segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A BÊNÇÃO UBIRAJARA GALLI


Para ser franco, nunca tive saco para ler poesia goiana. Achava tudo muito chato, um amontoado de besteiras de gente que não sabe escrever nada. E na terra de cego, quem não sabe escrever nada vira poeta. Até que descobri Ubirajara Galli. Aí tudo mudou. Até eu.


DESCASCADOR DE AMÊNDOAS

para não falar da vida
seria capaz de tirar as sandálias
dos meus olhos
e beber o licor das minhas vísceras
de pássaro abatido.

O que fazer se até hoje
só tive acesso aos matadouros
edificados na extensão miserável
do meu destino?

Não quero a sensação
das mangas que caem para morrer.

Nos meus olhos
tem mais pedras do que peixes.
Eu nunca conversei
com as pedras dos meus olhos.

Não há alfaiate nesta terra
que possa suturar minha carne
que represa esse misto de sangue,
solidão e mentiras.

Tudo em mim é mentira.
Quem me vê
não sabe que sou o privilégio
dos que mentem.

Se a carne é fraca,
serei imortal como açougueiro.

Estou completamente
estuprado de poesia.

Erguerei meus versos
como quem ergue uma hóstia
e darei de comer a todos.
Eu preciso ser digerido.

Quero estar dentro de todos
como uma olaria que vomita estrelas.

Porém em mim
nada é sagrado.
Não sou batizado em nada.

Nasci para provocar a eutanásia
das flores das gameleiras
e dos condores que velejam
nos andes do meu coração.

Tenho nos quintais dos meus dedos
todas as sobras da vida.

Não sou um homem.
Sou um jardim de coágulos.

Meus versos são depósitos
de cinzas,
porque tudo em mim
está cremado à espera do vento.

Quero semear a minha ausência
nas crinas dos olhos em movimento;
e à sombra do crepúsculo verde
das mangabas,
ficarei a sós com a paisagem
triste do meu corpo.

Eu tenho que me ignorar.

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