Já é, sem dúvida, alguma coisa.




(Maria Aparecida Rezende)

Um comentário:

Eduardo Melara disse...

Sensacional o texto. Parabens!