PAULO FREIRE E O
RETROCESSO PEDAGÓGICO: QUEM SERIA O VERDADEIRO INIMIGO?
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Por:
Antonio da Costa Neto
Realmente, encantei-me com a beleza, a elegância e a
densidade do texto do Professor Edmar Camilo Cotrim, brilhante doutorando em
educação, silvaniense de renome e júbilo, intitulado: Paulo Freire, o inimigo.
No qual traça uma muito bem elaborada rede sobre as críticas feitas ao grande
Paulo Freire, no que concordo plenamente, em gênero, número grau e em algumas circunstâncias.
Modestamente,
considero-me um profundo conhecedor da obra freireana e a divido em três blocos
segundo uma linha de pensadores que seriam: A pedagogia do oprimido; A
pedagogia da Autonomia; e, um terceiro momento a que denominamos de A pedagogia
da esperança. E, logicamente, que, no seu maravilhoso conjunto propõe a
libertação de oprimidos e opressores do jugo abusivo de uma sociedade cruel e
injusta, no que, pelo que mostra a realidade parece que Freire fracassou. Mas
será que foi ele mesmo?
Paulo propõe, sim, a libertação de oprimidos e opressores,
pois não poderia cair no lugar comum, de por sua vez, ser excludente. Sua
pedagogia é para libertar a todos, embora, de formas diferenciadas, de forma a aliviar as tensões abusivas da
competição e do ganho a qualquer custo, mas, dando a todos o direito de voz,
vez e condições de vida, bem ao contrário do que aí se agrega na pedagogia burguesa
com vistas a resultados que, via de
regra, não beneficia mais ninguém. Acumula lucros, violência e socializa
fome, miséria, opressão. Sendo, portanto, necessário a salvação de todos deste
turbilhão de coisas que se amontoam, historicamente, construindo o caos.
Pois bem, Paulo Freire é sim, inequivocamente, o maior defensor da educação
libertadora, utilizada como instrumento para desenvolver nas pessoas o senso
crítico, a visão política, a autonomia ética, humana, econômica e social. Enfim,
a educação que, na sua conduta, forma – e não deforma o cidadão.
Paulo Freire inseriu os temas mobilizadores trabalhando
palavras do contexto vivo do universo de seus alunos, ativando, com isso, o
raciocínio abstrato necessário à compreensão de tais fenômenos. Lembro-me de
uma crítica muito importante que ele fazia sobre a frase, por exemplo: “Eva viu
a uva” – utilizada nas então cartilhas de educação de
adultos e que não motivavam nordestinos que só conheciam Marias, Sebastianas,
não Evas; e que, nem sabiam o que era uva. Claro, concordo muito, pois este é
um fator que eleva a consciência, o senso, quando se estuda a palavra tijolo
para quem trabalha com tijolo e a palavra roupa para quem lava roupas, por
exemplo. Partindo daí para temas mais eloquentes, mais profundos como as
descobertas dos próprios direitos e de si próprio como cidadão, agente, ator da
sua história. Pois, segundo o próprio Freire, “descobertas se fazem
descobrindo”.
Mas penso que com o propositor texto do Prof. Edmar nós
poderíamos inaugurar uma nova era, uma outra pedagogia, A Pedagogia do Cinismo.
Pois, diferentemente, de quem ousa escrever sobre Paulo Freire, ele teria hoje
como elo motivador palavras como política, ideologia, economia, capitalismo,
comunismo, coisa que, aliás ele sempre discutia, um pouco diferente de certas
constatações. Claro que Paulo, exilado e subversivo aos olhos dos tradicionais
donos do poder, que em nada eram diferentes dos atuais, não poderia se declarar
comunista, pelo óbvio amor ao seu pescocinho. Evidentemente.
Muito interessante o cinismo pedagógico de quem escreve enaltecendo
a coragem e a ousadia libertadora de Paulo Freire, quando na prática se exclui,
expulsa propostas e ações que referendem a autonomia, a livre expressão do pensamento seja ele qual for. Vivemos, afinal
numa sociedade supostamente democrática, até como merecida conquista de muito
do trabalho educacional de Paulo Freire, suas publicações e ideias. É o
refratarismo conservador, elitista, burguês na prática, para se delinear na
reflexão teórica bonita, contundente, mas, por força das circunstâncias, antagônica
e vazia. O famoso falar em mudança para evitar a mudança com o que se aprazem
os céticos conservadores de plantão que negam no cotidiano o que afirmam nas
letras.
É lógico que atenua a dor, o sofrimento, a maldade falar bonito
para fazer feio. Não me refiro aqui em absoluto ao Edmar como autor do texto;
mas ao fracasso retumbante da educação e da escola depois de tantos esforços,
tantos louros, tanta força para o diálogo. No discurso buscamos a libertação, a
construção por meio do ato educativo de uma sociedade melhor, mais justa e mais
humana. Mas pelo que nos parece, ajusta-se ao contrário frente aos dias amargos
em que gente vira gado, o que também aparece na sua contundente crítica.
Penso, finalmente, que o Edmar abre aqui uma comporta para o
diálogo e a reflexão, dentro da qual espero que venham sucessivas respostas.
Chega destes absurdos. Temos, sim, que ser rápidos no gatilho contra sandices
como estas. Parabéns ao Edmar pelo belo e contagiante texto. Quanto a Paulo
Freire, coitado, deve estar dando voltas no túmulo, aos vômitos, reclamando do
muito que falta para que ele seja, de fato, compreendido. E como ele próprio se
referia com seu aguçado humor nos debates finais de suas conferências. Sorrindo
ele sempre dizia entredentes: “Na prática a teoria é outra. ”
É, de fato. Mais uma
vez o gênio brasileiro tinha toda razão.
As pedagogias o cinismo, da opressão e da violência, de fato, se fazem muito
mais presentes no campo da educação e da escola. Discursos bonitos “tapando com
peneira” práticas funcionalistas,
liberais, burguesas, sem rumo e sem propostas. Mas um dia, não sei quando,
Paulo Freire deixará de ser considerado nosso inimigo. E nós então, os
identificaremos um a um. Apesar das máscaras.
Antonio da Costa Neto – educador silvaniense, mestre e doutor
em sociologia da educação pela Universidade de Brasília - autor de livros, artigos e projetos
educacionais pelo Instituto Humanizar – Assessorias Especiais para Programas de
Educaçao – Especial para o Jornal A Voz.