domingo, 26 de setembro de 2010

NEYMAR DE HOJE, BRUNO DE AMANHÃ


O Brasil acabou de assistir, extasiado o chamado "Caso Bruno". E todo o mundo se escandalizou com a possibilidade de um tão bem sucedido jogador de futebol, um goleiro excelente, ganhando fortunas e com um futuro muito mais que brilhante, ter sido o agente principal de um crime de proporções horrendas, um assassinato brutal, com requintes de tortura e sofrimento para a vítima, por razões pessoais, e, segundo tudo indica, principalmente, econômicas. Durante o processo, em êxtase, muito se discutiu sobre possíveis culpas do futebol, dos responsáveis pelas suas lides, pela orientação dos jogadores. Sendo, no caso, o Clube de Regatas Flamengo, organização em que, na época, o jogador se vinculava, alvo de acirradas críticas de vários segmentos da sociedade brasileira.
Feito um absoluto silêncio sobre o caso Bruno, como é mais do que habitual em nossa sociedade, onde o limite de um escândalo está justamente no seu vínculo e possibilidade de se ocultar outro, começa agora o caso Neymar. Que, claro, nem de longe alcança as proporções do primeiro. Mas, na minha opinião, já pode significar sim, um bom começo. O problema é que, os clubes, insensíveis com as condições emocionais, psicológicas, íntimas da figura do jogador, não se preocupam em prepará-lo nestes aspectos. Isto não interessa, e, ao contrário, significa gastos, perda de capital, o que eles, em sua vasta maioria, se negam a fazê-lo. O que importa é só o chute, o gol, o mito. É isto que vai prender a torcida, garantir pontos nos campeonatos e torneios, e, no final das contas, o jogador e a sociedade que se danem.
Repete aqui, embora de forma milionária e sofisticada, o caso da antiga escravidão. Compra-se a peça, a peso de ouro. E agora, como seu dono e senhor, façamos o seu uso, de certa forma prostituto e caríssimo. Pois, inclusive, certas condutas do jogador, são até bem-vindas no cômputo de que às celebridades a quem amo, tudo pode. Tudo é permitido. E, de vez enquando, apanha-se um "boi de piranha", justamente para disfarçar o estilo e se continuar, com o êxito oportuno ir usando da mesma metodologia que se perpetua dentro da história das civilizações.
Os jogadores não são, em definitivo, preparados para viverem seus dias de celebridades instantâneas que, geralmente, se tornam, depois do terceiro gol, ou, como no caso do Bruno, a terceira defesa consecutiva. Basta isto, e o cara vira um rei, com poder astuto sobre tudo e todos. Inclusive, com definições e princípios acima do bem ou do mal. Ainda que, analfabetos funcionais, muitas vezes, no sentido literal da expressão. Não são informados, estes senhores e senhoras, comandantes desta máfia desportiva que o acesso à fortuna, bens, status, fama, assédio, transforma por completo a personalidade, o comportamento, a forma de pensar e de agir da pessoa. O que, numa sociedade capitalista e competitiva como a nossa, poderá levar a danos, problemas, dores e crimes insustentáveis. Tudo junto beira à psicopatia social e os nossos clubes atléticos, desportivos, e especialmente, de futebol, uma arte brusca, máscula, competitiva, feita com os pés, aos empurrões, aos gritos e induzindo a mais e mais gols, ganhos, aplausos, pode chegar a danos irreparáveis, para si e para os outros.
E os Brunos se fazem, inicialmente, com as faltas de educação que o jovem Neymar já vem exibindo, depois do êxito, dos ganhos, do estrelato. Imagine o poder de um garoto como este, sem a menor estrutura emocional, maturidade - ele tem apenas 18 anos de idade - que, sem dizer palavra consegue demitir um técnico, que, diga-se de passagem, atravessava um muito bom momento para o seu clube. Isto mexe com a cabeça de qualquer um. E estabelece, pior ainda, no seu inconsciente, uma estrutura de poder incalculável, e que, sem dúvida, este atleta irá levar para a sua vida, seus negócios, suas relações futuras, onde não existem bolas e nem aplausos.
Portanto, já é mais do que tempo dos clubes desportivos dispensarem o mesmo cuidado psicológico, humanitário, sociológico, que fazem com o físico, com o técnico, com a performance desportiva de seus contratados. Pois, o ser humano é um todo sistêmico e não se contrata apenas um lado da pessoa. E quando alteramos um deles, transformamos todos. Temos, portanto, de olhar tudo isto com outra sensibilidade. Estamos trabalhando com gente e não adestrando animaizinhos para fazer graças para os macaquitos da platéia. Como tal, se o físico é muito desenvolvido, na mesma proporção, se perde no psicológico, no emocional e assim por diante. E ainda, estes meninos passam acreditar - ainda que inconscientemente - que são deuses, poderosos e que podem, em última instância, afrontar, assediar criminosamente, matar e distribuir os restos humanos aos pit-bulls famintos, para que ninguém descubra nada e fique tudo bem como dantes. Pois, afinal de contas, o que serve é o atleta em campo. Produzindo lucros e alienando milhões de conformados com as alegrias, ou, em última instância com a miséria desportiva. Fazer o quê?
Assim, no caso Bruno, ele não é culpado sozinho. Existe por trás os resultantes da manipulação da sua consciência, dos seus valores, para que se tornasse um goleiro economicamente viável. E só. Para levar o crime a sério, precisaríamos de um galpão inteiro na delegacia, prendendo técnicos, colegas, gestores e presidentes do clube em si. E, principalmente, os irresponsáveis que pagam milhões para se pegar uma bola. Manipulando, por sua vez, os miseráveis que aplaudem como bobos. Tudo, na verdade, constitui um crime sem precedentes, um fenômeno horripilante que ainda, a nossa ignorância apenas dá de ombros.
Também já é mais do que tempo de deixarmos de ser ingênuos e incautos, transferindo os desejos e necessidades pessoais para os triunfos do esporte, do time, da seleção, da equipe. Enquanto você e sua vida continuam na necessidade, e, quando não, na miséria, você se arrebenta de alegria, se escancara no grito frente ao gol do seu time, ou mesmo do adversário - intercambiando a alegria fremente pelo desespero sem fim - não sobrando, a partir daí, nenhuma força, visão ou vontade de se lutar por aquilo que de fato o interessa. Se o seu time ganha, o seu atleta foi bem vendido - embora nada sobre para você - há, de imediato, o conformismo com as carências absolutas da vida em todos os aspectos. Por isso, é melhor, mais econômico e adequado dentro da linha medíocre dos governos, estruturar, por exemplo, olimpíadas ou uma copa do mundo. Criar e manter um ministério do esporte. O que significa não ter que cumprir as obrigações e satisfazer os desejos legítimos do povo. Cumprindo, assim, o duplo sentido da exploração política e capitalista contra os que mesmo com fome, sem dentes, sem educação, saúde, escola, lazer, não conseguem enxergar as mazelas da vida. E, muito menos, cobrá-las, devidamente de quem de direito.
Com um esporte destes, e, especialmente, com o futebol que temos, não precisa ser Lula para se presidir a República e responder eficazmente aos interesses no jogo de poder em relação à sociedade civil. Chega de sermos usados e de uma forma usualmente tão barata e vulgar. Nós - inclusive os jogadores, mitos bem pagos - merecemos um pouco mais de dignidade. Claro que é bom o jogo, a vitória, a vibração, a mandala do futebol e estarmos em êxtase com os jogos que nos cercam. Precisamos ter alegrias, nos divertir, mas não como sucedânios criminosos a tantas outras coisas que nos são negadas.
E, para tanto, o esporte de massa serve como uma luva, o pão e circo que mantém como pura e natural esta lastimável realidade contra as pessoas. O esporte deve ser um complemento, tão importante como os demais, e não, como tem sido, uma forma de substituir nossos direitos, dos quais somos todos herdeiros legítimos. E dentre estes não se inclui a prótese do nariz de palhaço que nós, brasileiros, já deveríamos, há muito, ter deixado de usar.
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Antonio da Costa Neto

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