quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

EDUCAÇÃO E ESCOLA: PARA QUE, PARA QUEM, CONTRA O QUE E CONTRA QUEM?


EDUCAÇÃO E ESCOLA: PARA QUE, PARA QUEM?
CONTRA O QUE E CONTRA QUEM?

 Antonio da Costa Neto


       
As raízes da crise na educação brasileira vêm, logicamente, desde que ela foi criada para a manutenção do paradigma colonizador europeu. Fundamentada, posteriormente, na ideologia norte-americana, que as fortalece estabelecendo o ensino como mercadoria e a escola como fábrica de operários e de consumidores em potencial. Pois, quem subjuga o trabalho e o pão, tem o controle e dita as normas, no sentido de garantir e ampliar as suas benesses ,e, assim, sempre. Ou seja, escola e educação fundem-se em uma única instituição burocratizada e antagônica aos interesses do projeto social maior. Mantida para gerir modelos econômicos internacionais e os interesses das elites capitalistas de todo o dito mundo civilizado.
           É urgente a necessidade de se ampliar os laços do compromisso da boa educação com o humano e o social, para a garantia de sua legitimidade. Não podendo mais ser uma ação fechada num processo mecanicista que a molda, inexoravelmente, para legitimar a acumulação do capital econômico e cultural, conforme Apple (1989) e para manter os privilégios do capital sobre o trabalho e da técnica sobre a vida. É o contexto das ideologias, que, segundo Chauí (1990), opera, tanto na prática quanto na teoria educativas, e, que, para entendê-lo precisamos de um outro olhar muito mais concreto para dentro da vida das instituições que formatam a educação e fazem-na acontecer. Constatando, assim, o seu esmagador poder de controle sobre as pessoas. O que acontece, não apenas por meio de currículos e conteúdos, mas nas suas múltiplas e dissimuladas formas de ação e de metodologias de ensinar e de aprender, “educando” para comandar e controlar massas sociais inteiras. Mantendo e classificando como normal a exploração de poucos sobre muitos. 
          Precisamos, com urgência, perceber a progressão histórica de nossa formação. E, sem sermos reducionistas, compreender nossas mudanças históricas, crises e associações feitas no conteúdo e nas formas ideológicas; paradigmas, que são, em parte, gerados pelas escolas e por elas, perpetuados, na maioria das vezes, de maneira ingênua, e, até, inconsciente. Assim, de acordo com Santiago (1996) a educação facilita os processos de organização e controle do trabalho na sociedade. Entre eles a separação – e a valorização – entre o trabalho manual e o intelectual. O divórcio entre a concepção e a execução está sempre constituído sob formas complexas e paradoxais na educação, até o presente momento. O que requer medidas corretivas eficientes e mais do que imediatas.
           As escolas parecem fazer uma série de coisas, mas, na verdade, elas são órgãos reprodutivos, na medida em que ajudam a selecionar e a titular a força de trabalho. E elas, sem que percebam, fazem mais do que isto. Ajudam a manter os privilégios por meios culturais, ao tomar a forma e o conteúdo da cultura e do conhecimento dos grupos poderosos e defini-los como um conhecimento legitimo, a ser preservado e transmitido a todos. E o fazem com a muita eficiência – o maior cinismo – nos métodos que dissimulam. Elas são, também, agentes no processo de criação e recriação de uma cultura dominante eficaz. Ensinam normas, valores, definições e uma cultura que contribuem para a hegemonia ideológica dos grupos dominantes. O que tem, inclusive, levado a vida a padrões quase que insustentáveis. Gerando miséria, fome, desemprego, degradação ecológica, violências, crimes, corrupção, etc.
           A educação, por seus instrumentos, pode, assim, atuar como uma legitimadora importante da ordem social existente. Pois, a sua vida cotidiana reforça aqueles valores meritocráticos que justificam a distribuição de recompensas diferenciadas e a separação entre bem-sucedidos e fracassados. Propiciando, assim, lições diárias de desigualdades e injustiças enormes. As práticas pedagógicas e curriculares usadas para organizar as suas rotinas são responsáveis, em grande parte, pelos fenômenos que fazem com que os estudantes internalizarem o fracasso, transformando-os em desajustados, conforme lembra-nos, belamente, em sua conspiração aquariana, Ferguson (2010). Reconduzindo, finalmente, a trajetória da exploração fácil, e, com ela, toda uma crise de valores, em que nos achamos mergulhados. A escola ajuda a retirar a consciência crítica. Bem ao contrário do que pensa fazer e o que tem amplamente divulgado.
           Enfim, a escola, como aparelho ideológico a serviço do Estado opressor, exerce uma função que produz agentes e valores, disposições e ideologias “apropriadas”. Transmitidos por formas ocultas – ou paradigmas – para responder aos interesses de uma sociedade e de uma economia iníquas. E, em seu currículo oculto, ela tenta ensinar aos seus alunos normas e valores que estão articulados com uma imposição particular de passividade, servidão, obediência e outros princípios de raiz de poder e de economia. A verdadeira tarefa dos alunos é a de sobreviver até que o sinal soe (Toffler, 1980).
           A análise deste conjunto de coisas pode nos fornecer pistas que nos ajudam a avançar, tanto nas funções sociais da educação e da escola, quanto nos valores por elas promovidos. O seu único, ou, pelo menos, o seu maior problema, é o ideológico. Sendo esta, uma grande questão de paradigma. E, somente, tendo uma visão muito mais refinada do que realmente as escolas fazem, na teoria, na prática, nas suas políticas e diretrizes, é que poderemos a começar a lidar com a série de mudanças que estão sendo aqui propostas. Precisamos entrar na escola e observar tudo isto de frente, sem medo, ou restrições. Analisando o funcional, o político, sua filosofia, seu interesse. Devemos descobrir que significados, normas e valores os estudantes, professores, técnicos, auxiliares, diretores e todas as pessoas, realmente, nelas experienciam.
           Apenas pesquisando esta série de fatos é que poderemos começar a agir. E, para isto, falta muito para formatarmos a nossa visão e a nossa consciência. Por enquanto, somos uma massa humana ingênua demais neste sentido (Costa Neto, 2009).
          Não é necessário grande esforço para observar que a educação em geral e a escola, em particular não avançaram. Não evoluíram tanto quanto as demais áreas da atividade humana. E o pouco modificado, o conservador cotidiano da escola, ainda é o mesmo de muitas décadas, séculos, talvez milênios, se relativizarmos o entendimento de tal denominação (Migliori, 1993).           
          Entendemos que as atuais dimensões da sociedade requerem, também, uma filosofia diferenciada de educação e uma outra proposta de escola. Que estabeleça novas relações entre professores e alunos e uma concepção diversificada de conteúdos, ciências, conhecimento e aprendizagem. Em essência, a escola não evolui. Ela foi feita para isto: a estagnação, a segregação. Legitimando no seu cotidiano, as injustiças sociais mais grotescas. Deste modo, as escolas, assim como estão, constituem um mal ou um bem?
           Aí temos uma boa reflexão. Elas mais atrapalham do que ajudam na tão esperada evolução da sociedade. Pois, refinam e eternizam dissimuladamente, a ganância, a exploração, a desordem. E disto, nós educadores deveríamos nos envergonhar. Mas, ainda não tomamos nem conhecimento de tal realidade. Trata-se de um problema paradigmático. Ao mesmo tempo, metodológico, filosófico, político, operacional, ou seja, um problema que envolve todos os aspectos. 
          E, conforme o percebemos, a partir dos seus pressupostos ideológicos. A questão é ampla e difícil, envolvendo teoria, prática e práxis. O que está muito além da mera aparência. Trazendo constatações filosóficas, éticas, políticas, sociais, além, é claro, daquelas marcadamente, econômicas. Sendo esta a complexidade que denominamos de paradigma, e, para tanto é que aqui buscamos e propomos novos caminhos, outras alternativas. Tais problemas tomam dimensão de desafio na superação do dilema: como formar pessoas que pensem que participem, que argumentem, que construam a realidade com a qual sonham e, ao mesmo tempo sejam servis, obedientes e serviçais à causa dos comandos hegemônicos que aí estão?
           Aí passamos por um momento crítico em que se vislumbra a profunda necessidade de reorganização dos conhecimentos, com uma outra dimensão bem mais complexa, buscando, assim, um Paradigma Novo. As pesquisas e o bom-senso têm demonstrado que os investimentos que precisam ser feitos são aqueles marcadamente afetivos, humanos e emocionais. Mas, por sua vez, calcados na consciência político-ideológica do que, como e para que fazer em educação. Remodelando as práticas pedagógicas e curriculares em todo o seu âmbito.
           É preciso que tenhamos consciência do para que e para quem; contra o que e contra quem podemos estar trabalhando. Vivemos, ainda, sob um emaranhado técnico, metodológico e operacional que já deu suas contribuições possíveis. Sendo fundamentado para ser posto em prática nas dimensões e momentos históricos já vencidos e superados. É, portanto, necessário mudar. Revolucionar, quebrar o arraigado senso comum. Adotando, por fim, um novo paradigma melhor e mais crítico, aberto, dinâmico, humano, sistêmico, flexível. Que busque, por si, a felicidade de todas as pessoas. Sem o quê, podemos estar fazendo tudo, menos, educação.
           E os avanços do nosso tempo não mais permitem aos educadores tamanhas omissão e covardia. O modelo educacional que temos não serve às dimensões das transcendências milenar e secular em que estamos vivendo. É preciso reverter a ordem e os valores. Os princípios que se mostraram eficazes até agora, estão dando sinais da mais absoluta superação. A centralização do poder, o raciocínio linear, a manutenção dos privilégios de poucos, a partir das concepções normativas de uma competição arraigada e inconsciente precisam ser suplantados em todos os setores da ação humana, sendo, na educação é que o passo inicial deve ser dado (Chomsky, 1995).
           O aluno que aprende construindo, aprende a construir. E, assim, reivindicar, questionar, criticar, mudar. Constituir seus sonhos e desejos. Tornando-se agente de sua história pessoal e social. A energia planetária clama pelo equilíbrio na distribuição dos bens, dos direitos e do resgate da qualidade de vida de todos. E, embora as elites sequiosas por ter e pelo comando, ainda teimam em aperfeiçoar seus estilos de competir e ganhar sempre: daí a imposição de fórmulas educacionais nocivas, inumanas e ainda hoje, mantidas. Enquanto que o instrumento preciso e inadiável é a cooperação entre todos e por todos. Numa abordagem muito mais ampla, complexa, coerente.
           É, encima de tais proposições, que devemos nos debruçar com a máxima urgência. Existe aí uma linha tênue e invisível que define ideologia, educação e a constituição da chamada nova ordem mundial em seus valores teóricos e práticos. É o que nos diz Bordenave (1972). Conduzindo, assim, as condições de vida das pessoas. O que só pode fazer perpetuar a exploração, a fome, a miséria, contra a vida e a natureza, em síntese, o caos. Ensinar e aprender são princípios e definições marcantes e definitivas neste grande processo. O que fica, patentemente, demonstrado nas inúmeras pesquisas que são feitas por estudiosos e instituições mundialmente respeitáveis, como podemos constatar a qualquer momento. O que nos dá a certeza de que a forma de se educar é ponto fundamental na definição dos rumos e do destino do planeta. Pois atua, por si mesma, na definição da personalidade dos seres que nele vivem e que conduzem a sua história pela ação, a destruição, ou mesmo, se omitindo em fazê-lo.
           E tudo isto é o resultado de como cada um se educa. E que depois, alia-se à corrente humana, em princípio, amorfa, mas na verdade, é a diretamente responsável por tudo o que acontece. E esta é uma matemática simples de se entender. Mas, para tanto, havemos de deseja-lo profundamente. Mas, pelo que nos parece, ainda não é o caso. A maioria dos educadores não acordou para isto. E os poucos despertos não estão, nem estarão, nem a curto, nem a médio prazos, suficientemente preparados, tal a gravidade da situação com que lidamos. O paradigma da elaboração unificada de políticas, diretrizes, administração educacional, práticas educativas e curriculares, sendo tudo definido e construído por todos é o caminho possível para a busca da solução para os problemas da educação formal das pessoas e da vida no cotidiano das escolas.
          A saída é pela construção coletiva de todos os processos educativos em todos os momentos e lugares sociais distintos. Falamos aqui de educação para abrir, e, não, para filtrar e manipular consciências, criticidades e possibilidades outras de intervenção no mundo. Portanto, conforme nos lembra Freire (1992), os princípios norteadores de conhecimentos interessantes e interativos ao contexto vivencial de quem ensina e de quem aprende validam esta experiência. O uso de metodologias promocionais e assertivas complementa a caminhada. Avaliação e promoção para construir seres humanos mais inteiros, mais abertos, mais críticos, perspicazes, vivos e felizes, são talvez as conquistas mais urgentes, importantes e necessárias que devamos fazer em educação.
           E então, partirmos para os embates mercadológicos, econômicos e trabalhistas, cuja importância, é claro, não podemos negar. Mas, tais elos se articularão harmoniosamente, respeitando a inteligência e as formas naturais de aprender e de se educar das pessoas, sem desrespeitar as suas contingências inconscientes e intelectivas, de forma tão brutal, como a educação – especialmente, a capitalista – tem feito, aliás, com invejável competência.       Devemos trabalhar para isto, sim, mas, somente, a partir da construção de personalidades mais inteiras, íntegras, humanas, competentes e solidárias frente às exigências do momento histórico em que vivemos e suas perspectivas futuras.
           Este é, a meu ver, o grande objetivo, a grande meta da educação com a qual, sonhamos. Dizemos que fazemos, mas, negamos tudo nas nossas práticas e táticas. Na medida em que “estrupramos de forma cruel “ nossas cabecinhas inocentes, no ímpeto de prepará-las para o mesmo mercado que renega as suas vidas, as consome, enquanto mata a criatividade, o senso crítico, o lúdico, o sentimento, enfim, o ser político. Ao longo de seu processo histórico, a educação, por meio de suas instituições, mecanismos, recursos e legislação tem primado pelo exercício exclusivo da qualidade formal – e esta, nós não podemos negar, pois ela aí está a olhos vistos, por meio da ordem, da disciplina, da limpeza das instalações, das filas impecáveis, no cumprimento dos horários, nos diários de classe sem nenhuma rasura. O que, na verdade, traduz a qualidade do se diz que faz. Mas falta a essência, a qualidade política, aquela que define os porquês, para que, para quem e contra quem se faz. 
          A educação formal serve, tão somente, para legitimar e camuflar a opressão do Estado: alienar as pessoas e adequá-las aos regimes, domínios e imposições. Em síntese, escola e educação congregam a escravidão moderna, a escravidão de acrílico de que nos fala Chauí (1997), quando cita o seu refinamento por meio dos controles dos mercados dos tempos de hoje. Por outro lado, existe uma certa cegueira conceitual e prática por parte de seus agentes e usuários que se mantiveram meio que conformados e satisfeitos com seus processos, por séculos a fio, sem entenderem os seus revezes. E isto, pelo menos, historicamente, deve chegar ao fim com o advento do terceiro milênio, a chamada era do conhecimento.
           A qualidade formal deverá associar-se à qualidade política, em que aparência e essência deverão ser circunstâncias conjugadas, tanto na teoria, quanto na prática. Levando, portanto, à práxis desejada e necessária para que a vida persista. Não haverá mais espaços para apenas se dizer que faz, como se aprazem até hoje, os educadores cínicos e céticos. Os negocistas que transformam a educação em mercadoria vendida diretamente nas instituições particulares, ou, pior ainda, paga com o suado dinheiro dos tributos e impostos saqueados do cidadão que trabalha, no caso das escolas públicas de todos os níveis. Não basta mais o discurso da escola transformadora e cidadã. Ela terá que, para isto, colaborar, de fato, para a transformação da cidadania, em termos qualitativamente, aceitáveis: trabalhando para todos e, não, apenas para aqueles que comandam os regimes, usando, desta forma de subterfúgios, métodos e teorias absolutamente enganadoras. O que eu diria, cometendo algo maior que um crime, o que não se descreve dentro da nossa legislação fraca, ultrapassada e, eminentemente, pequeno-burguesa.
           E isto prescinde de mudança, de planificação dos novos paradigmas. E aqui apresentamos uma das muitas propostas, das infinitas linhas de pensamento que existem. Durante todo o tempo a educação se firmou em bases, essencialmente, elitistas e impositoras. A bem da verdade, a educação formal existe para inculcar em todos as ideias e interesses dos poucos que comandam os ditames da vida; o que deverá sofrer uma transformação radical em todas as instâncias. E, portanto, os modelos de escola e de educação que temos, já não servem mais.
           A escola deverá atuar mais pró (como diz que faz), e, não contra (como faz) aos seus servidores, classe trabalhadora e seus usuários gerais diretos (alunos) e indiretos (comunidade e classes sociais diversas a que julga servir). E não, ao contrário, como se repete na história e no tempo de todos os homens e mulheres. A escola e a educação deverão se ocupar em transmitir e produzir conhecimentos e saberes que sirvam, de fato, a cada indivíduo e a todas as instâncias. É de que nos fala Brandão (1980) quando retrata que elas se ocupam de instrumentalizar uns a serviço de outros. Culminando na perpetuação dos regimes impostos por sistemas e realidades que queremos transformar. E afirma ainda que ao contrário, a educação exerce sua ação numa sistemática absolutamente antagônica: perpetuando, exatamente, o que deseja mudar, daí o caos.
           Chegamos a um tempo em que a educação e a escola precisam deixar de ser cínicas e imaturas em relação ao que fazem, o que, na verdade, dificulta e inibe os resultados que se esperam. Enquanto os educadores, “altamente preparados” continuam como crianças tontas fazendo a mesma coisa e esperando que tudo seja diferente. Nossa concepção consiste em partirmos do caos para revigorarmos políticas, diretrizes e propostas na operacionalização de um novo fazer pedagógico. Mas, sim, de forma radicalmente nova, diferente, não só no discurso. Pois, disto, já estamos todos muito mais que exaustos. Mas, culminando numa práxis diferenciada. Restaurando a qualidade de vida em termos concretos. Sem o quê, não estamos, em absoluto, educando ninguém. Por ora, a educação se mantém por detrás de um discurso escorregadio que tenta – mas nem sempre consegue – ocultar as raízes de sua própria crise.
           Enquanto isto, o caos se perpetua e se agiganta. É preciso, portanto, transcender a tudo isto e se começar a educar sobre novas bases. Concretizando outra realidade, um novo poder, novas relações, solidificando e solidarizando o viver com dignidade. Ajudando a restaurar, de fato, a melhoria contínua da qualidade de vida humana em sociedade (Mafesoli, 1997). 
           Ensinar e aprender os saberes necessários a uma vida, substancialmente, melhor. Criando e implementando, técnicas, métodos, objetivos e gestão que facilitem a esta modalidade histórica do que seja educar as pessoas. Tornando transparentes e vivas tais razões e momentos. Reconduzindo a humanidade em função dos novos tempos e das exigências vivenciais de um mundo, a cada dia, mais caótico, tumultuado, o que, toda educação não pode se dar ao luxo de ignorar. É preciso transcender, iluminar e conduzir para esta prática que valorize a vida e contribua para que se extermine as diversas formas de exploração. Construindo reais companheirismos; verdades para além da ciência fria e estereotipada por uma certa ordem que não serve mais a ninguém. Sendo compulsória a necessidade de transformação.
             A saída do modelo cartesiano de pensar e de fazer educação, para uma proposta aberta, sistêmica, proporcional, integrativa, harmoniosa, lúdica, feliz requer uma atitude revolucionária – sem o pavor desta palavra que, geralmente, temos, pela nossa pequenez e covardia – de todos os que, direta ou indiretamente, atuam neste processo. Necessária se faz a percepção de pequenas coisas, enfim, sutilezas do cotidiano da escola e a brutal crueldade – concreta, simbólica, psicológica ou política – de certas exigências, normas e regras. Mais uma vez refletir sobre a essência e da necessidade de trazê-la à tona, fazendo-se presente e real, e, não, como mera circunstância que, se por acaso ocorre, é, sem dúvida, para a insatisfação de muitos, tal o nosso atraso conceitual e prático neste sentido. Só assim é que estaremos começando a pensar na verdadeira educação para concretizá-la por inteiro. Sem os paradoxos neutralizadores que veem eternizando suas crises e o seu fracasso desgastante (Habermas, 1990).
           O educar passa, assim, a ser e ter uma função da maior importância para o presente e o futuro da humanidade, em seu caráter formal ou informal. Sendo mais do que a simples materialização de relações humanas em contínua evolução. Fazendo transcender valores e culturas outras, enfim, modificando as pessoas e suas mentes no sentido de melhorá-las, na medida em que passam a entender a fundo o real concreto que as cerca, isto, em todas as dimensões. Aí sim, começamos a falar de educação. E não, da mera instrução funcional e comprometida com a ideologia de poder no exato sentido de mantê-la e ampliá-la. Que é, sim, o que as escolas têm feito, deixando, marcadamente, uma horrenda defasagem histórica, na medida em que seus agentes são desconhecedores de tal fenômeno.
           Sendo apenas isto o que precisa e deve ser superado, e, todo esforço feito neste sentido ainda será pouco. É necessário compreender que como seres vivos – mamíferos e de sangue quente como tem sido feitas as modernas conquistas da antropologia – nós competimos sempre uns com os outros. Seja, consciente ou inconscientemente. O que, pela educação e por meio de sua instituição oficial, a escola, o fazemos de forma implícita e politicamente dissimulada, sem que entendamos tais minúcias.
           A formação dos educadores quer nas licenciaturas ou pedagogias – diria eu que nestas, até especialmente – encarrega-se de criar este muro divisor entre uma coisa e a outra. O que é feito com espetacular categoria e de maneira muito eficiente, nas faculdades de educação alheias ao processo de evolução histórica da mesma sociedade. Licenciados e pedagogos tornam-se verdadeiros analfabetos neste sentido, à medida que se enchem de técnicas e teorias que são manipuladas como recheios mentais para isto. E se não vencermos esta batalha estaremos esmurrando o vazio quando falamos em busca de solução para os problemas educacionais de hoje, basicamente, em todo o mundo.
             Sei que muitos educadores ao lerem estas linhas sentirão o tradicional arrepio na espinha. Terão nojo, asco e até vomitarão de repugnância. É que os trabalhadores funcionais da educação têm sempre, diante desta verdade, a mesma reação dos vampiros que, nas ficções de terror, se veem diante da cruz. Mas não sabem que tudo faz parte dos prenúncios ideológicos de um mundo burguês, centralizador, repressor e periférico que insiste em continuar vivendo dando a poucos o poder de explorar e confundir muitos. Assim, como nas nossas tradicionais salas de aula, por exemplo. É só uma questão de arregalar criticamente os olhos para enxergarmos. Qual seria, pergunto, o sentido real de grande parte dos conteúdos que ensinamos? Por que se muitos alunos não respondem, nas provas ou lições diárias, o que quer, pensa ou dita um único professor é a maioria que é punida, rechaçada, reprovada, expulsa? Por que as salas de aula são classificatórias, com primeiros, segundos e últimos? Não estariam aí ocultas lições de desigualdades que se reproduzem do lado de fora da escola, ou seja, no real concreto da vida de todos nós?
           Mas ouse discutir isto com professores ou pedagogos. Leve, se tiver coragem tais questões para os encontros, os congressos de educação, as reuniões pedagógicas, ou até mesmo para os sindicatos da classe. Certamente, quem fizer isto – como eu agora – terá motivos de sobra para chorar, se arrepender. Se amargar na solidão e ser excluído dos ditos ambientes educacionais caóticos, confusos e perdidos nos becos da história. É que os educadores – especialmente, os cristãos – como diz-nos Russel (1972) não se cansam de crucificar e destruir seu mito maior para depois santifica-lo em templos, para se passarem por seus bons filhos, os benfeitores das almas, os salvadores dos homens e do mundo. Já deveriam fazer parte do passado os tempos em que a educação e o ensino poderiam ser caracterizados como espécies de “camisas de força”. Atuando num processo de contínua manipulação, neutralizando, politicamente, vontades e desejos.
           Deveriam, tais processos, ser, hoje, personalizados, lúdicos, transcenderem felicidades, sendo, politicamente, assertivos. Ou seja, realizados em favor de todos e para o proveito real da humanidade, o que requer uma profunda reversão do que é feito. E não, de meros aprimoramentos. Mentiras técnicas que são contadas com rigores e metáforas que levam-nos a acreditar nelas, repetindo, viciosamente, os mesmos ciclos amargos dos destinos da história das civilizações, infelizmente.
           Deveriam já estar fundamentados na felicidade, na alegria, no prazer de se contribuir, de fato, na construção da própria história. Para dela se usufruir vivendo de forma próspera, bela, confortável, e, principalmente, solidária. Assim, poderíamos, então, começar a pensar e a fazer acontecer, saberes, métodos, técnicas, formas de avaliação, gestão escolar que possam convergir, de fato, para um, ainda utópico processo educativo: o de buscar e contribuir para que germine dentro de cada pessoa todo o seu teor evolutivo, tornando-a capaz de uma reflexão e ação conscientes que fluam a serviço do todo e de todos, fazendo melhor o mundo que nos cerca por meio de nossas melhorias próprias. Afinal, educar não é só enfiar na cabeça das pessoas as letras, os fragmentos das artes, da história. Fazer reproduzir sílabas e números, agrupá-los e sistematiza-los. Isto é, miseravelmente, pouco frente a complexidade do ser humano. O que a absoluta maioria dos educadores está muito longe de desconfiar, muito menos, de conhecer.
           Tudo isto consiste num desafio interminável. Que é marca de conflito, de luta, de transformações radicais, em síntese, de adoção dos tão discutidos novos paradigmas. O que significa na prática, ao menos buscar, por meio do exercício educativo formar indivíduos inteiros e contextualizados à dinâmica do mundo. Relativizando as condições, evidentemente, cronológicas, históricas e sociais de cada indivíduo. Daí a complexidade, a diferença, a personalização que, arduamente, defendemos e que devem estar presentes em todos os momentos do processo. Se tal meta não for cumprida, a educação não existe é neutra. Uma ação social nula, vazia, dispensável, e, por isso mesmo, desvalorizada, inclusive, profissionalmente. Tornando comum e normal em termos macro, as contingências e problemas salariais e trabalhistas, cujas discussões ocupam todo o espaço de tais categorias. Mas elas deveriam, antes, corrigir suas falhas gritantes, gravíssimas e, historicamente, acumuladas.
           A educação e os educadores precisam deixar de formar, ridiculamente, as elites capitalistas exclusivistas e os ingênuos servidores destas; portadores de uma moral escrava, sem precedentes e descabida nos tempos de hoje. A palavra de ordem em educação é, por ora, a busca do equilíbrio entre os polos articuladores das várias realidades vivenciais que integram seus muitos aspectos: individuais, sociais, culturais, políticos, ecológicos, dentre outros. E fazê-lo para todos. Buscando cumprir a pluralidade democrática tão antiga no discurso, mas ainda por vir no real concreto da vida das pessoas.
           Cabe à educação desenvolver mentes em evolução tão complexas, saindo, portanto, da vergonhosa mediocridade que ainda pratica. Pensando, sistematicamente, a educação, não há como diferenciar, de forma mais ampla, programas, ações e currículo. Pois, tudo se define por uma axiomática comum e transdisciplinar entre políticas, diretrizes, filosofia, planejamento e ação; tudo num só bloco, como partes que harmônica, e, ativamente, se complementam. Assim como deveriam ser as mudanças educacionais, não podendo, na verdade, ser operadas de forma estanque e, nem mesmo, gradual, mas simultânea: gerando choques, sustos, provocando o que poderíamos chamar de revolução cultural (Postman, 1986).
           Neste prisma, entendemos que ciência, educação, óticas novas, tecnologias diversificadas, modernidades outras e tudo o mais que se insere neste contexto caminham para a unidade em busca da perpetuação da vida. Redefinindo os valores necessários e tornando mais translúcidas as soluções para os problemas comuns existentes. Para o que, faz-se necessário colocar um fim definitivo nos comodismos e nas subserviências por meio de ações mais conscientes. Afinal, acredita-se que nós, educadores, somos, até por força de lei, suficientemente, preparados para tal. Formamos uma legião de intelectuais, de graduados para o exercício de tão nobre função. Devemos, então, agir como requerem a dinâmica do mundo atual e as perspectivas do terceiro milênio, da era do conhecimento, dos valores, da pluralidade, da decência, das conquistas dos direitos humanos, tão em moda como nunca estiveram.
          Tudo no mundo civilizado acontece a partir dos rumos e comprometimentos ideológicos, no sentido de se mostrar como justas e normais todas as formas de exploração, o uso abusivo do poder, a concentração da riqueza e dos privilégios nas mãos de poucos. O que se torna impossível, sem o uso, o abuso e a exploração de muitos; sobretudo, da classe trabalhadora, dos mais humildes, ingênuos e carentes. É assim que se dão as fábricas das leis, dos registros, domínios, estatutos, contratos. É a forma como se constitui a comunicação, a religião, a crença, os valores, a família, as organizações, enfim, tudo.
            Conduzem-se as relações humanas para justificar, o bem-estar, o poder, o status quo dos que dominam o mundo. Na educação não é só assim, como dela é que emanam todos os demais processos para a definição de como se legaliza e se coloca em prática a vida, seus encantos, misérias, dores, conflitos, enfim, todo o cotidiano. Tudo respira ideologia com base no comprometimento com as elites, com o poder. E, claro, a educação, a escola são os elos onde tudo isto se define. Portanto, elas trabalham contra a vida e a favor do poder. Contra o ser humano e em benefício do capital, seus construtos e benesses.
           Escola e educação atuam contra quem pensa contribuir, para o quê, inclusive, manipula e justifica o uso de técnicas, métodos, programas e ações, que se fundamentam no blefe, no engano, na mentira. Elas fundamentam e ajustam o ser humano para a legitimação do caos. Pois, ele, sendo eterno, se perpetuam benesses e privilégios, para quem, supostamente, se protege e se mantém, ainda que temporariamente, fora da sua esfera. Nós, educadores, ao contrário do que acreditamos, somos, mesmo, os algozes do mundo. Os dificultadores da vida, legitimadores da dor e do conflito que tanto padece a humanidade desesperada e pedindo por socorro. Saber e acreditar nisto é só o início do diagnóstico, que, embora nefasto é bem mais que necessário como ponto de partida para a recondução da história da educação rumo ao que acreditamos  buscar.
           Mas ainda falta muito, talvez tudo. Arregacemos, portanto, as mangas. Respiremos fundo e partamos juntos para o passo inicial. Pois, temos pela frente, uma caminhada bem longa, talvez suada e com muitos sacríficos, os quais, a maioria de nós poderá não resistir ou acreditar na sua necessidade. E não podemos de nenhuma maneira, continuarmos assim, tão ingênuos e inocentes úteis à desgraça da vida. 
          Mas este precioso embate será repleto de bênçãos. E nos conduzirá rumo à luz que alimentará nossos corpos e nossas almas. Dando-nos o melhor de todos os presentes que como bons educadores, passaremos a merecer: a consciência tranquila do dever cumprido. E a certeza de sermos atores na construção da história humana que, embora não saibamos, mas ainda nos mantemos na contramão dos fatos. Coibindo, talvez para sempre a cidadania, a dignidade humana que julgamos construir.

 Referências Bibliográficas:

 APPLE, Michel. Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
 BORDENAVE, Juan Diaz. O que é comunicação. São Paulo: Brasiliense, 1972.
 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A questão política da educação popular (coletânea). São Paulo: Brasiliense, 1980. 
CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 1997.
 CHOMSKY, Noam. A velha e a nova ordem mundiais. São Paulo: Scritta, 1995. 
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