domingo, 2 de agosto de 2009

SUCESSIVAS VITÓRIAS NO VÔLEI: NOSSA DESGRAÇA E NOSSA PERDIÇÃO


Uma das minhas imagens sempre presente é a de ser um sujeito crítico. E dizem até, radical demais. Uma pessoa para quem nada e nem ninguém prestam. Concordo. Sou mesmo muito crítico e penso ainda que toda criticidade é pouco frente aos rigores, horrores e perigos sob os quais nós vivemos e que todos os dias aumentam, levando a vida a padrões quase que insustentáveis. Criando problemas dificilmente solucionáveis para todo o futuro da espécie humana, infelizmente.
Mas de tudo, o que mais critico é a educação, são as escolas e os esportes. Primeiro porque sou um profissional da educação. Sempre trabalhei em escolas e nunca vi nada mais perdido mais às avessas do que esta grande área do conhecimento humano e da ação social. Ao contrário do que possa parecer, a velha escola não poupa esforços, métodos, técnicas e recursos para mais alienar as pessoas, torná-las tolas, atrasadas e manipuláveis. Quanto mais freqnuentam as escolas, mais elas se tornam neutras aos meios políticos que definem a história do mundo, fazendo-as sucumbir, sem que saibam a toda a sorte de exploração, miséria, fome, dor e sofrimento. E os educadores, mais do que imbecis, ainda batem no peito e se ufanam desta, que para eles, seria a maior das façanhas. Coitados!...
Vejo com muita dor que as escolas se perderam em meio aos complexos ciclos da história. Elas ficaram completamente sem o rumo, a vergonha, as estratégias e seus profissionais, tão cedo irão desconfiar da imensa farsa a que se prestam em todos sentidos, momentos e ações do processo educacional ao qual dedicam suas vidas, seus esforços, muitas vezes com profundas renúnicas.
A escola, é claro, abre as portas para a alienação das pessoas, na condição do maior e do mais importante aparelho ideológico a serviço do Estado opressor. E faz-se acompanhar bem de perto por outro monstro sagrado: o esporte, este instrumento diabólico, que nos sorri como uma criança, enquanto crava-nos as unhas no peito, fazendo-nos rebaixar aos interesses espúrios a que defende, por meio dos instrumentos lúdicos que utiliza para, de certa forma, usar massas inteiras de trabalhadores, eleitores, de cidadãos comuns.
E, à medida em que a economia se torna mais devastadora, o capitalismo mais competitivo, as dinâmicas da sobrevivência mais árduas, o esporte vai, por si mesmo, sofisticando suas táticas e afiando suas garras para de forma mais plena e mais fácil, prender as vítmas incautas, pelas quais enriquece os ricos e empobrece os pobres por exemplo. E por meio do lúdico, da força coercitiva que o esporte representa, tudo aparece como simples, perfeito, bom, legítimo e normal. Enquanto isso, presenciamos a destruição dos sonhos, das esperanças, das condições de vida, principalmente, para os mais pobres e necessitados, os trabalhadores, as classes sociais dependentes.
Assim, o país do futebol - um esporte competitivo, bruto e para homens, passa também a abrigar as mulheres nesta modalidade simbólica do crime, da exploração e do ganho a qualquer custo. E com as mulheres em cena, a imposição de regras, a punição, o forjar um conformado feliz, pois a não conformidade com a regra injusta no esporte, não aperfeiçoa o jogo, mas expulsa quem se revolta. Exercendo, assim, o poder da lição de que só vence quem se acomoda, quem se cala e obedece aos limites unilarais e impost0s - pois quem joga, não participa da elaboração das regras que tem que obedecer, mas recebe-as prontas, no magnetismo positivista da "ordem e do progresso" tão claramente traçados no pavilhão nacional. O que, ao meu ver constitui o maior crime que os deportos cometem na vida das pessoas. O que se associa à criação gratuita de mitos, de celebridades financeiras sem formação, cultura e até caráter, o que torna-se mais fácil, meiga, romântica e aceitável.
Mas se o futebol já é por si um esporte de extrema competição, que só tem graça com o externar da arrogância, da força, da brutalidade linear; o vôlei, embora tenha estrategicamente um formato mais ameno, é, ao contrário, muito mais gritante, humana e socialmente maléfico em termos da demanda vivencial, que pela sua exibição vai fazendo acontecer ao longo do processo da vida das pessoas. Desta feita, é claro que o futebol é desgraçadamente competitivo, elitista, um instrumento de alienação de concentração do poder e da renda. Mas o vôleibol é muito mais que isto. E por esta razão, embora não-confessa, o Brasil, de país do futebol vai se tornando lentamente, o país do vôlei. Pois este é um esporte muito mais naturalmente masculino e feminino ao mesmo tempo - vez que o futebol de mulheres sofre de um certo preconceito que faz com que muitos torçam-lhe o nariz . E o vôlei é mais aceito como uma forma de exploração alinhada, natural contra todos os seres humanos, independente de condição, gênero, raça, com o que se refastelam os detentores do capital e do poder político de decidir em favor deles próprios.
Uma partida de vôlei é muito mais intensa, brusca, rápida. No vôlei não se respira, não se descansa, não pára. A coisa é mais bombástica, mais louca, estantânea, imediata. É proibitivo ter tempo para qualquer reflexão. Tudo é , aqui e agora, sob pena de se perder totalmente a graça o glamur, o encanto. No final de uma boa partida de vôlei, todos estão exaustos: atletas e pláteia, e, portanto, prontos para todo e qualquer tipo de exploração e sem nenhum questionamento.
A linearidade do registro das vantagens conduz, de forma muito mais matemática o raciocínio em busca dos pontos, do referencial numérico que trás a vitória pronta, imediata, e, até certo ponto, se não considerarmos as concepções dialéticas que envolvem o processo ela é justa e legítima. Pois afinal, quem é o melhor, faz mais pontos é vitorioso e pronto. De nada interessa a figura dos que perdem, pois deles ninguém mais se lembra, não comenta. Melhor mesmo é esquecê-los, tal como acontece na realidade dura e cruel do cotidiano fora das quadras.
No vôlei as regras são bem mais rígidas facilmente impostas. As faltas e cobranças são por razões mínimas, imponderáveis até. Basta um esbarrão na rede, um milímetro do dedo ou do pé que invade, involuntariamente a área do adversário. O número de toques é exato, a mudança de um pequeno gesto, um passo em falso muda tudo. Para se ter mérito no vôlei é preciso controlar a respiração e, ao mesmo tempo, estar pronto para dar socos e urros muito bem direcionados, e até diria, animalescos, sob pena de cair fóra. O espaço é definido, uma simples rede separa as classes, os times, as posições. Os jogadores estão ao mesmo tempo muito próximos e distantes, muito mais do que se amam, se consomem e se destroem nesta guerra quase carnívora do ter que vencer. Do ter que ser o melhor.
Ou seja, no vôlei, a autoridade dos comandos é muito mais gritante, imediata, perversa, rígida, inflexível, dogmática, autoritária, sem limites e, por isso mesmo, muito mais emocionante, convidativa, envolvente.Portanto, ganhar no jogo é perder na vida. Torcer pela vitória é fazê-lo inconscientemente pela própria miséria, a exploração, a violência que nos avilta e da qual tanto queremos nos proteger, mas que buscamos, cegos, quando aplaudimos nossos atletas e nos vangloriamos das medalhas que ganham, dos salários que recebem, como se também fizéssemos parte do banquete especial, que em nome do povo sofrido eles se deleitam todos os dias.
Constituem fortunas e vivem lautamente vendendo-nos a ilusão da vitória, do prêmio, do mérito que esconde a miserabilidade de ser um brasileiro comum, submisso e explorado, também por força do esporte que muito contribui para silenciar e amortecer a sua consciência. Assim, somos um lugar a mais na massa dos torcedores, que se vazio, não fará a menor falta e ninguém notará. Gente sofrida, suada e consumida pelos mesmos regimes que nestes momentos se constroem e se impõem de forma lúdica e festiva sobre todos, sobre cada um de nós.
Sei que não é por agora, talvez pelos próximos dois mil anos, três, cinco, talvez nunca, mas espero que um dia, a inda tão incauta e inocente população, a torcida brasileira possa ver de perto esta grande dicotomia a que se submete pela ingenuidade política, que chega aos limites da ignorância, da omissão popular. O que, em última análise, os atletas, os comentaristas, os profissionais do esporte, são, sem que saibam, os algozes sociais mais pérfidos e maléficos contra o povo. Lutando contra a gente que sofre, as crianças que padecem, os pobres, os miseráveis, numa profunda inversão de valores.
Quem sabe, um dia, chegaremos lá. Sei que não estarei vivo para ver. Mas, de toda forma, espero que aconteça. Como ser humano, como cidadão, não podem me tirar esta esperança. Pelo menos isso.

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