terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

UMA HOMENAGEM AO LADO FEMININO DA VIDA - pela poetisa goiana Sônia Maria Ferreira


ASAS DE BEIJA-FLOR

Serelepe sorridente buliçosa
ela chegou de repente
e começou a cantar
contou histórias gaiatas
contou taturanas pintadas
contou tentos no tempo
e fez previsão de futuro
Amou o passado
amor de filha amor de amante
amor de gente. Cochichou
aos ouvidos da história
Fez cócegas em S. Francisco
Puxou o manto dominicano
E pediu perdão pro Senhor
Brincou. Brincou com águas azuis
com força de lua nova
Ficou debaixo da choça
Bebeu pinga com limão
Dividiu o chá da alegria
deu receita de graça
e saboreou um raio de sol
Encontrou-se com a lua
Sem medo do galope épico
do lírico São Jorge
Participou de serenata
Montou na garupa do Santo
e começou a correr
passou por muitas primaveras
abraçou cada folha de outono
absorveu todas coares do inverno
suou suor de povo
molhou-se toda de azul
no orvalho de muitas manhãs
Vestiu avental. Fez comidinha
Mimou criança de colo
E se tornou berço do mundo
Fiou aconchego de algodão
Lavou roupa na bica
Rezou muitas ave-marias
e moeu muito café
teceu colcha de risada
— Tem jeito de menina
asas de beija-flor
e açúcar de manuê...
— Ainda não sabem quem é?

_______

Minha maior inimiga Sônia Maria Ferreira, prepotente ao máximo, egoísta (no bom sentido), burguesa ao extremo. Mas o poema é lindo, por isto permanecerá aqui.


Sonhos de Sônia

Numa de minhas crônicas afirmei, certa vez, que por essas esquinas da vida, onde a solidariedade humana se mede na grandeza do sorriso, encontrei Sônia Ferreira. Digo encontrei, itálico, por entender que o verbo aí deva tomar uma conotação diferente, deixando a pessoa física para buscar a espiritual.Isso mesmo, fui até o fundo, conheci a alma de Sônia e vi que somos irmãos-gêmeos em tudo. Viemos da mesma aldeia (o mundo interiorano), habitamos o mesmo castelo (de sonhos) e acreditamos na palavra (poesia), como recurso indispensável para reinventar a vida.Filha do folclorista e líder comunitário Joaquim Luiz Ferreira e da artesã Leolina Gonzaga Ferreira, ambos falecidos, Sônia nasceu em Orizona, antiga Campo Formoso, de Benedicto Silva e Zequinha da Costa. De lá saiu para o mundo da cultura, levando no embornal todos os conhecimentos adquiridos na sua aldeia. Daí sua fidelidade à terra goiana, às nossas raízes culturais. Bacharelou-se em Línguas Neolatinas, buscou mestrado na PUC do Rio de Janeiro, tornou-se conhecida, como pesquisadora, jornalista, cronista e poeta. Abrindo os braços e estendendo as mãos, criando, apoiando, amparando, solidarizando-se, conquistou o seu espaço, todinho dela, inteirinho dela.Fundou o Centro de Cultura da Região Centro-Oeste (Ceculco), que ela carrega nos braços e no coração. Em vinte anos de existência, o Ceculco fez história, conquistando Brasília, conquistando Goiás, deixando um rastro inesquecível de realizações culturais. Inquieta, madrugando nas madrugadas, antecipando as horas, Sônia não pára. Correu o mundo, desceu na Europa e abriu a bagagem e toma presentes: livros de autores goianos para os europeus! Retorna ao Brasil, na cabeça um mundão de sonhos ou de Sônia. Articula projetos, cria o Grupo de Brasília com suas idéias, incendeia Goiânia e corre para Orizona para fundar uma Academia, que nasce no casarão restaurado de seus pais.E cadê Sônia? Voou para Santa Catarina, onde fundou a Ciranda de Artistas do Balneário de Camboriú. E por lá ficou algum tempo. Fez amigos. Amável, sorriso sempre aberto, abriu seu coração goiano, estendeu sua mão generosa, tornou-se conhecida, amada, estimada. Conheceu e tornou-se amiga de muitos intelectuais. Aproximou-se de Theobaldo Costa Jamundá e Paschoal Apóstolo Pítsica, historiadores, nomes expressivos da cultura catarinense. Aliás, foi através de Theobaldo Costa Jamundá, que tornei-me sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Havia lido o meu livro General Curado — Estudo Biográfico, e me fez o convite. Sabiam que o nosso Joaquim Xavier Curado, o General Curado, que nasceu em Pirenópolis, governou Santa Catarina? Fui a Florianópolis, em companhia do médico e acadêmico José Normanha e tomei posse no Instituto. Era honra demais, tinha de comparecer. Agora, Sônia toma de assalto Santa Catarina, onde o nosso Gabriel Nascente abocanhou o prêmio nacional de poesia. Estende o manto da cultura goiana na terra de Cruz e Sousa. E vendo e sentindo o amor de Sônia pela cultura, lembro-me da imagem do poeta negro, autor de Broqueis: “Agora, fechando-os, como para adormecimentos vagos, vejo-te no entanto, melhor, sinto-te eterisada, de uma essência finíssima, onde há diluidamente talvez, muito do sol e muito da lua”.
( José Mendonça Teles - 17-11-1998)

Nenhum comentário: