"Deus pode ser tudo, inclusive, um flamejante
sorvete de cerejas."
(Hilda Hilst)
Minha concepção é a de que Deus existe,
sim. E para buscar esta compreensão basta olhar a vida, respirar, sentir-se
vivo. Quem poderia construir tamanhas maravilhas? Que força mágica além de Deus
poderia fazer uma folha das mais simples das zilhões que nos cercam? E as
águas, o fluxo dos rios, o cantar das cachoeiras, as montanhas, os pássaros, o
ar, a vida, enfim...
Então, vamos combinar: Deus existe e
pronto. Querer novamente explicar seu formato, aparência, quer seja como ser
humano, fonte, luz, força, ícone do universo, nuvem, é, antes de mais nada,
mascará-lo de novo. É, enfim, "o dono do sim e do não diante da visão da
infinita beleza." Pena que justamente, Caetano Veloso - o autor desta
frase belíssima - ainda estufa o peito e se ufana por acreditar que ele não
exista e por se dizer ateu. Pura bobagem, mesquinharia, quimera. Briguinha atôa
fruto da competição e da vaidade humana, esta espécie tão pequena frente à
grandiosidade e infinita magnitude de um ente que seria superior a ele.
Agora, o que precisamos é de desdobrar
esta questão no olho nu , juntando-se a ele, a ciência, as proposições da
filosofia, do conhecimento, ou seja, todas as abordagens possíveis do saber.
Porque falar em Deus, ou de Deus, não é qualquer coisa. Não podemos nos
engalfinhar em teorias vazias, nas interações de ensaio e erro, pura e
simplesmente. A sua grandiosidade requer respeito, cuidado, reflexões mais
profundas que não podem caber em pequenos ensaios, por exemplo, como este.
Assim, busca-se estereotipar a força
da existência de Deus de muitas formas, com todas as letras e forças. E
mesmo os que defendem a sua existência fazem isto, de forma, por vezes,
inconsciente. Pois, interessa ao poder da carne dos homens incautos e medíocres
ofuscar e desmerecer este, que é um poder infinitamente maior. De começo
inexplicável, de existência, até aqui, mesmo duvidosa - havemos de admitir -
pelo menos do ponto de vista da limitada ciência, do nosso raciocínio estreito,
tacanho e das formas de racionar que preservamos que saem de Descartes,
chegando, no máximo à Da Vinci. Mas tudo isto é muito pouco para explicar a
digna grandiosidade da existência divina.
Levantar questões sobre a existência ou
não de Deus, leva-nos, necessariamente, a uma complexa multiplicidade de ideias
que vão desde a afirmação ou, mesmo, a negação do fenômeno. E, se o afirmarmos,
como a exata maioria dos homens, qual a forma, o lugar, os meios,
instrumentos, matérias que compõem esta maravilha? E mais ainda,
envolvendo fatores e elementos em tão grandes quantidades e qualidades que
jamais poderíamos enumerar, ou, muito menos classificar dentro dos padrões
normais de nossas linguagem e limitada capacidade de entendimento.
Nós, ocidentais, que vivemos "do lado
de baixo do equador", somos, de maneira geral, ofuscados por duas
concepções: a do divino e a da religião. E, claro, não podemos jamais confundir
uma com a outra. Pois, como já dissemos, estamos lidando com algo
complexo. Que requer de nós o mais profundo modo de respeito e
veneração. Além, é claro, de muita sabedoria. É, pelo menos o que penso, como
integrante da ala dos crêem na existência de uma divindade maior. Ou seja, de
um Deus que nos orienta, conduz ilumina, permitindo, assim, entre outros
prêmios, a vida. Longe dos estereótipos místicos primários que aí temos, mas
observando pela ótica metafísica, os princípios da física quântica, o teor dos
ciclos energéticos e suas grandiosidades, etc.
E ao falarmos na conexão do divino com a
religiosidade, outros fatores vêm, senão, dificultar, mas reduzir nosso pensamento,
o alcance de novas ideias a respeito de Deus - com letra maiúscula, por razões
óbvias. Um deles é o pensamento "religioso medieval" que invade
nossas crenças e cabeças desde tenra idade média. Nele, deus era tido como a
imagem de seres monstruosos, que se comparavam aos mais horríveis dos
dinossauros. Que cuspiam fogo cheiravam a enxofre, que destruíam céus e terras
- contraditoriamente, com a visão aproximada que temos hoje, do demônio.
Eles estilhaçavam pessoas e bichos,
devendo, portanto, ser temidos e respeitados, pela ânsia, o pavor da
destruição. Compondo, assim, a existência divina como algo extremamente
prejudicial e negativo: um deus nervoso e mal, que punia, segregava, castigava,
matava, condenava. Que ponderava as ações diante do horror do pecado, sem
maiores explicações sobre suas causas e destinos. Enfim, de forma neutra e
muito pouco compreensível diante da nossa limitação em pensar as coisas do
alto.
Daí, caminhamos historicamente, para
o chamado "paradigma judáico-cristão". E ele ainda hoje
referenda a ideia de Deus, na concepção de Jesus Cristo. Criando, para isto,
uma figura humana, - um personagem - do sexo masculino, da raça branca, de
olhos azuis, definindo, assim, sua fisionomia do padrão ariano ditado por
Hitler, mais tarde. Cristo, por razões não-confessas de definir o axioma
capitalista, nasceu e viveu pobre. Calçava sandálias manufaturadas e túnicas
bem simples. Seus amigos eram os pescadores, as pessoas do povo, as
prostitutas, a quem perdoava, assim como toda a sorte de pecadores: um sujeito
acima de todas as dúvidas, um sábio, fazedor de milagres, mártir e exemplo, não
só de vida, como de morte e ressurreição. Sendo, portanto, o verdadeiro
fenômeno, acima do bem e do mal.
Jesus Cristo teria nascido de uma virgem
que o concebera por obra do Espírito Santo, sem nenhum contato sexual ou
matrimonial com um homem. Era. portanto, o filho unigênito de Deus pai, o que,
a bem da verdade, seria magnífico, não fosse este um procedimento proibitivo do
prazer da mulher. Que deveria ser submissa ao seu esposo, ao poder do falo, o
que, querendo ou não o cristianismo judáico defende com toda a veemência, nas
leituras e nos evangelhos que cultua, prega, impõe e dissimula. Assim, o
cristianismo mantém uma hierarquia funcional, caquética, ultrapassada e
absolutamente sexista. Jesus era homem, o papa, os cardeais, os bispos e
párocos são todos homens. As mulheres, são, nesta feita, meros arranjos e
enfeites. Cuidam da cozinha, da comida, dos feitos domésticos, para que os
machos santificados comam, engordem e gozem de todo o conforto.
Ora, só aqui já se esboçam os padrões que
norteiam a manipulação e a exploração das pessoas - especialmente das mulheres
- o que, paradoxalmente, o cristianismo se diz contra, em absoluto. Mas que
pratica em seus atos, sacramentos, celebrações. Cristo nasceu e viveu pobre
para nortear as mentes de que a santidade, a divindade estariam com os pobres,
de onde vem a máxima que dizem, bíblica: "É mais fácil um camelo passar
pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no reino dos céus."
Acreditem se quiser, mas está aí difundida
a ideia clara de que quem deseja estar próximo de Deus, ter o espírito em paz,
e, por fim, salvar a sua alma, deve abdicar-se dos bens materiais, se acomodar
com um salário para a subsistência básica. Para que, claro, toda a infinidade
de bens e riqueza que resta, fique nas mãos e nos bolsos dos patrões, dos
governos. Dos que regem a batuta da economia, neste mesmo reino onde o próprio
Jesus seria o mito maior de todos. Não seria esta uma brutal incoerência? Mas,
ainda não vemos e negamos a aceitar - caso contrário, dizem, iremos todos para
o inferno, queimar no fogo eterno. Então aos que abocanham a grande riqueza que
sobra, restaria a eles este sofrimento ? Eles querem isto? Não fica claro em
nenhum ponto das escrituras sagradas, tal destinação e se mergulharmos nelas,
começamos a enlouquecer. Pois este, na verdade, é o grande objetivo de tudo.
Definir, portanto, a função espiritual e
divina, orientada e dirigida por Deus, num princípio dual e simplista dos
pobres que se salvam e dos ricos, cuja destinação espiritual ficaria difusa e
mal explicada é pouco e pobre perante a grandiosidade requerida pelo tema e as
tentativas de seu entendimento o que deveria, pelo menos, ir muito mais longe.
Mas o poder da igreja acha melhor ofuscar, o que precisamos entender e lutar
contra, neste momento em que o País parece acordar do seu sono milenar.
Posso afirmar aqui, que este é, sim,
o maior dos cânceres que envolve a humildade . Especialmente, no mundo capitalista
e nas esferas do poder, do dinheiro, da hierarquia e dos governos
categoricamente erigidos encima de tais falácias, engodos e atrasos que
talvez nunca serão superados.
Restam as demais concepções, como as
crenças politeístas e tantas outras, mas que, no fundo, redundam nos mesmos
males. Definindo, por baixo do pano a antiga e superada supremacia do
branco, do macho e do capital e o fazem das formas mais dissimuladas. Nas
quais, pelo prisma da lógica seria impossível unir um ponto a outro.
Contudo, os seres humanos dentro da
era da alta tecnologia de dos conhecimentos profundos, ainda vivem à mercê de
tais hipocrisias. Que, no final das contas, garantem privilégios e benefícios
para as elites, em sua maioria, não-negras, na totalidade cheias do dinheiro e
guiadas por patriarcas. Machos, maléficos que ainda agem como os primatas dos
tempos draconianos da caverna.
Para concluir sim, que Deus existe. Mas,
um Deus quântico, sistêmico, iluminado. Um Deus que transpõe e
supera a necessidade de ter ou ser forma, som, fumaça, luz, energia. Deus é um
fenômeno que fez, faz, fará e mantêm tudo o que está presente no real, no
material, no místico, sutil, denso, complexo, compacto, das formas mais
plurais. E, para tanto, cria uma sistematização que se integra de uma forma
perfeita, harmônica e interativa, como a beleza da vida e a necessidade da
morte. A intensa relação entre a luz, o lusco-fusco, a penumbra, a treva. O que
se define em pontos de infinita magnitude frente à nossa forma de
pensar e entender.
Basta olhar os olhos de uma criança, que
brilham. O sentimento, a fome, a capacidade de se alimentar, de beber, de
eliminar os excessos, de respirar, de viver e, por que não?, também de morrer.
Deus, portanto, não se explica. Esta
simplicidade una e única que nos encanta. E que, quer de nós, apenas a
consciência tranquila do dever cumprido. E, para o quê, basta apenas que
escutemos os sons do coração com o qual encheu nossos peitos e encantou nossas
mentes. Deus existe, não restam dúvidas. Não este Deus que imaginamos de
forma conveniente o que nos deixa levar uma vida egoísta e mesquinha. E, ainda
assim, julgarmos que estamos cumprindo o seu desejo. Pobres de nós.
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Antonio da Costa Neto - é mestre em educação, professor universitário, pesquisador,
conferencista e autor de livros e artigos sobre educação, qualidade de vida,
ecologia humana e demais aspectos antropológicos.
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