quarta-feira, 12 de setembro de 2007

ENCANTOS DE ALZIRONA










(Sinopse do capítulo: Mistérios e Encantos de Alzirona, do meu livro: Anjo sem asas : tio Inácio cheio de graças. Publicado pela Editora Kelps: Goiânia-GO, 2006).
Alzirona era gostosamente vulgar. Besteirenta, altiva, esguia, pecoçuda. Quando tinha certeza de alguma coisa ela já berrava: - "Dô meu cu pros cachorro na Rodoviara se num fô isso..." Aliás, cu, era a palavra que não saia da sua boca. Sempre associada a tudo. Quando uma coisa era muito boa ela falava logo: - "Foi mió do que dedo no cu..." Quando alguém não cumpria o prometido: - "Quem num tem cu num faiz trato cum pica..." E por aí vai...
Quando ela ficava anciosa, coçava as partes mais íntimas com tanta força e tanto frisson, que até parecia querer se livrar delas. E depois de olhar discretamente e se certificar que não tinha ninguém vendo, ela levava, de forma sorrateira e escondida, o dedo no nariz e inspirava fundo e lentamente. Com um sorriso de prazer nos lábios, com um suspiro longo e que parecia vir da alma. Ela fazia uma cara de quem sentia o melhor dos orgasmos, o maior dos prazeres. Acho que só por saber fazer isso Alzirona era muito mais feliz do que muita gente boa que anda por aí com cara de pura, de honesta... Gente que não sabe nada dos prazeres da vida...
Além de tudo Alzirona era meio lésbica. Tinha vontade de transar consigo mesma. Um gênio. Uma mulher mais que especial.
Boa de dança, não se pode negar. Era inquieta, exibida, metida a besta, de nariz arrebitado, sempre. Sapateava flacamencamente com sua postura de bailarina já meio tonta àquela altura da noite fria e carregada de lua. Com aquele olhar vesgo e os tamancos de madeira estalando no chão. Ela rebolava segurando a saia farta na altura das ancas. Pisava miudinho e freneticamente por horas, até suar. E o pó de arroz barato e abundante descer às bolas pela cara, pelos seios, entrando no 'soutien' de seda bordada, que um dia já foi branco...
Ela não perdia a pose e nem a chance. Não trocava por nada seus momentos de glória. Uma filósofa, ela era. E sabia muito das coisas. Alzirona sabia muito mais que Sócrates e Aristóteles juntos.
Sempre atenta, para ver se tinha platéia para o seu espetáculo. Era quando agarrava o Chico da França, que nem francês era. Na verdade, era de Franca, no interior de São Paulo, mas aproveitava a coincidência para mentir e forçar o sotaque, até que o apelido pegou. E não há mais quem tire.
E os dois bailavam tão soltos que a sanfoninha quase não se segurava. Davam tremendas voltas no salão com a saia dela batendo as pontas nas pernas das pessoas.
Alzirona era barulhenta, bem-humorada, sacudida e virada no bofe. Ela podia. Seu misto de de santa, deusa, rainha e puta, dava-lhe o direito de escandalizar com seus berros, urros, gestos estapafúrdios. Lá pelas tantas e com muitas "louras" na cabeça, ela começava a gritar no meio da dança: - "IIh! Ruu! É ferro no cu da pobreza!" Enquanto o seu parceiro, Dito da França, homem casado e pai de família que já dançava com a puta, o que já era mais que motivo para dar escândalo e apanhar em casa, repondia entre dentes, para que ninguém e todo o mundo escutasse: - "Ih! Ruu! É cu no ferro da pobreza!"
Muita gente ria. As crianças, envergonhadas, olhavam para suas mães, com as mãozinhas na boca, num misto de escândalo, graça e susto, querendo a qualquer custo conter o riso que se teimava em explodir. Elas as repreendiam, dando bronca e fazendo um bico bem sério e bem feio. Algumas até recolhiam suas proles e voltavam para casa reclamando daquela sem-vergonhisse toda. E saiam pelas ruas escuras, enchendo os buracos e reclamando da vida, com as crianças chorando porque queriam ficar mais na festa...
Na outra volta, Alzirona e Dito da França refaziam o trocadilho e o pau quebrava até o amanhecer com cheiro de suor e de dança na roça. Alzirona dançava com seu parceiro e piscava para a rapaziada em sua volta, buscando garantir mais cliente para encerrar a noite. De manhãzinha, ela ia embora.Reclamando das dores nas pernas e pelo corpo. Com a flor de pano que tinha na cabeça, amassada na mão, embrulhada no xale suado, deixando ferpas e franjas presas ao capim cheio de flores que ladeava o riacho vizinho e testemunha dos seus encantos, pecados e farras. Cançado de ouvir suas gargalhadas rasgadas e a gritaria das mães e esposas que todos os dias chegavam armadas até os dentes, procurando seus maridos, filhos, noivos, namorados...Todos os dias tinha confusão. Das boas.

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