segunda-feira, 26 de outubro de 2009

À POETA ANA CRISTINA CÉSAR... PARA SEMPRE...



Caros amigos,


Expoente da chamada poesia marginal dos anos 70, a poeta carioca Ana Cristina Cesar (1952-1983) tornou-se conhecida em escala nacional depois de figurar na antologia 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda, em 1976.
Alma inquieta, Ana Cristina viveu mais de uma vez, viajou pelo mundo, estudou literatura e cinema, publicou poesia em edições independentes. Escritora compulsiva, produzia poemas, cartas, artigos para jornais e revistas, traduções, ensaios. Entre os principais títulos deixados por Ana Cristina Cesar, encontram-se A Teus Pés, Inéditos e Dispersos, e Crítica e Tradução.
Ana suicidou-se em outubro de 1983, aos 31 anos. Sobre seu trabalho poético, diz o professor e crítico Paulo Franchetti: "Ana Cristina é um dos lugares principais (senão o principal) do novo discurso poético, que funda a produção e a leitura do fragmento, a recolha do lugar-comum e a incompletude estética como resultado da sinceridade confessional ou como índices da impossibilidade mesma da confissão total."
Segundo o ensaísta, o dado novo na poesia de Cristina está no coloquialismo, numa escrita que não quer ser literatura. "Escrevo in loco, sem literatura", anotou ela. É óbvio que essa mesma novidade não passa incólume pelo crivo dos estudiosos, que apontam na poesia dita marginal a falta de rigor e a tentativa de dar uma marcha à ré em direção ao piadismo e a certa inconseqüência do modernismo de 1922. Não falta também quem veja no movimento uma imagem invertida das vanguardas originárias dos anos 50. Enquanto estas são acusadas de formalistas, o pessoal da poesia marginal recebe a pecha de ter relaxado os procedimentos formais da poesia.

O certo é que Ana Cristina Cesar tornou-se o nome mais forte entre todos os identificados com a poesia marginal. O poeta carioca Armando Freitas Filho, que foi amigo de Ana Cristina e se tornou, depois, o principal divulgador de sua obra, tem uma frase interessante para caracterizar a rapidez e a brevidade da vida e da obra da autora de A Teus Pés. Para ele, a amiga queria "pegar o pássaro sem interromper o seu vôo".
Ana gostava profundamente de escrever. Além de suas inumeráveis poesias e cartas, escreveu para diversos jornais e revistas e traduziu diversos autores estrangeiros. Entre esses autores, inclui-se a poetisa americana, Sylvia Plath que da mesma forma que Ana César faria mais tarde, colocou um fim à sua própria vida.
Ana C. morreu em 29 de outubro de 1983 e, com certeza, pela sua juventude e beleza, pelo conteúdo e forma de sua obra, pela interrupção brusca de sua vida e do seu talento, tornou-se um símbolo e um ícone. Quando a vida segue o seu curso normal, as pessoas têm tempo de se preparar para a passagem daqueles que, de alguma forma, têm parte ou influência em suas vidas. Isso não acontece, em casos como o de Ana César, onde a ruptura abrupta sempre deixa o único recurso de uma saudade brutal ou de uma veneração desmedida. De qualquer forma é importante a noção, e o consolo, de que as pessoas se perpetuam, nos corações e nas almas, pelo que deixam, na forma de obras materiais, como é o caso de Ana César, ou através das lembranças de atitudes, palavras ou gestos, que podem fazer melhor a vida dos que ficaram.. Dentro dessa ótica pode-se entender o seguinte poema:
Ausência
Por muito tempo achei que ausência é falta
E lastimava, ignorante, a falta..
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegada nos meus braços
Que rio e danço e invento exclamações alegres.
Porque a ausência, esta ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade – Com o pensamento em Ana Cristina)


Veja a seleção de seus poemas de que mais gosto:



VOANDO COM O PÁSSARO

Tu queres sono:

despe-te dos ruídos,

e dos restos do dia,

tira da tua boca

o punhal e o trânsito,

sombras de

teus gritos,

e roupas, choros,

cordas e

também as faces

que assomam sobre a

tua sonora forma de dar,

e os outros corpos

que se deitam

e se pisam,

e as moscas

que sobrevoam

o cadáver do teu pai,

e a dor

que se prepara

para carpir tua vigília,

e os cantos que

esqueceram teus braços

e tantos movimentos

que perdem teus silêncios,

o os ventos altos

que não dormem,

que te olham da janela

e em tua porta penetram

como loucos

pois nada te abandona

nem tu ao sono.



SONETO



Pergunto aqui se sou louca

Quem quer saberá dizer

Pergunto mais, se sou sã

E ainda mais, se sou eu

Que uso o viés pra amar

E finjo fingir que finjo

Adorar o fingimento

Fingindo que sou fingida

Pergunto aqui meus senhores

quem é a loura donzela

que se chama Ana Cristina

E que se diz ser alguém

É um fenômeno mor

Ou é um lapso sutil?



olho muito tempo o corpo de um poema

até perder de vista o que não seja corpo

e sentir separado dentre os dentes

um filete de sangue
nas gengivas



O HOMEM PÚBLICO N. 1


Tarde aprendi

bom mesmo é dar

a alma como lavada.

Não há razão para

conservar este fiapo de noite velha.

Que significa isso?

Há uma fita

que vai sendo cortada

deixando uma sombra no papel.

Discursos detonam.

Não sou eu que estou ali

de roupa escura sorrindo

ou fingindo ouvir.

No entanto também

escrevi coisas assim,

para pessoas que nem sei

mais quem são,

de uma doçura

venenosa de tão funda.


Tenho uma folha branca

e limpa à minha espera:

mudo convite

tenho uma cama branca

e limpa à minha espera:

mudo convite

tenho uma vida branca

e limpa à minha espera:

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