quarta-feira, 27 de agosto de 2014

POEMA DO MEU LIVRO: SIMPLESMENTE AZUL


CRIATURAS DE DEUS
Eu sempre falava
com as galinhas de D. Nina
( e, por isso mesmo, pensavam que eu era louco).
Conversava por cima do muro
e elas me davam todas as notícias
entre mandacarus, coqueiros e mangueiras
tão velhas quanto grandiosas:
árvores vividas, mestras profundas.
Elas me diziam ainda que a
Cachoeira do Vicente era conhecida 
como uma das mais lindas, que regava milagres 
e que eu deveria ir banhar nela,
pra não perder a juventude.
Tinham segredos em tons místicos
guardados a sete chaves.
Falavam das rezas, dos evangelhos,
misturando tudo com diretrizes políticas,
princípios antropológicos e tudo mais.
Eram cheias das teorias mais complexas
sabiam muito, principalmente, de todas as éticas
e seus fundamentos profundos e límpidos.
Eram togadas e algumas tinham 
até predileções metafísicas.
Quando eu falava das ciências dos homens,
suas universidades, os sofisticados laboratórios
de pesquisas, os requintes dos eventos intelectuais,
olhavam umas para as outras
desdenhando e dando de ombros.
Cochichavam entre si 
que eu tratava de coisas ridículas
e ínfimas frente à grandiosidade 
que jamais atingiriam.
As galinhas de D. Nina eram coloridas,
sábias e só falavam do que
conheciam profundamente.
Poderiam discutir com
os mais célebres sábios do mundo
quanto mais comigo...
É, elas frequentavam 
as melhores cátedras, academias. discursavam em púlpitos 
e estraçalhavam no bico todos os conhecimentos insanos,
quaisquer culturas que considerassem inúteis.
Dialogavam em línguas, tocavam instrumentos,
compunham, criavam, encantando o mundo inteiro.
Entediam de ópera, liam partituras em grego clássico,
faziam traduções preciosíssimas 
de todas as artes conhecidas e por conhecer.
Ciscavam entre bananeiras, matos, pedras estudando filosofia,
ciências requintadas, tratados, doutoramentos.
Pra mim, não existia companhia melhor.
E, claro, eu não entendia nada.
Apenas subia o morro assobiando,
jogando pedras e remoendo na cabeça
as coisas que eu ouvia delas
todas as tardes em que
eu ia me banhar no rio.
Mas só assim minha vida
de menino se fez possível
eu não me cansava de derramar graças
andando por entre flores e capins
seus companheiros de conhecimentos.
Eu cresci assim
guardando estes segredos irrefutáveis
que só eu dividia com elas e não podia contar pra ninguém, 
o que fazia parte do acordo tácito
entre mim, as galinhas
e as sabedorias que ardiam fundo dentro da alma.
E foi desta maneira que eu me fiz um eterno menino.
Felizmente, meio endoidecido.
Com forças para carregar
este mundo maluco.

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