domingo, 15 de setembro de 2013

UMA BOA REFLEXÃO PARA OS PETISTAS DE PLANTÃO (...E QUE NÃO DEIXAM O OSSO)

 


Antonio da Costa Neto

Era uma vez um grande Reino só de cigarras e formigas. As formigas eram muitas, bem mais do que as cigarras e estas, por sua vez, se julgavam mais fortes, bonitas, mais capazes, espertas, inteligentes, preparadas e trataram então de estabelecer as leis, as regras e normas para a vida cotidiana do Reino. E tudo parecia caminhar bem. Enquanto as cigarras habitavam suas casas enormes e muito confortáveis, cercadas de imensos jardins, lagos e cachoeiras, as formigas se amontoavam como podiam em pequenos buracos, onde famílias inteiras se ajeitavam nas noites de frio, depois de comerem as poucas folhas que sobravam dos lautos banquetes das cigarras-patroas.
Como começavam a acontecer alguns problemas em relação à enorme população de formigas e já faltavam comida, escolas, remédios, diversão e outras coisas importantes, as cigarras resolveram formar uma Assembléia Geral e lá elaboraram um estatuto – um conjunto de leis e princípios constitucionais – para continuar garantindo a paz, a serenidade , o conforto material e o ambicionado exercício do poder, pelo menos para elas, as cigarras, é claro.
As crianças formigas passaram a ser encaminhadas para as escolas das cigarras-professoras que eram cuidadosamente preparadas para repassarem as lições que elaboravam para o bom funcionamento do Reino. Aos domingos, a quase totalidade das formigas e algumas cigarras desocupadas iam para as sinagogas onde eram catequizadas para ganharem o céu onde cigarras muito boazinhas iriam garantir que todos tivessem muita paz e alegria depois que partissem do Reino.
Elas ditavam o valor dos salários, o preço das coisas; administravam ao seu bel prazer o dinheiro suado com que as formigas pagam suas dívidas infinitas, os pesados impostos para sobreviverem ainda que miseravelmente.
Assim, dia-a-dia, as cigarras iam ficando muito mais ricas e poderosas, donas de estabelecimentos comerciais, fábricas, escolas, ongs e sei lá mais o que, onde as formigas eram obrigadas a trabalhar dia e noite, retirando dali seu mísero sustento, esperando eternamente o tempo em que viveriam em paz sob a proteção daquelas cigarras boazinhas que só faziam o bem para todos.
Certa noite muito fria um bando de formigas quase morto de fome e frio resolveu assaltar um supermercado onde abundavam casacos, cobertores e toda a sorte de comidas. A guarda das cigarras reagiu , houve troca de tiros e infelizmente a formiga atingiu a cigarra que acabou morrendo. Foi um escândalo total. Só se falava no tal crime, o que levou as cigarras a se reunirem de imediato, e, sem muita discussão decretaram a pena de morte para todo e qualquer crime cometido pelas formigas que, afinal de contas, se tratava de seres minúsculos, de composição pouco complexa; bichinhos miseráveis e desprezíveis, sem a menor graça ou importância e que não fariam a menor falta, já que eram tantas.
No dia da execução da formiga todos se reuniram na praça para a grande festa. Como ela estava magrinha, morreu fácil, fácil e por toda a noite foi um grande carnaval para comemoração de cigarras e formigas, pois afinal, estavam condenando o crime, fazendo justiça e logo tudo se resolveria. Mas novos assaltos, e crimes envolvendo formigas pobres, faveladas, pretas, estranhas, assassinas, adolescentes, drogadas, analfabetas continuaram a acontecer. Pois estas, famintas e desempregadas tinham de arranjar formas de alimentarem suas famílias. E claro, sempre acabavam presas, condenadas, executadas e mortas, com novas comemorações e novas festas.
Assim o Reino começou a ficar uma beleza; um grande silêncio, sem formigas para sujar as ruas, depredar os prédios públicos, e, principalmente, cometer os assaltos e assassinatos terríveis e horripilantes. As escolas estavam vazias, os parques sem ninguém e então começou a faltar quem lavasse as preciosas roupas das cigarras, quem limpasse suas casas, cozinhasse e passasse para elas, quem trabalhasse para que a economia do Reino pudesse crescer e depositarem o lucro em suas contas no exterior, fazer passeios luxuosos, comprar iates, ilhas e mansões.
Se não tinham mais formigas, a quem as cigarras iriam explorar? Quem iria votar nelas para mantê-las no comando do Reino que parecia ser só de cigarras? De quem elas iriam confiscar as poupanças, cobrar o imposto de renda e impor pesadas taxas e multas? A quem elas iriam governar?
Desesperadas elas convocaram uma Nova Assembléia para destituir a pena de morte, pois senão, o Reino desapareceria em breve e elas não poderiam mais manter aquela vida cheia de luxo, prazeres e ostentação. E embora fosse sexta-feira, todas as cigarras constituintes compareceram levando um discurso afiado e muito comovente. O plenário lotado continuou os trabalhos noite adentro, sem que ninguém demonstrasse o menor sono ou cansaço, pois o assunto era de maior importância e dele dependeria a sobrevivência das cigarras-autoridades.
Por fim, foram unânimes em abolir imediatamente a pena de morte, sob os auspícios do sagrado direito à vida e da responsabilidade de se defender com toda compaixão e o mais puro dos sentimentos de quem as cigarras bondosas, honestas, sinceras e justíssimas democraticamente representavam...
Tarde demais, não existiam mais formigas. Agora era um Reino só de cigarras. Só de autoridades. Desesperadas, enlouquecidas, humildes, piedosas e com os olhos rasos d’água começaram a trocar entre si, culpas e acusações procurando, sem esperanças ou perspectivas, alguma solução para o caos que tardiamente se instalara.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

EDUCAÇÃO E ESCOLA PARA QUE E PARA QUEM? CONTRA O QUE E CONTRA QUEM?


EDUCAÇÃO & ESCOLA:
PARA QUE E PARA QUEM? 
CONTRA O QUE E CONTRA QUEM?

 Antonio da Costa Neto

As raízes da crise na educação brasileira vêm, logicamente, desde que ela foi criada para a manutenção do paradigma colonizador e explorador europeu. Fundamentada, posteriormente, na ideologia norte-americana, que as fortalece, estabelecendo o ensino como mercadoria e a escola como fábrica de operários e de consumidores em potencial. Pois, quem subjuga o trabalho e o pão, tem o controle e dita as normas, no sentido de garantir e ampliar as suas próprias benesses, e, assim, sempre. Ou seja, escola e educação fundem-se em uma única instituição burocratizada e antagônica aos interesses do projeto social maior. Mantida para gerir modelos econômicos internacionais e os interesses das elites capitalistas de todo o dito mundo civilizado.

É urgente a necessidade de se ampliar os laços do compromisso da boa educação com o humano e o social, para a garantia de sua legitimidade. Não podendo mais ter a educação como uma ação fechada num processo mecanicista que a molda, inexoravelmente, para legitimar a acumulação do poderio econômico e cultural, conforme Apple (1989) e, manter, com isto, os privilégios do capital sobre o trabalho e da técnica sobre a vida.

É o contexto das ideologias, que, segundo Chauí (1990), opera, tanto na prática como na teoria educativas, e, que, para entendê-lo precisamos de outro olhar muito mais concreto para dentro da vida das instituições que formatam a educação e fazem-na acontecer. Constatando, assim, o seu esmagador poder de controle sobre as pessoas. O que acontece, não apenas por meio de currículos e conteúdos, mas nas suas múltiplas e dissimuladas formas de ação e de metodologias de ensinar e de aprender, associando-se a isto, a sua cultura, a sua negação de um projeto, enfim, o clima e o cotidiano das escolas “educando os indivíduos” para comandar e controlar massas sociais inteiras. Mantendo e classificando como normal a exploração de poucos sobre muitos, e, logicamente, as suas consequências em todos os segmentos da vida.

Precisamos, com urgência, perceber a progressão histórica de nossa formação. E, sem sermos reducionistas, compreender nossas mudanças históricas, crises e associações feitas no conteúdo e nas formas ideológicas; paradigmas, que são, em parte, gerados pelas escolas e por elas, perpetuados, na maioria das vezes, de maneira ingênua, e, até, inconsciente. Assim, de acordo com Santiago (1996) a educação facilita os processos de organização e controle do trabalho na sociedade. Entre eles a separação – e a valorização – entre o trabalho manual e o intelectual. O divórcio entre a concepção e a execução está sempre constituído sob formas complexas e paradoxais na educação, até o presente momento. O que requer medidas corretivas eficientes e mais do que imediatas. Como no dito popular: para ontem.

As escolas parecem fazer uma série de coisas com vistas ao desenvolvimento das pessoas e da sociedade como um todo. Mas, na verdade, elas são órgãos reprodutivos do caos e da exploração, na medida em que ajudam a selecionar e a titular a força de trabalho. E elas, sem que percebam, fazem mais do que isto. Ajudam a manter os privilégios por meios culturais; ao tomar a forma e o conteúdo da cultura e do conhecimento dos grupos poderosos e defini-los como um conhecimento legitimo, a ser preservado e transmitido a todos. E o fazem com a maior eficiência – o maior cinismo – nos métodos que dissimulam com a muita naturalidade, inclusive. Quando se discutem ciências, tecnologias do conhecimento e coisas afins, parece descabido entender o atraso absoluto das escolas - em todos os níveis - neste sentido. Elas ainda se esforçam, sem que saibam, para manter e ampliar a exploração do capital sobre o trabalho, legitimando a opressão, a hierarquia, a segregação do poder de decidir, do bem-estar  para aqueles que elas, por motivos óbvios dizem existir: ou sejam, os seus alunos. Engendrando, com isto, uma das maiores mentiras históricas que a humanidade ainda conta e faz acreditar.

Elas são, também, agentes no processo de criação e recriação de uma cultura dominante eficaz. Ensinam normas, valores, definições e uma certa ordem que contribui para a hegemonia ideológica dos grupos dominantes. O que tem, inclusive, levado a vida a padrões quase que insustentáveis. Gerando miséria, fome, desemprego, degradação ecológica, violências, crimes, corrupção, apenas para exemplificar. A educação, por seus instrumentos, pode, assim, atuar como legitimadora importante da ordem social existente. Pois, a sua vida cotidiana reforça aqueles valores meritocráticos que justificam a distribuição de recompensas diferenciadas e a separação entre bem-sucedidos e fracassados. Propiciando lições diárias de desigualdades gritantes e de injustiças enormes.

As práticas pedagógicas e curriculares usadas para organizar as suas rotinas são responsáveis, em grande parte, pelos fenômenos que fazem com que os estudantes internalizarem o fracasso. Transformando-os em desajustados, conforme lembra-nos, belamente, em sua conspiração aquariana, Ferguson (2010). Reconduzindo, finalmente, a trajetória da exploração fácil, e, com ela, toda uma crise de valores, em que, enquanto cidadãos do mundo, nos achamos mergulhados. A escola ajuda a retirar a consciência crítica. Bem ao contrário do que pensa fazer e o que tem amplamente divulgado por meios das mentiras operacionais e sua complexa burocracia. Enfim, a escola, como aparelho ideológico a serviço do Estado opressor, exerce uma função que produz agentes e valores, disposições e ideologias “apropriadas”. Transmitidos por formas ocultas – ou paradigmas – para responder aos interesses de uma sociedade e de uma economia iníquas. E, em seu currículo oculto, ela tenta ensinar aos seus alunos com uma imposição particular de passividade, servidão, obediência e outros princípios de raiz de poder e de economia. A verdadeira tarefa dos alunos é a de sobreviver até que o sinal soe (Toffler, 1980).

A análise deste conjunto de coisas pode nos fornecer pistas que nos ajudem a avançar no entendimento, tanto das funções sociais da educação e da escola, quanto dos valores por elas promovidos. Devemos entender, portanto, que o seu único, ou, pelo menos, o seu maior problema, é o ideológico, o que é bem o discurso do conhecido e respeitado Senador da República, Cristóvan Buarque. Sendo esta, uma grande questão de paradigma. E, somente, tendo uma visão muito mais refinada do que realmente as escolas fazem, na teoria, na prática, nas suas políticas e diretrizes, é que poderemos a começar a lidar com a série de mudanças que estão sendo aqui propostas. Precisamos entrar na escola e observar tudo isto de frente, sem medo, ou restrições. Analisando o funcional, o político, sua filosofia, seus interesses, para o quê, os educadores e pedagogos - principalmente estes - precisar despir suas máscaras de incautos e inocentes revestida na brilhante lavagem cerebral com que a absoluta maioria das faculdades de educação os (de)formam para tal embate . Devemos descobrir que significados, normas e valores os estudantes, professores, técnicos, auxiliares, diretores e todas as pessoas, realmente, nelas experienciam. Apenas pesquisando esta série de fatos é que poderemos começar a agir. E, para isto, falta muito para formatarmos a nossa visão e a nossa consciência. Por enquanto, nós educadores somos uma massa humana ingênua demais neste sentido, o que, é claro, faz com que sejam cumpridos os princípios ditos educativos com os quais deleitam o estado opressor e ocultamente escravocrata. Só não enxerga quem não quer (Costa Neto, 2009).

Não é necessário grande esforço para observarmos que a educação em geral e a escola, em particular não avançaram dentro desta filosofia ao longo dos séculos de história. Pelo contrário, todo o esforço é feito para dissimular este vergonhoso atraso.  Elas não evoluíram tanto quanto as demais áreas da atividade humana, mas conseguiram fingir e representar bem demais. E o pouco modificado, o conservador cotidiano da escola, ainda é o mesmo de muitas décadas, séculos, talvez milênios, se relativizarmos o entendimento de tal denominação. Claro que elas possuem hoje outros métodos e sofisticadas técnicas, não há dúvidas, mas, infelizmente, para, no final das contas, fazerem a mesma coisa de sempre: alienar, treinar, aniquilar consciências, facilitando a exploração, a centralização de regimes e domínios, dando a isto uma faceta aparentemente humana, socialmente justa, e, acima de tudo, democrática (Migliori, 1993).

Entendemos que as atuais dimensões da sociedade requerem, também, uma outra filosofia de educação e uma outra proposta de escola radicalmente diferente do que a que aí está e com a qual, covardemente nos acostumamos. Que estabeleça novas relações entre professores e alunos e uma concepção diversificada de conteúdos, ciências, conhecimento e aprendizagem. Em essência, a escola não evolui. Ela foi feita para isto: a estagnação, a segregação. Legitimando no seu cotidiano, as injustiças sociais mais grotescas para os tempos de hoje. Deste modo, as escolas, assim como estão constituem um mal ou um bem? Aí temos uma boa reflexão. Elas mais atrapalham do que ajudam na tão esperada evolução da sociedade. Pois, refinam e eternizam dissimuladamente, a ganância, a exploração, a desordem. E disto, nós educadores deveríamos nos envergonhar. Mas, ainda não tomamos nem conhecimento de tal realidade de que as escolas mais conformam e deformam, do que, propriamente, formam seus alunos.

Trata-se, como já dissemos, de um problema paradigmático. Ao mesmo tempo, metodológico, filosófico, político, operacional, ou seja, um problema que envolve todos os aspectos e esferas a um só tempo e que requer, para a sua solução medidas e princípios aplicáveis, no mínimo, do mesmo modo. Não dá para solucionar problemas gerais e tão amplos com medidas segmentadas e partidas como insiste, há décadas a forma de gerir e administrar a educação e a escola, o que, cegamente, as universidades ensinam, justificam e adotam, frente aos seus fins eminentemente  burgueses e inconfessáveis. E, conforme o percebemos, a partir dos seus pressupostos ideológicos, ainda crus, embrutecidos desde a idade média. A questão é ampla e difícil, envolvendo teoria, prática e práxis. O que está muito além da mera aparência. Trazendo constatações filosóficas, éticas, políticas, sociais, humanas, além, é claro, daquelas marcadamente, econômicas. Sendo esta a complexidade que denominamos de paradigma, e, para muda-lo é que aqui buscamos e propomos novos caminhos, outras alternativas.

Tais problemas tomam dimensão de desafio na superação do dilema: como formar pessoas que pensem que participem, que argumentem, que construam a realidade com a qual sonham e, ao mesmo tempo sejam servis, obedientes e serviçais à causa dos comandos hegemônicos que aí estão? O remanescente capitalismo selvagem, explorador e periférico precisa de pessoas que pensem, reflitam, saibam, mas que sejam, igualmente, facilmente exploradas, omissas e subservientes. Aí caímos num mistério e num desafio dialético impossível de serem solucionados pela nossas limitadas lógica e razão. Está fora de cogitação constituirmos este duplo milagre sendo, justamente, desta ignorância que padecem as escolas e seus comandos, daí a eternização dos problemas e do caos.  Aí passamos por um momento crítico em que se vislumbra a profunda necessidade de reorganização dos conhecimentos, com outra dimensão bem mais complexa, buscando, assim, um Paradigma Novo e quando falamos disto não estamos nos referindo às inquietas repetitórias das meias mudanças educacionais e pedagógicas que são a forma mais eficiente de não se mudar nada. continuando a mesmice menos que ridícula.

As pesquisas e o bom-senso têm demonstrado que os investimentos que precisam ser feitos são aqueles marcadamente afetivos, humanos e emocionais, calcados, sim numa perspectiva crítica e política também radicalmente nova - sem o que, aliás, de nada adiantarão. Uma vez calcados na consciência político-ideológica do que, como e para que fazer em educação. Remodelando as práticas pedagógicas e curriculares em todo o seu âmbito. É preciso que tenhamos consciência do para que e para quem; contra o que e contra quem podemos estar trabalhando enquanto educadores. Vivemos, ainda, sob um emaranhado técnico, metodológico e operacional que já deu suas contribuições possíveis. Sendo fundamentado para ser posto em prática nas dimensões e momentos históricos já vencidos e superados. É, portanto, necessário mudar. Revolucionar, quebrar o arraigado senso-comum. Adotando, por fim, um novo paradigma melhor e mais crítico, aberto, dinâmico, humano, sistêmico, flexível - falamos, portanto de uma verdadeira revolução cultural na educação e na escola e, não mais, de antiquadas, babentas e mancas pequenas mudanças que precisam de bengalas e óculos, e mesmo assim de nada servem e não levam a lugar algum. Propomos uma revolução cultural  que busque, por si, a felicidade de todas as pessoas. Sem o quê, podemos estar fazendo tudo, menos, educação. E os avanços do nosso tempo não mais permitem aos educadores tamanhas omissão, covardia, enfim, ignorância política.

O modelo educacional que temos não serve às transcendências milenar e secular em que estamos vivendo. É preciso reverter não só a ordem, como também a filosofia, os métodos, os princípios e os valores. Os  componentes todos que se mostraram eficazes até agora, estão dando sinais da mais absoluta necessidade de  superação, de substituição por outros mais eficientes e eficazes, definindo a complexidade de quem educa quem e para quais fins no real concreto da sociedade isto é feito. A centralização do poder, o raciocínio linear, a manutenção dos privilégios de poucos, a partir das concepções normativas de uma competição arraigada e inconsciente  precisam ser suplantados em todos os setores da ação humana, sendo, na educação é que o passo inicial deve ser dado pois é nela que eles são apreendidos para que sejam implantados na prática social em todo o curso da história da humanidade (Chomsky, 1995).

Assim, aluno que aprende construindo, aprende a construir e o que aprende com o já pronto e construído aprende a se omitir, se acovardar dentro da zona de conforto que é criada de conformidade com as condições e a realidade de cada pessoa. Sendo esta, embora no meio de um monte de subterfúgios técnicos, a forma de educação que temos  E, assim, para aprender a  reivindicar, questionar, criticar, mudar. Constituir seus sonhos e desejos. Tornando-se agente de sua história pessoal e social temos que, da mesma forma, transformar os meios e as formas de se fazer educação. A energia planetária clama pelo equilíbrio na distribuição dos bens, dos direitos e do resgate da qualidade de vida de todos. E, embora as elites sequiosas por ter e pelo comando, ainda teimam em aperfeiçoar seus estilos de competir e ganhar sempre: daí a imposição de fórmulas educacionais nocivas, inumanas e ainda hoje, mantidas. Enquanto que o instrumento preciso e inadiável é a cooperação entre todos e por todos. Numa abordagem muito mais ampla, complexa, coerente. É, encima de tais proposições, que devemos nos debruçar com a máxima urgência.

Existe aí uma linha tênue e invisível que define ideologia, educação e a constituição da chamada nova ordem mundial em seus valores teóricos e práticos. É o que nos diz Bordenave (1972). Conduzindo, assim, as condições de vida das pessoas. O que só pode fazer perpetuar a exploração, a fome, a miséria, o pensamento e a ação humana contra a vida e a natureza, em síntese, o caos que a humanidade, sem que saiba, premedita em quase tudo o que faz. Ensinar e aprender são princípios e definições marcantes e definitivos neste grande processo que é a vida e as suas circunstâncias todas. O que fica, patentemente demonstrado nas inúmeras pesquisas que são feitas por estudiosos e instituições mundialmente respeitáveis, como podemos constatar a qualquer momento. O que nos dá a certeza de que a forma de se educar as pessoas é ponto fundamental na definição dos rumos e do destino do planeta. Pois atua, por si mesma, na construção da personalidade dos seres que nele vivem e que conduzem a sua história pela ação, a destruição, ou mesmo, se omitindo em fazê-lo. E tudo isto é o resultado de como cada um se educa, ou, em última análise, é educado mais diretamente pela escola, o que se completa com as relações com o mundo, a cultura, a mídia, a religião, crenças, valores, ética, etc. E que depois, alia-se à corrente humana, em princípio, amorfa, mas na verdade, é a diretamente responsável por tudo o que acontece - ou deixa de acontecer. E esta é uma matemática simples e para entendê-la, havemos de deseja-lo profundamente. Mas, pelo que nos parece, ainda não é o caso. A maioria dos educadores não acordou para isto. E os poucos despertos não estão, nem estarão, nem a curto, nem a médio prazos, suficientemente preparados, tal a gravidade da situação com que lidamos.

O paradigma da elaboração unificada de políticas, diretrizes, administração educacional, práticas educativas e curriculares, sendo tudo definido e construído por todos é o caminho possível para a busca da solução para os problemas da educação formal das pessoas e da vida no cotidiano das escolas. A saída é pela construção coletiva de todos os processos educativos em todos os momentos e lugares sociais. Falamos aqui de educação para abrir, e, não, para filtrar e manipular consciências, criticidades e possibilidades outras de intervenção no mundo. Portanto, conforme nos lembra Freire (1992), os princípios norteadores de conhecimentos interessantes e interativos ao contexto vivencial de quem ensina e de quem aprende validam esta experiência. O uso de metodologias promocionais e assertivas complementa a caminhada. Avaliação e promoção humana para construir seres humanos mais inteiros abertos, críticos, perspicazes, vivos e felizes, são talvez as conquistas mais urgentes, importantes e necessárias que devamos fazer em educação. E não mais, aperfeiçoar as metodologias avessas a tudo isto,  falamos de mudança, e, não, de meros aperfeiçoamentos, inovações, meias-verdades que em nada contribuem, servindo apenas para enganar.

E só então, partirmos para os embates mercadológicos, econômicos e trabalhistas, cuja importância, é claro, não podemos negar. Mas, tais elos se articularão harmoniosamente, respeitando a inteligência e as formas naturais de aprender e de se educar das pessoas, sem desrespeitar as suas contingências inconscientes e intelectivas, de forma tão brutal, como a educação tem feito, aliás, com invejável competência. Devemos trabalhar para isto, sim, mas, somente, a partir da construção de personalidades mais inteiras, íntegras, humanas, competentes e solidárias frente às exigências do momento histórico em que vivemos e suas perspectivas futuras. Este é, a nosso ver, o objetivo; a grande meta da educação com a qual, sonhamos. Dizemos que fazemos, mas, negamos tudo nas nossas práticas e táticas. Na medida em que estupramos de forma muito mais do que cruel nossas cabecinhas inocentes, no ímpeto de prepará-las para o mesmo mercado que renega as suas vidas e as consome enquanto mata a criatividade, o senso crítico, o lúdico, o sentimento, enfim, o ser político, deixando-o amorfo, apático, ao dispor de explorações outras.

Ao longo de seu processo histórico, a educação, por meio de suas instituições, mecanismos, recursos e legislação tem primado pelo exercício exclusivo da qualidade formal, e, esta, nós não podemos negar. Pois ela aí está a olhos vistos, por meio da ordem, da disciplina, da limpeza das instalações, das filas quase perfeitas, no cumprimento dos horários, nos diários de classe sem nenhuma rasura, os uniformes escolares impecáveis. O que, na verdade, traduz a qualidade do se diz que faz. Mas falta a essência, a qualidade política, aquela que define os porquês, para que, para quem e contra quem se faz. A educação formal serve, tão somente, para legitimar e camuflar a opressão do Estado: alienar as pessoas e adequá-las aos regimes, domínios e imposições. Em síntese, escola e educação congregam a escravidão moderna, a escravidão de acrílico de que nos fala Gadotti (1997) quando cita o seu refinamento por meio dos controles dos mercados e dos regimentos trabalhistas legais dos tempos de hoje, que, se analisados com sabedoria e sensibilidade, perceberemos o seu lastro escravagista jamais superado.

Por outro lado, existe uma certa cegueira conceitual e prática por parte de seus agentes e usuários que se mantiveram meio que conformados e satisfeitos com seus processos, por séculos a fio, sem entenderem os seus revezes. E isto, pelo menos, historicamente, deve chegar ao fim com o advento do terceiro milênio, da chamada era do conhecimento. A qualidade formal deverá associar-se à qualidade política, em que aparência e essência deverão ser circunstâncias conjugadas, tanto na teoria, quanto na prática. Levando, portanto, à práxis desejada e necessária para que a vida persista com níveis de qualidade proporcionais para todos.

Não haverá mais espaço para apenas se dizer que faz, como aprazem até hoje, os educadores cínicos e céticos; os negocistas que transformam a educação em mercadoria vendida diretamente nas instituições particulares, ou, pior ainda, paga com o suado dinheiro dos tributos e impostos saqueados do cidadão que trabalha, no caso das escolas públicas. Não basta mais o discurso da escola transformadora e cidadã. Ela terá que, para isto, colaborar, de fato, para a transformação da cidadania, em termos qualitativamente, aceitáveis: trabalhando para todos e, não, apenas para aqueles que comandam os regimes. Usando, desta forma, de subterfúgios, métodos e teorias absolutamente enganadoras. Cometendo algo maior que um crime, o que não se descreve dentro da nossa legislação fraca, ultrapassada e, eminentemente, pequeno-burguesa à qual não interessa o entendimento profundo de tais questões, por motivos mais que óbvios.

E isto prescinde de mudança, de planificação dos novos paradigmas. E aqui apresentamos uma das muitas propostas dentro das infinitas linhas de pensamento que existem. Durante todo o tempo a educação se firmou em bases, essencialmente, elitistas e impositoras. A bem da verdade, a educação formal existe para inculcar em todos as ideias e interesses dos poucos que comandam os ditames da vida; o que deverá sofrer uma transformação radical em todas as instâncias. E, portanto, os modelos de escola e de educação que temos, já não servem mais, o que, infelizmente, ainda não é percebido pela vasta maioria dos educadores, mesmo os mais sensíveis e bem preparados. Pois a onda é muitíssimo complexa e mesmo as boas universidades, os excelentes autores e pensadores ainda não conseguiram chegar lá. E demorarão muito a fazê-lo. Talvez nunca tamanha a demanda do capitalismo extremo, este câncer da sociedade.

A escola deverá atuar mais pró (como diz que faz), e, não contra (como faz) aos seus servidores, classe trabalhadora e seus usuários gerais diretos (alunos) e indiretos (comunidade e classes sociais diversas a que julga servir). E não mais, como se repete na história e no tempo de todos os homens e mulheres: inculcando a moral escrava que legitima diferenças, mantém privilégios brutais e dá a tudo isto legitimidade e aceitação por parte da absoluta maioria “supostamente educada”, mas, “vergonhosamente enganada”, pela escola e a educação que temos e que deveriam se ocupar em transmitir e produzir conhecimentos e saberes que sirvam, de fato, a cada indivíduo e a todas as instâncias e demandas sociais. É de que nos fala Brandão (1980) quando retrata que elas se ocupam de instrumentalizar uns a serviço de outros. Culminando na perpetuação dos regimes impostos por sistemas e realidades que queremos transformar. E afirma ainda que ao contrário do que acreditam seus agentes, a educação exerce sua tarefa numa sistemática absolutamente antagônica: perpetuando o que deseja mudar. Chegamos a um tempo em que educação e escola precisam deixar de ser cínicas e imaturas em relação ao que fazem. O que, na verdade, dificulta e inibe os resultados que delas  se esperam. Enquanto os educadores, “altamente preparados” continuam como “criaturas tontas” fazendo a mesma coisa e esperando que tudo seja diferente.

Nossa concepção consiste em partirmos do caos para revigorarmos políticas, diretrizes e propostas na operacionalização de um novo fazer pedagógico. Mas, sim, de forma radicalmente nova, diferente, não só no discurso e muito menos, se utilizando dele para, justamente se negligenciar as práticas pertinentes. Tudo não passa de um embuste, de jogo de palavras, de um conjunto de concepções mentirosas e infiltradas nos surpreendentemente atrasados meios e ambientes educacionais. Pois, disto, já estamos todos muito mais que exaustos. Mas, culminando numa práxis diferenciada. Restaurando a qualidade de vida em termos concretos. Sem o quê, não estamos, em absoluto, educando ninguém. Por ora, a educação se mantém por detrás de um discurso escorregadio que tenta – mas nem sempre consegue – ocultar as raízes de sua própria crise, do seu fracasso histórico. Enquanto isto, o caos se perpetua e se agiganta. É preciso, portanto, transcender a tudo isto e se começar a educar sobre novas bases. Concretizando outra realidade, novo poder, novas relações. Solidificando e solidarizando o viver com dignidade. Ajudando a restaurar, de fato, a melhoria contínua da qualidade de vida humana em sociedade, ou seja, para todos (Mafesoli, 1997).

Ensinar e aprender os saberes necessários a uma vida, substancialmente, melhor. Criando e implementando, técnicas, métodos, objetivos e gestão que facilitem a esta modalidade histórica do que seja educar as pessoas. Tornando transparentes e vivas tais razões e tais momentos. Reconduzindo a humanidade em função dos novos tempos e das exigências vivenciais de um mundo, a cada dia, mais caótico e tumultuado, o que, toda educação não pode se dar ao luxo de ignorar, como aliás tem feito. É preciso transcender, iluminar e conduzir para esta prática que valorize a vida e contribua para que se exterminem as diversas formas de exploração. Construindo reais companheirismos; verdades para além da ciência fria e estereotipada por uma certa ordem que não serve mais a ninguém. Sendo compulsória a necessidade de transformação. A saída do modelo cartesiano de pensar e de fazer educação, para uma proposta aberta, sistêmica, proporcional, integrativa, harmoniosa, lúdica, feliz, em síntese, mudando os paradigmas. O que requer uma atitude revolucionária – sem o pavor desta palavra que, geralmente, temos, pela nossa pequenez, ignorância e covardia – de todos os que, direta ou indiretamente, atuam neste processo.

Necessário se faz a percepção de pequenas coisas, enfim, sutilezas do cotidiano da escola e a brutal crueldade – concreta, simbólica, psicológica ou política – de certas exigências, normas e regras. Mais uma vez refletir sobre a essência e da necessidade de trazê-la à tona. Fazendo-se presente e real, e, não, como mera circunstância que, se por acaso ocorre, é, sem dúvida, para a insatisfação de muitos, tal o nosso atraso conceitual e prático neste sentido. Só assim é que estaremos começando a pensar na verdadeira educação para concretizá-la por inteiro. Sem os paradoxos neutralizadores que veem eternizando suas crises, o seu fracasso desgastante e o seu pleno insucesso no sentido de se preparar as pessoas para enfrentarem com dignidade as agruras da vida, e, se possível e necessário, transformar as relações dos seres com o mundo que os cerca (Habermas, 1990).

 O educar passa, assim, a ser e ter uma função da maior importância para o presente e o futuro da humanidade, em seu caráter formal ou informal. Sendo mais do que o responsável pela simples materialização de relações em contínua evolução entre os seres humanos e os novos saberes e o seu fazer na sociedade passa a  transcender valores e culturas outras. Enfim, modificando as pessoas e suas mentes no sentido de melhorá-las, na medida em que passam a entender a fundo o real concreto que as cerca em todas as dimensões. Aí sim, começamos a falar de educação. E não, da mera instrução funcional e comprometida com a ideologia de poder no exato sentido de mantê-la e ampliá-la nos moldes avessos da exploração que aí está. Que é, sim, o que as escolas têm feito. Deixando, marcadamente, uma horrenda defasagem histórica, na medida em que seus agentes são desconhecedores de tal fenômeno. Sendo apenas isto o que precisa e deve ser superado. E, todo esforço feito neste sentido ainda será pouco sendo necessário um brutal esforço que ainda espera pelo passo inicial.

É necessário compreender que como seres vivos – mamíferos e de sangue quente como tem sido feitas as modernas conquistas da antropologia – nós competimos sempre uns com os outros, seja, consciente ou inconscientemente. O que, pela educação e por meio de sua instituição oficial, a escola; o fazemos de forma implícita e politicamente dissimulada, sem que entendamos tais minúcias. A formação dos educadores quer nas licenciaturas ou pedagogias – diríamos que nestas, até especialmente – encarrega-se de criar este muro divisor entre uma coisa e a outra. O que é feito com espetacular competência e de maneira muito mais que eficiente, nas faculdades de educação alheias ao processo de evolução histórica da mesma sociedade. Elas são, sob medida, alienadas politicamente, o que faz parte de uma ideologia milenar de construção de ricos e pobres, de empregados e patrões, de proprietários e consumidores, cuja máxima exploração é que garante o acúmulo da riqueza e o eterno bem-estar de quem comanda. E isto a escola dramatiza e dissimula o tempo todo dentro do jogo que faz, da disciplina que impõe, das estratégias inumanas que usa. Licenciados e pedagogos tornam-se verdadeiros analfabetos neste sentido e tornam-se, conforme Nieskier(1982) verdadeiros cães de guarda da burguesia dentro e fora das instalações da escola, vigiando, rosnando e mordendo mortalmente quem se atreve a se iniciar contra seus dogmas. Tornam-se inocentes políticos e vítimas fáceis, à medida que se enchem de técnicas e teorias que são manipuladas como recheios mentais para isto.

E se não vencermos esta batalha estaremos esmurrando o vazio quando falamos em busca de solução para os problemas educacionais de hoje em todo o mundo. Sei que muitos educadores ao lerem estas linhas terão o tradicional arrepio na espinha. Terão nojo, asco e até vomitarão de repugnância. É que os trabalhadores funcionais da educação têm sempre, diante desta verdade, a mesma reação dos vampiros que, nas ficções de terror, quando se veem diante da cruz. Mas não sabem – os educadores – que tudo faz parte dos prenúncios ideológicos de um mundo burguês, centralizador, repressor e periférico que insiste em continuar vivendo dando a poucos o poder de explorar e confundir muitos, usando, sem escrúpulos, educação e educadores para tal. Assim, como nas nossas tradicionais salas de aula, por exemplo. É só uma questão de arregalar criticamente os olhos para enxergarmos. Qual o sentido real de grande parte dos conteúdos que ensinamos? Por que se muitos alunos não respondem, nas provas ou lições diárias, o que quer, pensa ou dita um único professor é a maioria que é punida, rechaçada, reprovada, expulsa? Por que as salas de aula são classificatórias, com primeiros, segundos e últimos? Não estariam aí ocultas lições de desigualdades e de uso abusivo do poder que se reproduzem do lado de fora da escola, ou seja, no real concreto da vida de todos nós?

Mas ouse, se for capaz, discutir isto com professores ou pedagogos. Leve, se tiver coragem, tais questões para os encontros, os congressos de educação, as reuniões pedagógicas, ou até mesmo para os sindicatos da classe preparadíssimos para os jogos dissimuladores. Grande parte dos seus agentes são pagos pelo governo, e, evidentemente, cumprindo o seu desejo, mesmo debaixo de uma mácula tendenciosas de discursos e falas belos e edificantes. Certamente, quem fizer isto – como eu, agora – terá motivos de sobra para chorar, se arrepender. Se amargar na solidão e ser excluído dos ditos ambientes educacionais caóticos, confusos e perdidos nos becos mofados da história. É que os educadores – especialmente, os cristãos – como diz-nos Russel (1972), não se cansam de crucificar e destruir seu mito maior para depois santificá-lo em templos, se passando pública e mediocremente, por seus bons filhos, os benfeitores das almas, os salvadores dos homens e do mundo.

Já deveriam fazer parte do passado os tempos em que a educação e o ensino poderiam ser caracterizados como espécies de “camisas de força”. Atuando num processo de contínua manipulação, neutralizando, desejos. Deveriam, tais processos, ser, hoje, personalizados, lúdicos. Transcenderem felicidades, sendo, politicamente, assertivos. Ou seja, realizados em favor de todos e para o proveito real da humanidade, o que requer uma profunda reversão do que é, de fato, feito. E não, de meros aprimoramentos. Mentiras técnicas que são contadas com rigores e metáforas que levam-nos a acreditar nelas. Repetindo, viciosamente, os mesmos ciclos amargos dos destinos da história das civilizações. Deveriam estar fundamentados nos direitos humanos plenos, na alegria, no prazer de se contribuir, de fato, na construção da própria história. Para dela se usufruir, vivendo de forma próspera, bela, cidadã, confortável, e, principalmente, solidária.

Assim, poderíamos, então, começar a pensar e a fazer acontecer, saberes, métodos, técnicas, formas de avaliação, gestão escolar que possam convergir, de fato, para um, ainda utópico processo educativo: o de buscar e contribuir para que germine dentro de cada pessoa todo o seu teor evolutivo. Tornando-a capaz de uma reflexão e ação conscientes que fluam a serviço do todo e de todos. Fazendo melhor o mundo  por meio de nossas melhorias próprias. Afinal, educar não é só enfiar na cabeça das pessoas as letras, os fragmentos das artes, da história, geografia, línguas, literaturas. Fazer reproduzir sílabas e números, agrupá-los e sistematiza-los. Isto é instruir. O que é, miseravelmente, pouco frente a complexidade do ser humano a ser cultivada e florescida para dar frutos numa educação de verdade. Mas disto, a absoluta maioria dos educadores está muito longe de desconfiar, muito menos, de conhecer – eles foram preparados para não enxergarem tal fato. Nisto nossas universidades e faculdades de educação são muito eficientes. E tal superação consiste num desafio interminável. Que é marca de conflito, de luta, de transformações radicais, em síntese, de adoção dos tão discutidos novos paradigmas.

O que significa na prática, ao menos buscar, por meio do exercício educativo formar indivíduos inteiros e contextualizados à dinâmica do mundo. Relativizando as condições, evidentemente, cronológicas, históricas e sociais de cada indivíduo. Daí a complexidade, a diferença, a personalização que, arduamente, defendemos e que devem estar presentes em todos os momentos do processo educativo que mereça esta denominação. Se tal meta não for cumprida, a educação não existe é neutra. Uma ação social nula, vazia, dispensável, e, por isso mesmo, desvalorizada, inclusive, profissionalmente. Tornando comum e normal em termos macro, as contingências e problemas salariais e trabalhistas, cujas discussões ocupam todo o espaço de tais categorias. Mas elas deveriam, antes, corrigir suas falhas gritantes, gravíssimas e, historicamente, acumuladas. Pois até agora, são regiamente pagas considerando a pouquíssima qualidade dos trabalhos educativos que realizam. Sejamos honestos e coerentes com o que gritamos aos quatro ventos para que o mundo nos ouça.

A educação e os educadores precisam deixar de formar, ridiculamente, as elites capitalistas exclusivistas e os ingênuos servidores destas. Os portadores de uma certa subserviência crônica, em absoluto descabida para os tempos de hoje. A palavra de ordem em educação é, por ora, a busca do equilíbrio entre os pólos articuladores das várias realidades vivenciais que integram seus muitos aspectos: individuais, sociais, culturais, políticos, ecológicos, dentre outros. E fazê-lo para todos os seres vivos é aí que mora a diferença que renegamos em entender. O que, por sua vez, nos leva a acreditar que buscamos  cumprir a pluralidade democrática tão antiga no discurso, mas ainda por vir no real concreto da vida das pessoas. E tudo gira em torno de um atraso estarrecedor, embora as aparências possam nos enganar. Cabe à educação e à escola desenvolver mentes em evolução tão complexa para tal enfrentamento vivencial, saindo, portanto, da vergonhosa mediocridade que ainda praticam ajudando  a deformar mentalidades, a eternizar subserviências perpetuando no ter e no poder as burguesias ridiculamente materialistas e exploradoras dos trabalhadores, das massas populares: uma vergonha sem precedentes.

Pensando, sistematicamente, a educação, não há como diferenciar, de forma mais ampla, programas, ações e currículos. Pois, tudo se define por uma axiomática comum e transdisciplinar entre políticas, diretrizes, filosofia, planejamento e ação. Tudo num só bloco, como partes que harmônica, e, ativamente, se complementam. Assim como deveriam ser as mudanças educacionais. Não podendo, na verdade, ser operadas de forma estanque e, nem mesmo, gradual, mas simultânea: gerando choques, sustos, provocando o que poderíamos chamar de uma revolução cultural necessária e muito mais que urgente (Postman, 1986).

Neste prisma, entendemos que ciência, educação, óticas novas, tecnologias diversificadas, modernidades outras e tudo o mais que se insere neste contexto caminham para a unidade em busca da perpetuação da vida. Redefinindo os valores necessários e tornando mais translúcidas as soluções para os problemas comuns existentes. Para o que, faz-se necessário colocar um fim definitivo nos comodismos e nas subserviências dos educadores por meio de ações mais conscientes. Afinal, acreditam-se que nós, educadores, somos, até por força de lei, suficientemente, preparados para tal. Formamos uma legião de intelectuais, de graduados para o exercício de tão nobre função. Devemos, então, agir como requerem a dinâmica do mundo atual e as perspectivas do terceiro milênio, da era do conhecimento, dos valores humanos, da pluralidade, da decência, das conquistas dos direitos humanos mais nobres, tão em moda como nunca estiveram antes. Tudo no mundo civilizado acontece a partir dos rumos e comprometimentos ideológicos, no sentido de se mostrar como justas e normais todas as maneiras de exploração, o uso abusivo do poder, a concentração da riqueza e dos privilégios nas mãos de poucos. O que se torna impossível, sem o uso, o abuso e a exploração de muitos; sobretudo, da classe trabalhadora, dos mais humildes, ingênuos e carentes. É assim que se dão as fábricas das leis, dos registros, domínios, estatutos, contratos. É a forma como se constitui a comunicação, a religião, a crença, os valores, a família, as organizações, enfim, tudo.

Conduzem-se as relações humanas para justificar o domínio, o bem-estar, o poder, o status quo dos que dominam o mundo. Na educação não é só assim, como dela é que emanam todos os demais processos para a definição de como se legaliza e se coloca em prática a vida, seus encantos, misérias, dores, conflitos em todo o seu cotidiano. Tudo respira ideologia com base no comprometimento com as elites, com o poder. E, claro, a educação, a escola são os elos onde tudo isto se define. Portanto, elas trabalham contra a vida e a favor do poder. Contra o ser humano e em benefício do capital, seus construtos e benesses. Escola e educação atuam contra quem pensam contribuir. Para o quê, inclusive, manipulam e justificam o uso de técnicas, métodos, programas e ações, que se fundamentam no blefe, no engano, na mentira. Elas ajustam o ser humano para a legitimação do caos. Pois, ele, sendo eterno faz com que se perpetuam benesses e privilégios, para quem, supostamente, se protege e se mantém, ainda que temporariamente, fora da sua esfera.

Nós, educadores, ao contrário do que acreditamos, somos, mesmo, os algozes do mundo. Os dificultadores da vida, legitimadores da dor e do conflito que tanto padece a humanidade desesperada e pedindo por socorro. Saber e acreditar nisto é só o início do diagnóstico, que, embora nefasto é bem mais que necessário como ponto de partida para a recondução da história da educação rumo ao que acreditamos  buscar dentro desta importante área do saber e do fazer humanos. Mas ainda falta muito, talvez tudo. Arregacemos, portanto, as mangas. Respiremos fundo e partamos juntos para o passo inicial. Pois, temos ainda pela frente, uma caminhada bem longa, talvez suada e com muitos sacríficos, aos quais, talvez a maioria de nós não resistirá. Não acredita na sua necessidade. E não podemos de nenhuma maneira, continuar assim, tão ingênuos e inocentes úteis a tais revezes. Mas este precioso embate será repleto de bênçãos e nos conduzirá rumo à luz que alimentará nossos corpos e  almas. Dando-nos o melhor de todos os presentes, que, como bons educadores, passaremos a merecer: a consciência tranquila do dever cumprido. E a certeza de sermos atores na construção da história humana que, embora não saibamos, mas ainda nos mantemos na contramão. Coibindo, talvez, a cidadania, a dignidade humana que julgamos construir. E o tempo presente é, para, no mínimo, acordarmos. Tudo não passa de uma questão de cegueira, ou uma questão de visão e como num processo absolutamente individual, a escolha só pode ser minha, sua, de cada um.

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