sábado, 22 de maio de 2010

MAIS UMA VEZ A EDUCAÇAO



(*) Antonio da Costa Neto

Para nós, educadores, é muito comum defrontarmos com uma com uma questão que vem de encontro a uma séria discussão feita atualmente pelos grandes pensadores do tema em todo o mundo. Trata-se do que as escolas têm feito para que seus alunos, de uma maneira geral, não se predisponham a gostar delas, a freqüentá-las e a realizar as ações relativas às funções e às tarefas dos estudos. Em síntese, a grande maioria dos alunos não gosta de estudar, de ir à escola. Pelo contrário, sente um prazer incontido em depredá-la, pichá-la, destruí-la. E, se pudesse, abandona-la-ia imediatamente e para sempre.
Os alunos só gostam mesmo é de falar em férias, recessos, folgas e feriados, mantendo um desejo em segredo: de que a greve dos professores chegue logo e que perdure por longos meses a fio. Numa pesquisa feita para uma dissertação de Mestrado a pesquisadora detectou que a frase que os alunos mais gostam de ouvir, sendo motivo de ovação e alegria é a seguinte: “... Amanhã não haverá aula...” Ora, alguma coisa está profundamente errada com a educação, a escola, seus processos e atividades. Por que, de uma maneira geral os alunos ficam tão contentes com a possibilidade de se livrarem dela, mesmo que seja por um único dia?
Recorro aqui ao clássico discurso da escola como aparelho ideológico a serviço do Estado opressor, o que, infelizmente, grande parte da categoria dos educadores não quer entender, resistindo bravamente a todo processo de uma mudança completa, necessária e inadiável. Quando você vai por exemplo, a um restaurante e o prato escolhido está muito salgado ou cru e deveria estar bem assado, a culpa não é sua, enquanto cliente, mas de quem o fez, dos cozinheiros, chefes, enfim, da equipe responsável pelas tarefas culinárias. O mesmo acontece com a escola: os profissionais que nela atuam é que são os diretamente responsáveis por seus processos e resultados. Eles é que precisam descobrir fórmulas de motivar os alunos, de integrá-los à ação da escola, avivar a vontade, o interesse, o prazer de estudar e de estar na escola.
Ainda hoje, ao contrário do que pensa fazer, boa parte dos educadores, sobretudo os mais convencionais e ortodoxos, está a serviço de uma ação contra o ser humano e a favor do capital. Contra o aluno e a favor da estrutura econômica. Contra a vida e a serviço do poder, da dor, do sofrimento das pessoas e das agruras do mundo. Os educadores fazem de tudo para ensinarem o que os alunos não precisam, mas ao contrário, odeiam e rejeitam porque não serve a eles, mas para adequá-los aos interesses das empresas, do poder, da economia internacional. O grande problema, talvez o único é que os educadores, ao exercerem suas funções profissionais se esquecem que vivemos num mundo dual, de elite e massa, de dominantes e dominados e querem fazer de tudo para beneficiar os comandos, sucumbindo os condenados à exploração fácil. Basta analisarmos as lides da escola para entendermos isso. Mas como faz parte de um quadro conceitual com milênios de história, torna-se muito difícil mudar, no mínimo que seja, a sua perspectiva.
E eles, os dominados, a massa, os oprimidos, ou sejam, os alunos, por sua vez, ao se verem preteridos de possíveis conhecimentos e aprendizados que figurem entre os que vão ajudá-los a viver melhor, se rebelam contra a escola, o que, segundo Rubem Alves pode significar um processo psicológico de defesa, o que ele considera como um fator humano absolutamente natural, quando diz: “Por vezes a maior prova de inteligência se encontra na recusa em aprender. É que o corpo tem razões que a didática ignora. É preciso discernir o que é bom para a vida daquilo que só é bom para o lucro”. Não posso aqui deixar de concordar com ele, até porque tem sido este o meu discurso e a minha luta enquanto profissional da educação durante anos.
Entendo que o fracasso da educação e da escola, a resistência dos alunos, a reprovação, o vandalismo, o desinteresse, enfim, a crise educacional é responsabilidade exclusiva dos professores e dos gestores da escola em todos os níveis. E para solucionar isto é preciso que se debrucem sobre este conjunto de causas. Que passem a entender o papel e a dimensão política e social do que fazem e como fazem. Isto mesmo, para melhorarmos os processos e resultados da educação e da escola, são os seus profissionais é que precisam primeiro, mudar e não, seus freqüentadores, seus alunos. É a escola que tem que se adaptar os interesses dos alunos. É este o jogo político que precisa ser reformulado, e não o contrário, como querem os conservadores, os convencionais, os pseudo-educadores alienados da dinâmica do mundo e seus revezes.
Quase nada do que a escola ensina tem o menor interesse para a vida, o cotidiano, as descobertas, a felicidade. Ingenuamente, as escolas apenas ensinam o que deveria servir aos interesses hegemônicos das elites do mundo, à ultrapassada burguesia, aos domínios do capital sobre o ser humano. E o faz por meio de instrumentos adestradores, aniquiladores da vontade, do prazer, do desejo. Em síntese, a escola acaba se transformando numa arena de sofrimento, negação, desprazer e obrigações, não proporcionando interesses ou motivações outras. Mas, ao contrário, numa grande ênfase ao martírio simbólico como se o aprender na escola fosse o mesmo caminho do boi que parte silencioso para o matadouro. Estar na escola é um imenso sacrifício para muitos, principalmente para os mais inteligentes, perspicazes, críticos, inquietos, criativos, que são, justamente, aqueles mais propícios, sem a devida orientação, ao vandalismo, ao quebra-quebra, ao questionamento, à algazarra, à farra.
Precisamos repensar a escola e a educação com muita profundidade e fazê-lo a partir de sua dinâmica interna, ou seja, da cabeça de quem as faz funcionar. Os educadores devem dominar um novo e revolucionário conceito do que seja a educação e suas práticas. Enxergar criticamente o papel da educação e seus condicionantes políticos e psicológicos em relação à evolução histórica do mundo e da vida, percebendo os serviços e desserviços que prestam à sociedade. Os revezes que fazem acontecer e os infinitos erros que cometem contra seus próprios alunos, por conseqüência de uma cegueira conceitual que lhes é imposta e contra a qual não conseguem revidar. Vivemos hoje num mundo dinâmico, de uma tecnologia vibrante fruto da fina inteligência do homem que não pode mais se submeter a esta brutal ignorância. Sobretudo, dos que são supostamente preparados para educar, orientar e conduzir as gerações mais jovens para a sustentabilidade, a melhoria da vida.
À revelia dos avanços tecnológicos, dos ciclos econômicos e produtivos, a escola é uma das instituições mais conservadoras, antigas, tradicionais e estagnadas. Ela continua na idade da pedra, literalmente – os professores para ensinar ainda escrevem na pedra – por mais incrível que possa parecer. Funciona da mesma maneira a gerações incontáveis, com o professor de pé em frente, cuspindo poder, centralizando a ordem, a vontade, num ensinamento político atávico e não- perceptível, que começa com a sua postura, o cenário das convencionais e ultrapassadas salas de aula. E com isto, vão condicionando os alunos a receberem e aplicarem o conhecimento que ensinam, a maneira que o impõem e que o determinam da forma idêntica a que foi imposta e a qualquer custo. Pois assim teremos cidadãos subservientes, trabalhadores submissos, consumidores em potencial, perpetuando a exploração fácil, a miséria, a fome de muitos, em troca do poder, do bem-estar da riqueza e dos astutos privilégios de poucos.
Portanto, a tão sonhada melhoria da qualidade de vida que tanto esperamos, o fim da crise que assola o planeta, da degradação da natureza, da violência urbana, por exemplo, dependem muito do papel, da coragem e da ousadia das autoridades educacionais, dos gestores da escola, em última instância, dos educadores em geral e dos professores de maneira muito particular. Cabendo a cada um o começo deste processo. Repensando e refazendo a sua parte, as suas práticas. Talvez fosse bom recomeçar pelo amor, a autocrítica. Iniciar pela aceitação da verdade. A vida e seus mistérios certamente agradecerão num silêncio poético e frondoso e com um sorriso franco nos lábios que há de florir e dar frutos no jardim de nossas almas. Enfim, nos corações e na vida dos educadores de boa-vontade.
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(*) MsC. em Políticas e Administração da Educação, Doutor e Sociologia da Educação e Contemporaneidade. Autor de vários artigos e livros sobre Educação, dentre os quais: Educação alienante existe; Paradigmas em educação no novo milênio; Escolas & Hospícios – ensaio sobre a educação e a construção da loucura. Artigos: Por uma pedagogia para o terceiro milênio e Pedagogia da complexidade – educação para uma vida melhor. Contatos: antoniocneto@terra.com.br

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