sábado, 16 de janeiro de 2010

EDUCAÇÃO FORMAL: UM PROJETO MAQUIAVÉLICO A SERVIÇO DAS ELITES


(*)Antonio da Costa Neto

Estamos em pleno Séc. XXI e algumas coisas permanecem arraigadas no atraso conceitual, metodológico, filosófico, dentre outros. Aí incluindo, os processos pedagógicos, as suas teorias e práticas, a gestão das escolas, enfim, o projeto de educação formal das pessoas.
Faz-se mais que urgente e necessário repensar com profundidade a tônica do papel das escolas, os serviços e desserviços que prestam. Suas lacunas e fragilidades - algumas muito graves - se, de fato, pretendemos superar a crise endêmica que assola o planeta e possamos ter uma qualidade de vida, no mínimo, digna para todos. Sem dúvida, um dos poucos caminhos que ainda nos restam para a superação dos grandes males do mundo a que todos nos achamos expostos e que podemos ser vitimas a qualquer momento.
Sempre trabalhei com educação e sou um apaixonado pela sua causa. Mas paradoxalmente sempre fui também um crítico veemente das escolas, suas ações, seu cinismo histórico doentio. O teor da violência simbólica que elas carregam, praticam e cometem com isto um crime imenso e silencioso contra a humanidade, com uma preocupação absolutamente insensível de se perpetuar o poder do capitalismo - notadamente o internacional - e com ele, todas as formas iníquas de exploração das pessoas e da natureza. Gerando, com isto o grande caos, as crises, os horrores que as sociedades contemporâneas atravessam.
Acredito que quase todos nós estamos insatisfeitos com as múltiplas realidades que nos cercam. Somos a cada dia mais pobres, preocupados com o futuro de todos e, principalmente, o das gerações mais jovens. Muito nos incomoda a tirania do mundo moderno, a iniqüidade da economia e do mercado de trabalho, a violência urbana, o aquecimento global do planeta as endemias primárias, a questão da água no mundo, a corrupção, o trânsito caótico, a violência urbana, apenas para exemplificar.
Mas continuamos, inexplicavelmente, educando as pessoas para que elas possam dar continuidade a tudo isto. Persistimos a reclamar, a reproduzir o modelo, a termos os mesmos resultados que culminam com a infelicidade, os conflitos sociais, a morte precoce e antinatural. E tudo isto me incomoda muito, tanto que venho dedicando anos de estudos, pesquisas e publicações neste sentido, como algumas das conclusões que venho colocar a público por meio deste pequeno ensaio.
Bordieu & Passeron são dois autores clássicos importantes que vêm nos alertar sobre a escola como o mais importante aparelho ideológico a serviço do Estado opressor. Ou seja, para que a sociedade da exploração e do consumo funcione, é preciso que tenhamos cidadãos incautos, inocentes úteis e desinformados. Que forneçam sua força de trabalho, se disponham consciente ou inconscientemente a serem profundamente explorados e que, por fim, paguem e proporcionem o maior lucro possível aos detentores do capital produtivo, num círculo vicioso de mais exploração, mais consumo e mais lucro, e, por conseguinte, com mais miséria, mais desgraças, mais destruição, mais caos.
Ora, o indivíduo que se expõe tão facilmente a este tipo de conduta horrenda e socialmente criminosa precisa ser suficientemente alienado e alijado politicamente de qualquer posicionamento crítico para fazê-lo. Cabe, portanto, às escolas a sublime tarefa de formar - conformar e deformar - as massas inteiras em relação aos potenciais construtores desta sociedade que, por sua vez, garantirá o pleno bem-estar dos seus mandantes, por meio da exploração contínua e gradual dos ditos subordinados, do povo, das classes populares, dos trabalhadores, entre os quais se incluem os profissionais da educação, que, em última análise, trabalham ideologicamente contra eles mesmos.
É preciso que saibam disto, embora doa. No entanto, a saída possível começa com o conhecimento e a aceitação desta dura realidade, o que, a princípio, os educadores têm a maior dificuldade. O que já faz parte do projeto maquiavélico de se usar a educação para a garantia dos interesses da perversidade dos modelos econômicos centralizadores e perversos, qualificando sempre as pessoas no sentido de se facilitar o processo de uso e de exploração das mesmas. Isso se inicia com a própria formação dos educadores. As faculdades de educação, sempre na extrema retaguarda das universidades - para não falarmos na brutal falta de qualidade e responsabilidade acadêmica da grande maioria das instituições isoladas - fazem de tudo para aniquilar o futuro educador de qualquer visão crítica. Nos seus currículos é proibido falar em economia, inflação, ideologia, mecanismos internacionais, corrupção, crises, exploração do homem pelo homem; para que a crítica seja brutalmente assassinada antes que invada os calabouços horrendos das nossas escolas de todos os níveis, transformando-as em substrato inconsciente da alienação social das massas por meio dos conteúdos que ensinam, das táticas que usam, do policiamento que exercem.
Os pedagogos, os orientadores educacionais por exemplo, são formados para atuarem como autênticos cães-de-guarda farejadores dos interesses burgueses dentro das instituições educacionais. Basta que uma mínima prática ensaie a fugir destes, que começam a latir e rosnar grosso pelos corredores e gabinetes prontos para estilhaçarem qualquer educador que se atreva a fazê-lo. Os cursos de licenciatura são outra vergonha deslavada, formando sempre pseudo-profissionais subservientes aos regimes e domínios da exploração capitalista e dos demais sistemas econômicos em todo o mundo. Sendo notória a transformação da performance entre o calouro e o formando que perde ao longo de seu "curso" toda a sensibilidade, a disposição crítica, a autonomia, a flexibilidade. Produzindo a grande massa dos professores incautos e inocentes que, por infeliz sorte, aí temos.
Por que nas aulas ainda é exigida a tradicional e enfadonha chamada dos alunos? Ora, porque se trata de um momento tão cru, frio e desinteressante que só mesmo a coerção da chamada pode garantir a presença dos alunos. Aliás, o modelo aula/prova, num processo de controle policialesco à imposição de um saber balizado pelo interesse capitalista já foi superado há décadas. E, no entanto, continua aí firme e forte, segregando a teoria da prática, a indução da dedução. Criando forças antagônicas entre o saber, a ludicidade, a vida. Daí a grande resistência dos alunos que querem tudo, menos ir para a escola. E ela – a escola – é a grande responsável por isso. Deveria ser motivadora, interessante, convidativa, agradável. Mas não, continua sendo este "café requentado da pior qualidade" como muito sabiamente brinca o Prof. Pedro Demo em um dos seus inúmeros escritos. Mas é impossível fazer isto sem formar a consciência crítica, a percepção aguçada dos fenômenos, o teor da iniciativa; valores é claro, inúteis à exploração da pessoa, morando aí o grande dificultador de uma educação de real qualidade que, na maioria das vezes, os educadores já acreditam que fazem. Ignorando por concreto a imensa distância que estão deste projeto que ainda está por vir.
Em síntese, a escola ensina aos seus alunos muito pouco do que realmente lhes interessa para viverem, fazerem suas conquistas, construírem sua felicidade, que é o que de fato interessa a todo o ser humano. Ela se utiliza de uma metodologia que mais confina o pensamento da pessoa fazendo dela um autêntico retrógrado aos interesses, motivações e impulsos do mundo e da vida moderna. Não avalia, mas pune o diferente, o criativo, o líder, o capaz. As escolas, tal como estão, estragam as pessoas, limitam suas capacidades, reduzem o seu potencial, transformando-as em pura massa de manobra. E ainda chamam isto de educação.
Há também uma política recessiva de não-valorização do educador e dos profissionais da área. O que é estratégico. E faz parte de um esforço brutal para que o famigerado fracasso da educação seja, de fato, um sucesso para os detentores do poder. Por isso, paga-se mal para que se ensine mal. Para que o magistério seja uma profissão de senhoritas caprichosas ou de senhoras "bem casadas" que não dependam do seu dinheiro para viver, para pagar suas contas. Assim, o Estado opressor atinge seu duplo objetivo: o de gastar menos com a educação para que sobre mais dinheiro para a compra de badulaques para as madames do seu circuito, tendo, em contrapartida gente desmotivada para ensinar bem. Perpetuando a alienação das massas com que se aprazem os governantes, os grandes empresários, os donos do poder. Precisamos, portanto, reconstituir todo o paradigma da educação e da escola, construindo e compartilhando normas e regras, elaborando conjuntamente novos, ricos e diversificados conhecimentos que tragam as respostas realmente necessárias a uma vida digna e de melhor qualidade para todos. Que ajudem a descentralizar o poder e a riqueza, que dêem a todos voz e vez na construção do mundo com o qual, com certeza, quase todos sonhamos.
Devemos, por exemplo, substituir a enfadonha e tediosa chamada nominal dos alunos por atividades ricas, lúdicas, interessantes, convidativas que, por si, já garantam a freqüência e a pontualidade. Trocar a obrigatoriedade do uso do uniforme pelo bom senso estético em saber o que, como se vestir; respeitar o outro, as suas condições econômicas, individualidade, autonomia. Não chamar mais ninguém de tio ou tia, senhor ou senhora, mas respeitosamente, por você e pelo próprio nome, horizontalizando a democracia e propiciando mais liberdade em termos psicológicos. Descentralizar o poder, diversificar os ambientes, os processos, os métodos. Cativar, amar, contextualizar o lúdico. Promover, e não, punir. Educar para a vida, ao invés de induzir para a exploração, o uso, o abuso, o lucro, a construção da insustentabilidade para a vida.
Precisamos enxergar com olhos críticos a essência do papel das escolas e dos educadores que nelas atuam. Sentir a palpável dualidade dos pequenos serviços e dos infinitos desserviços que prestam. Os irremediáveis estragos que cometem. Evitar, daqui para a frente, as profundas desgraças que têm ajudado a constituir, estando ainda hoje, muito longe de saberem disto. E será que desejam mesmo saber? Por onde começar? Buscar uma reflexão para uma ação diferente. É para isto que estamos aqui. Pois nada é por acaso neste universo infinito ao qual pertencemos.
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(*)MsC. e Doutorando em Sociologia da Educação, Professor Universitário, pesquisador e conferencista. Coordenador de projetos afins, autor de diversos livros e artigos sobre o tema. Está implementando experimentalmente o Projeto de sua aut0ria: Pedagogia da Complexidade - uma proposta de educação para o III Milênio, com pesquisa, diagnóstico e políticas e diretrizes com novas arquiteturas para a educação formal.

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