sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

OS NADAS - de Manoel de Barros


No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá,

Onde a criança diz: eu escuto a cor dos passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não

Funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz

e fazer nascimentos

-O verbo tem que pegar delírio.

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Depois de ter entrado para rã,

para árvore, para pedra- meu avô começou a dar germínios

Queria ter filhos com uma árvore.

Sonhava de pegar um casal de lobisomem para ir vender na cidade.

Meu avô ampliava a solidão.

No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos doquintal:

Meus filhos, o dia já envelheceu, entrem pradentro.

Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.

Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.

Aí a nossa mãe deu entidade pessoal ao dia.

Ela deu ser ao dia,

e Ele envelheceu como um homem envelhece.

Talvez fosse a maneira

Que a mãe encontrou para aumentar

as pessoas daquele lugarque era lacuna de gente.

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Por viver muitos anos dentro do mato

Moda ave

O menino pegouum olhar de pássaro

-Contraiu visão fontana.

Por forma que ele enxergavaas coisas

Por igualcomo os pássaros enxergam.

As coisas todas inominadas.

Água não era ainda a palavra água.

Pedra não era ainda a palavra pedra.

E tal.

As palavras eram livres de gramáticas

ePodiam ficar em qualquer posição.

Por forma que o menino podia inaugurar.

Podia dar as pedras costumes de flor.

Podia dar ao canto formato de sol.

E, se quisesse caber em um abelha,

era só abrir a palavra abelha e entrar dentro dela.

Como se fosse infância da língua.

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