quarta-feira, 15 de abril de 2009

BOAS CONVERSAS - Manoel de Barros


Por viver muitos anos

dentro do mato

Moda ave

O menino pegou

um olhar de pássaro:

- contraiu visão fontana.

Por forma que ele enxergava

as coisas

Por igual

como os pássaros enxergam.

As coisas todas inominadas.

Água não era ainda a palavra água.

Pedra não era ainda a palavra pedra.

E tal.

As palavras eram livres de gramáticas e

Podiam ficar em qualquer posição.

Por forma que o menino podia inaugurar.

Podia dar às pedras costumes de flor.

Podia dar ao canto formato de sol.

E, se quisesse caber em uma abelha,

era só abrir a palavra abelha

e entrar dentro dela.

Como se fosse infância da língua.

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A de muito que na corruptela onde a gente vivia

Não passava ninguém

Nem mascate muleiro

Nem anta batizada

Nem cachorro de bugre.

O dia demorava de uma lesma.

Até uma lacraia ondeante atravessa o dia

Por primeiro do que o sol.

E essa lacraia ainda fazia estação de recreio no circo das crianças

a fim de pular corda.

Lembrava a tartaruga de Creonte

Que quando chegava na outra margem do rio
as águas já tinham criado cabelo.
E como não se tinha nunca nada para fazer
o povo do lugar ficava parado

na porta da Venda

De Seo Mané Quinhentos Réis

que tinha esse nome porque todas as coisas que vendia

custavam o seu preço e mais quinhentos réis.

Seria qualquer coisa como o Caixa Dois dos Prefeitos.

O mato era atrás da Venda e servia também para a gente desocupar

Nem as emas solteiras que despejavam correndo.

No arruado havia nove ranchos.

Araras cruzavam por cima dos ranchos

conversando em ararês.

Ninguém de nós sabia conversar em ararês.

Os maridos que não ficavam de prosa na porta

da Venda

Iam plantar mandioca

Ou fazer filhos nas patroas

A vida era bem largada.

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