Esta é a história do meu Menino Jesus
Ele mora comigo na minha casa a meio do Outeiro.
É a eterna criança, o Deus que faltava.
Nem sequer o deixaram ter pai e mãe
como as outras crianças.
Seu pai eram duas pessoas: um velho caripinteiro
e uma pomba estúpida, a única pomba feia do mundo.
E sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher, era uma mala em que ele tinha vindo do céu.
E queriam, que justamente ele, pregasse o amor e a justiça.
Hoje ele mora comigo na minha aldeia.
E é apenas humano.
Limpa o nariz com o braço direito.
Chapina as poças d'água.
Colhe as flores, gosta delas, esquece-as.
E porque sabe que elas não gostam
e toda gente acha graça
ele corre atrás das raparigas que carregam as bilhas na cabeça
e levanta-lhes as sáis.
A mim, ele me ensinou tudo.
Ensinou-me a gostar dos reis e dos que não são reis.
E tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente.
Sempre a escarrar no chão e a dizer indescências.
E que a Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meias.
O Espiríto Santo coça-se com o bico.
Empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é tão estúpido como nas igrejas.
Diz-me que Deus não percebe nada das coisas que criou.
Do que duvido.
Ele diz por exemplo que os seres
cantam a sua glóira.
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Eles apenas existem e por isso são seres.
Ele é humano que é o natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E é por isso que eu sei com certeza
que ele é o Menino Deus verdadeiro.
...Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança.
Carrega-me tu ao colo.
E leva-me para dentro da tua casa.
E deita-me na tua cama.
Cante cantigas caso eu não queira adormecer.
E dá-me os sonhos teus para eu brincar...
(Fernando Pessoa)
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