sexta-feira, 30 de abril de 2010

A AVALIAÇÃO NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM




Antonio da Costa Neto


“A avaliação deve ser um processo rumo ao
crescimento, e, não, à estagnação.”

(Demerval Saviani)


De todos os aspectos que envolvem os processos formais ou mesmo informais de ensinar e de aprender – aí entendendo a complexidade do educar – sem dúvida, a avaliação sempre foi um dos pontos mais nevrálgicos. Isto, em todos os segmentos do que podemos identificar como a história da evolução da educação. Seus instrumentos, formas e táticas no sentido de fazê-la acontecer, de fato na prática, no cotidiano das pessoas. Claro que aí não se resume todo o contexto dos problemas da educação. Temos muitos outros, vários e diversificados, mas há um consenso entre boa parte dos grandes pensadores da área de que é justamente na avaliação, por seu caráter eminentemente político e intersubjetivo é que se encontram os maiores problemas, e, por conseguinte, a dificuldade de se vislumbrar soluções válidas e eficientes no sentido de resolvê-los ou superá-los no cômputo da evolução do mesmo processo.
Dentro de um contexto teórico, podemos levar em consideração desde, por exemplo as concepções clássicas de Bordieu & Passeron (1975), que tratam da questão por um foco político-ideológico, passando igualmente pelas abordagens psicológicas e operacionais de Wallon (1988); Vygotsky (1984); Gatti (2007); Garrido Pimenta (2008); Candau (1984) e Hoffmann (2003); dentre outros que trazem os mais diversificados aspectos sobre o tema da avaliação dentro da educação brasileira.
Assim refletindo, se fizermos uma análise, ainda que simplificada dos processos evolutivos da educação no Brasil, desde os jesuítas, passando pela pedagogia tradicional, a escola nova, a educação tecnológica, e até mesmo, dentro das tendências humanísticas, consideradas mais avançadas como as de Freire (1989); a teoria crítico-social dos conteúdos; as concepções e tendências libertária e libertadora, passando pela escola construtivista de Ferreiro (2005) e outros, chegando aos nossos dias, parece-me que não temos muito a comemorar em termos do crescimento da avaliação. Que, em meio a pequenos avanços e ajustes técnicos e metodológicos, demonstra trafegar no senso comum, do quase nada inovador, dando, infelizmente, mostras de uma grande estagnação no campo das ideias que a compõem, tanto na teoria, quanto na prática.
A avaliação nos processos educacionais quase sempre se pautou por ser um mecanismo estanque, segregador, e, quando não, punitivo. Dentro de uma concepção pedagógica instrumentalista que rejeita o processo e busca, de forma veemente, apenas o resultado. Fundamentando-se numa abordagem social voltada para o atendimento cego, da hoje ultrapassada dinâmica do crescimento industrial puro com o que se regozijava a economia do País nas décadas de 50 a 70 do Século XX, mais precisamente.
Há uma linha de pensadores que defende a ideia de que a educação, enquanto processo político e prática social, atua, ainda que de forma inconsciente também para dificultar o desabrochar crítico da pessoas. E se isto é verdade, certamente é nas formas de avaliar que residem esta essência. Pois aí mora justamente o referencial de cobranças, punições, culpas, repressões, e, por que não, dores e sofrimentos que vão, ao longo dos anos, meio que moldando o cidadão, para que ele se encaixe nestes mesmos processos de forma menos consciente e menos dolorida. Deixando as brechas para a exploração fácil, a extorção econômica pelo trabalho ou pelo consumo, e, assim por diante.
Desta feita, o antigo modelo aula/prova (antigo sim, na teoria, mas atualíssimo na prática, infelizmente) peca basicamente por separar, segregar a indução da dedução, cerceando aí, de cara, a realização do verdadeiro aprendizado.
Pois a moderna psicologia da educação nos explica que, se fragmentarmos - separarmos - a indução – do particular para o geral, quando o professor ensina, fundamenta sua teoria, explica, comanda, induz ideias; distanciando-a no mesmo processo da dedução. Ou seja, do geral para o particular, quando os muitos alunos retornam para um único professor o que entenderam, o que concluíram. E como vão (ou não) se utilizarem socialmente do que aprenderam – assim, o máximo que podemos chegar é a um processo de treinamento adestrante, com vistas a resultados parciais, distintos e estanques. O que está a anos-luz de distância do que poderíamos, de alguma forma, definir como educação. O que é muito mais amplo, volátil e complexo, e, por incrível que pareça, ainda dentro de nossa extrema ingenuidade política, na maioria das vezes, nós acreditamos que já estamos fazendo.
Neste sentido, a Universidade de São Paulo – USP, no final da década de 90 realizou um experimento interessante. Ela, por meio de Departamento de Avaliação Educacional da sua Faculdade de Educação, convocou cerca de 80 ex-candidatos que acabavam de ser até os terceiros colocados nos vestibulares das maiores Universidades do país e dos cursos com o maior grau de concorrência. O que exigia, logicamente, um desempenho excepcionalmente acima da média, para responderem, dias depois, a mesma prova do vestibular em que muitos conseguiram a nota máxima, quando não, resultados espetaculares em função do grau de cada uma das aprovações e classificações finais.
O Jornal A Folha de São Paulo da época, publicou o espantoso resultado desta pesquisa, mostrando que a quase totalidade dos alunos, ou sejam 96,2% destes, acertaram bem menos da metade de todas as questões. O que levaria à reprovação de muitos deles, caso o resultado fosse considerado como oficial. Ou seja, a condução específica dos objetivos e resultados do aprendizado, sendo a aprovação, a nota ou a prova desobriga, inconscientemente a pessoa a ter o domínio do supostamente aprendido dentro do contexto anterior. Seca, desnutre, nega todo o processo e a necessidade de se aprender para a vida, para uma aplicação posterior rumo ao crescimento, a melhoras teóricas ou práticas. Fica no ar algumas perguntas: Vale o sofrimento, o esforço, o infinito gasto para apenas desenhar na prova do vestibular ou do concurso os subterfúgios de um conhecimento raso, superficial, quase inexistente? Deve a escola continuar sendo este laboratório de mentira, de figuração da aparência e de um aprendizado de faz de conta, apenas para o cumprimento de razões burocráticas claras? Não constituiria tal processo numa imensa vergonha num país que vive justamente rebatendo a tecla da importância da educação? Onde estão os recursos do MEC, seus técnicos regiamente pagos e que não enxergam este descalabro total?
Nunca se educou e nem se educa para a vida, mas para as razões cartoriais das instituições de ensino, os ícones administrativos frente aos rigores da administração da escola e que não levam a absolutamente nada na ordem das coisas, ou dos fins reais da educação. E isto não constitui um crime social que se configura no medo de que afinal o pobre, o trabalhador, o eleitor incauto aprenda, entenda, revide e cobre o que é o seu mais absoluto direito?
Outro aspecto importante a considerar é o que diz respeito ao mero e simples “ensinar/aprender” e o complexo e infinito “educar”, que são fenômenos bem distintos dentro de um mesmo tema quando tratado, como aqui, em proporções mais amplas. O que de fato queremos? Se a questão é de apenas instruir, ensinar, levar o indivíduo a reproduzir o saber, então já estamos no caminho certo. Pois é o que já acontece nas nossas escolas, aliás, com especial eficiência e que independe de uma múltipla série de critérios e aspectos. É uma tarefa simples como arregimentar macacos ou programar robôs para tarefas simples, superficiais, repetitivas e inconscientes, o que é até muito fácil de se fazer e, portanto, nem precisa ser bem pago. Daí, talvez a eterna e polêmica discussão sobre os salários dos profissionais da educação, e, sobretudo, dos professores.
Mas, se o que queremos é educar, abordando o sentido político, a ótica, o contexto, a formação ética, crítica e estética, dentre outras, haveremos, em avaliação deste processo e nos demais campos que o compõem, de dar saltos e vôos bem mais altos.
Os processos de avaliar no ensino, na aprendizagem, e, finalmente, na educação em seus métodos quantitativos – avaliação somativa, formativa ou diagnóstica – que visa a análise da reprodução do conteúdo ou dos raciocínios anteriormente explicados. Ou mesmo a avaliação qualitativa – no processo, iluminativa, emancipadora, auto-avaliação – que vai além do reproduzir. E referenda posturas e opções transformadoras entre o que se aprende e o que se aplica na melhoria deste mesmo fazer, em si, e frente às complexidades e exigências atuais, são ainda muito pouco eficientes.
É preciso, inicialmente, para se revigorar este processo que os educadores entendam e percebam o referencial de poder e dos possíveis jogos manipuladores que se escondem por trás de cada uma delas. Pois se a educação formal existe para, inclusive, aniquilar o senso político das pessoas, é, sem dúvida, na avaliação que tal segmento, aliás, como já dissemos, se manifesta de forma facilmente oculta e produzindo os maiores traumas e escárnios intelectuais não perceptivos a muitos. O que, na verdade, constitui o maior de todos os seus problemas, talvez o único.
Depois, faz parte de um passado longínquo – embora grande parte dos professores não saibam disso – o tempo em que o único meio de avaliar eram aquelas maquiavélicas e extensas provas, por vezes, segregadoras e punitivas ao extremo. Que nada mais ‘eram’ do que um meio de caça-ideologia do aluno.
Ou seja, se – eu – o professor, a autoridade máxima e central, o dono absoluto do conhecimento disse isto na aula. Ou referendei aquilo no livro ou no texto utilizados para ilustrarem o seu contexto – então você, um simples aluno, como integrante de uma massa amorfa não poderá fugir um mínimo que seja de tais propósitos, afirmações e circunstâncias.
E parece-me que é assim que historicamente se construíram os guetos famigerados de poder, as oligarquias nazi-fascistas em volta do mundo. Perpetuando a exploração do homem pelo homem, o caos, a miséria, a fome e todos os males sociais, ainda hoje, vivos e presentes no mundo contemporâneo. Mas os educadores e educandos parecem gostar de continuarem cegos e incapazes de fazer uma ligação intelectual qualquer entre este conjunto de coisas. O que é uma grande pena, uma enorme perda de tempo, enquanto a humanidade sofre e se despedaça a cada dia.
Entendo que para se tentar buscar soluções para os problemas da avaliação no processo ensino/aprendizagem é preciso agrupar – e por uma ótica radicalmente nova – aspectos qualitativos e quantitativos outros. Avaliando sim com provas, o que nunca foi absolutamente proibitivo. Mas não só com elas – e que também não sejam tão maquiavélicas e punitivas como, no geral, têm sido. Que incluam atividades práticas, intervenção social, ludicidade, artes, debates, seminários, psico e sóciodramas, feiras, mostras, auto-avaliação e infinitas modalidades de se avaliar o que se ensina, o que se aprende e a que distância estamos do fenômeno máximo que é o de educar as pessoas. E o infinitamente mais importante, saber o para que, para quem, contra o que e contra quem se ensina, se aprende e se tenta educar e avaliar tais processos nas escolas e demais instituições congêneres.
Hoje em dia há uma linha de pensadores da educação, dentre os quais De Gregori (2003); Carvalho de Oliveira (1998); Cândida Moraes (2000); Soriano de Alencar (1983); Victor Paro (1986) e muitos outros que advogam, em síntese que o papel central da avaliação no processo ensino/aprendizagem consiste em tornar simultâneas e não, fragmentadas, a indução e a dedução. Criando assim, na própria lógica, espaços para a argumentação, a sistematização do novo saber. E a conclusão – íntima, interior e sempre mutante – sobre o aprendizado, a reflexão crítica sobre ele. E, enfim, a opção – ou não – pelo seu concreto uso posterior no meio social.
Com o quê, além de avaliar apenas resultados, estaremos, igualmente, avaliando os processos e ainda a avaliação estará sendo dual e não mais, parcial como tem sido. Ou seja, estaremos avaliando, ao mesmo tempo e no processo, o professor que ensina e o aluno que aprende. Pois, por esta ótica, bons processos levam, necessariamente a bons resultados e a recíproca também é verdadeira. Se houve, portanto, um bom ensino, considerando complexidades, momentos, ritmos, estilos, dinâmica psicossocial e não só, procedimentos técnicos, como o que comumente acontece, o bom aprendizado será quase uma garantia.
Mas, tal como geralmente funciona, a avaliação nos processos ensino/aprendizagem - talvez de propósito – neutraliza, não considera – e meio que protege o professor, quem ensina, quem comanda, deixando por baixo um ranço de culpa, de má vontade, de indolência, de preguiça, só do aluno. Com o que, com a maior eficiência se reproduz subliminarmente o jogo, a política da exploração de muitos (representados pelos "vários alunos omissos, preguiçosos e irresponsáveis"). Garantindo, assim, como simples e natural os privilégios de poucos (representados pelo único professor que comanda, sendo, portanto, naquele momento, o maior responsável pela eficiência do processo), o que é a síntese de todo o caos e dos grandes problemas do mundo e da vida moderna, seus tormentos e horrores em volta do planeta.
Se apurarmos antigas e novas proposições, estudos, experimentos, pesquisas e tratados feitos sobre a avaliação nos processos ensino/aprendizagem, vamos entender que a sua problemática não é mais tão técnica. Mas, especialmente, política, humana e social. Ao invés de dissimular meios de segregar, vigiar e punir, a avaliação deverá facilitar, promover, beneficiar processos e pessoas que ensinam e que aprendem, conduzindo juntas o fenômeno do educar.
Pois, avaliar deve significar procedimentos rumo a melhorias e não, para a estagnação de processos que punem, segregam e que continuam aí, os mesmos, há séculos .A moderna avaliação da educação deve começar por entender uma concepção ampla de “ensinagem”, num único bloco, e, não mais, ensino - e - aprendizagem, que separa e torna estanque uma coisa da outra, o que tem sido um dificultador bastante grande.
Deve articular métodos, formas e concepções que sejam qualitativa e quantitativamente aceitas, harmônicas e complementares. Avaliando no processo e com muitas formas, meios e recursos. Não mais, tornando o aluno um objeto, um recipiente onde se guarda o saber e ele ali fica por muito pouco tempo – como uma pequena estátua de gelo exposta ao causticante sol do alto verão tropical. Mas fazer de quem ensina e também de quem aprende, sujeitos mediadores de uma mesma sintonia autêntica de trocas e crescimentos múltiplos. Fundamentar a epistemologia própria de cada fase, idade, época, história, pessoa. Para que a educação e a escola, o ensinar e o aprender não sejam, meramente, a condução de saberes prontos e acabados. Conhecimentos mitizados por uma estrutura de poder em crise e que faz do ensinar e do aprender, ainda que, a princípio, de forma inconsciente, um subterfúgio, da legitimação do caos.
Avaliar para facilitar os passos da educação que muito bem rezam a LDB, os PCNs, os Projetos Político-Pedagógicos, e, por fim, os planos de ensino de cada componente curricular, de cada professor. Ou seja, ensinar, aprender, em síntese, educar para melhorar a concepção, os valores, a cultura das pessoas. Que, por sua vez, irão atuar para melhorarem suas relações, os ambientes em que vivem, as suas próprias e a vida humana em sociedade. Avaliar, enfim, processos de ensinar e de aprender para diagnosticarmos, finalmente, em que ponto estamos de distância deste magnífico processo que é o de educar os seres humanos no mundo.

Bibliografia Consultada:

ALENCAR, Eunice Soriano de. Psicologia: os princípios básicos do comportamento. Petrópolis: Vozes, 1983.
BORDIEU, P. & PASSERRON, J. C. A reprodução: elementos para a teoria de um sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1 975.
CANDAU, Vera Maria. A didática em questão. Petrópolis: Vozes, 1984.
CARVALHO DE OLIVEIRA, Colandi. Psicologia da ensinagem: processos das relações professor/aluno. Goiânia: Kelps, 1 998.
DE GREGORI, Waldemar. A construção dos três cérebros pela família e pela escola. Belo Horizonte: Luzazul, 2003.
FERREIRO, Emília. Memória da pedagogia. Cidade do México: Duetto Educacional, 2005.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1 989.
GATTI, Bernadette. Construindo caminhos para o sucesso escolar. São Paulo: Unesco no Brasil, 2007.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção. Porto Alegre: Mediadora, 2003.
PARO, Victor. Administração da educação: uma introdução crítica. Petrópolis: Vozes, 1986.
PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2008.
SAVIANI, D. Educação brasileira: estrutura e sistema. São Paulo: Saraiva, 1 978.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP. Pesquisa para identificação da validade avaliativa nos processos de aprendizagem no ensino médio e na preparação para o vestibular. Departamento de Fundamentos da Avaliação Educacional da Faculdade de Educação: São Paulo, 1 998.
VYGOSTYKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
WALLON, H. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1 988.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

O POEMA DO MENINO JESUS, DE FERNANDO PESSOA - CODIFICADO COMO ALBERTO CAEIRO




Num meio-dia de fim de primavera

Eu tive um sonho como uma fotografia

Eu vi Jesus Cristo voltar à terra.

Veio pela encosta de um monte.

E era a eterna criança, o Deus que faltava.

Tornando-se outra vez menino,

A correr e a rolar pela relva

E a arrancar flores para deitar fora.

E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir desegunda pessoa da Trindade.

Um dia, que Deus estava dormindo

e que o Espírito Santo andava a voar

Ele foi até a caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro, ele fez com que ninguém soubesse que ele tinha fugido.

Com o segundo, ele criou-se eternamente humano e menino.

E com o terceiro ele criou um Cristo
e o deixou pregado numa cruz que serve de modelo às outras.

Depois ele fugiu para o sol

e desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje ele vive comigo na minha aldeia

e mora na minha casa em meio ao outeiro.

É uma criança bonita, de riso e natural.

Atira pedra aos burros.

Rouba a fruta dos pomares.

E foge a chorar e a gritar com os cães.

Nem sequer o deixaram ter pai e mãe

como as outras crianças.

Seu pai eram duas pessoas: um velho carpinteiro

e uma pomba estúpida, a única pomba feia do mundo.

E sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher, era uma mala
em que ele tinha vindo do céu.

E queriam que justamente ele pregasse o amor e a justiça.

Ele é apenas humano,

limpa o nariz com o braço direito,

chapina as possas d'água;
colhe as flores, gosta delas,

esquece-as.

E porque sabe que elas não gostam
e que toda a gente acha graça,

ele corre atrás das raparigas
que carregam as bilhas na cabeça e levanta-lhes as sáias.

A mim, ele me ensinou tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.

Aponta-me todas as belezas que há nas flores.

E mostra-me como as pedras são engraçadas

quando a gente as tem nas mãos e olha devagar para elas.

Ensinou-me a gostar dos reis e dos que não são reis.

E tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios.

Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente.

Sempre a escarrar no chão e a dizer indecências.

E que a Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meias.

E o Espírito Santo coça-se com o bico;

empoleira nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é tão estúpido como nas Igrejas.

Diz-me que Deus não percebe nada das coisas
que criou - do que duvido.

"Ele diz por exemplo que os seres cantam sua glória.

Mas os seres não cantam nada
se cantassem, seriam cantores.

Eles apenas existem e por isso são seres..."

Ele é o humano que é o natural.

Ele é o divino que sorri e que brinca.

E é por isso que eu sei com toda certeza que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E depois, cansado de dizer mal de Deus

ele adormece nos meus braços.

E eu o levo ao colo para minha casa.

Damo-nos tão bem na companhia de tudo

que nunca pensamos um no outro.

Mas vivemos juntos os dois

com um acordo íntimo,

como a mã0 direita e a esquerda.

Ao anoitecer, nós brincamos nas cinco pedrinhas do degrau da porta de casa.

Graves, como convêm a um deus e a um poeta.

É como se cada pedra fosse um universo

e fosse por isso um grande perigo deixá-la cair no chão.

Depois ele adormece.

E eu o deito na minha cama despindo-o lentamente

seguindo um ritual muito limpo, humano e materno até ele ficar nu.

E ele dorme dentro da minha alma.

Às vezes ele acorda de noite e brinca com os meus sonhos.

Vira uns de perna para o ar.

Põe uns encima dos outros.

E bate palmas sozinho sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo.

E leva-me para dentro da tua casa.

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde, para eu tornar a adormecer.

E dá-me os sonhos teus para eu brincar...


(Alberto Caeiro)

terça-feira, 27 de abril de 2010

QUEM TEM MEDO DA "DOUTORA" DILMA ROUSEFF?


Quem tem medo da "doutora" Dilma?
Meu Deus, que horror aquele pensamento da pseudo-doutora Dilma que anda circulando repetida e neuroticamente no horário nobre da Rede Globo de Televisão - o que significa uma nota preta - sobre o craque, o vício dos jovens, o crime que representa, etc. Ela diz: " - Vamos combater e dominar os traficantes..." O que me dá até arrepio, pois sinto que esta respeitável senhora vê uns, politicamente, mais iguais do que os iguais. O que demonstra a sua brutal insensibilidade no trato com o ser humano. Como a outra, refiro-me à Zélia Cardoso de Melo, estas ministras poderosas só têm é sorte de serem "amiguinhas" dos boçais maiores, fazem um discursinho porco e ficam aí posando de poderosas sem um mínimo de visão, de competência ou de seriedade política no que fazem.
Queria lembrar a esta respeitável senhora que os traficantes também são brasileiros, eleitores, eles votam, viu? E muitos são traficantes por irresponsabilidade de vocês, do governo. De nós, esta sociedade de omissos. E já era mais do que tempo da senhora abandonar esta visão pobre e besta. A senhora precisa evoluir, doutora...
Ela personifica, para mim, aquele pai autoritário de quem os filhos morrem de medo. Aquela diretora de escola que quando se tinha que ir à sua sala, a gente faltava fazer pipi nas calças. Aqueles monstros horrendos dos filmes de terror que sempre significam a mais absoluta constatação do mal. Ela tem é muita sorte de estar neste mato sem cachorros que é o Governo Lula, que, só ainda está aí porque conseguiu fantasiar o bem por meio de figuras mitológicas como a desta senhora que sabe enrolar no discurso enfeitado com a arrogância de sua pessoa que só me faz lembar os "machos de sáias", de que muito bem nos fala Rose Marie Muraro em um dos belos, sensíveis e mais impolgantes relatos.

Vou confessar: morro de medo de Dilma Rousseff. Não tenho muitos medos na vida, além dos clássicos: de barata, rato, cobra. Desses bichos tenho mais medo do que de um leão, um tigre ou um urso, mas de gente não costumo ter medo. Tomara que nunca me aconteça, mas se um dia for assaltada, acho que vai dar para levar um lero com os assaltantes (espero); não me apavora andar de noite sozinha na rua, não tenho medo algum das chamadas "autoridades", só um pouquinho da polícia, mas não muito.

Mas de Dilma não tenho medo; tenho pavor. Antes de ser candidata, nunca se viu a ministra dar um só sorriso, em nenhuma circunstância. É que os monstros não sabem sorrir. Só quando se transformam em outros personagens para facilitar o cumprimento de suas metas, de suas estratégias maquiavélicas, como, por exemplo, a de presidir a república brasileira. O que seria o fim do fim.

Depois que começou a correr o Brasil com o presidente, apesar do seu grave problema de saúde, Dilma não para de rir, como se a vida tivesse se tornado um paraíso. Mas essa simpatia tardia não convenceu. Ela é dura mesmo. Não existe em Dilma um só traço de meiguice, doçura, ternura, de feminilidade. A Dilminha não tem jeito. Ela é hororrosa mesmo, na exata expressão da palavra.

Ela tem filhos - coitados - e deve ter gasto todo o seu estoque com eles, e não sobrou nem um pingo para o resto da humanidade. Não estou dizendo que ela seja uma pessoa má, pois não a conheço. Graças a Deus e nem quero. Mas quando ela levanta a sobrancelha, aponta o dedo e fala, com aquela voz de general da ditadura no quartel, é assustador, aterrorizante. E acho muito corajosa a ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira, que enfrentou a ministra afirmando que as duas tiveram o famoso encontro. Uma dizia que sim, a outra, que não. E não poderíamos esperar que os funcionários do Palácio do Planalto medrosos e subservientes contrariassem o que seus superiores ordenassem que eles devem dizer. Acredito mesmo que eles devam viver um clima de pavor e de medo.

Sempre poderá surgir do nada um motorista ou um caseiro, mas não queria estar na pele da suave Lina Vieira. A voz, o olhar e o dedo de Dilma, e a segurança com que ela vocifera suas verdades, são quase tão apavorantes quanto a voz e o olhar de Collor, quando ele é possuído.

Quando se está dizendo a verdade, ministra, não é preciso gritar. Nem gritar nem apontar o dedo para ninguém. Isso só faz quem não está com a razão, é elementar. Lembro de quando Regina Duarte foi para a televisão dizer que tinha medo de Lula, da volta da inflação, etc. Regina foi criticada, sofreu com o PT encarnando em cima dela - e quando o PT resolve encarnar, sai de baixo. Não lembro exatamente de que Regina disse que tinha medo -nem se explicitou-, mas de uma maneira geral era medo de um possível governo Lula. Demorei um pouco para entender o quanto Regina tinha razão. Hoje estamos numa situação pior, e da qual vai ser difícil sair, pois o PT ocupou toda a máquina, como as tropas de um país que invade outro. Com Dilma seria igual ou pior, mas Deus é grande.

Minha única esperança, atualmente, é a entrada de Marina Silva na disputa eleitoral, para bagunçar a candidatura dos petistas. Eles não falaram em 20 anos? Então ainda faltam 13, ninguém merece. Seja bem-vinda, Marina. Tem muito petista arrependido para votar em você e impedir que a mestra que mente descaradamente por aí que é Doutora em um monte de coisas, que, claro, ela nem sabe o que é, Dilma Rousseff, passe para o segundo turno.


Danuza Leão (adaptações e ajustes meus, é claro).
danuza.leao@uol.com.br

terça-feira, 13 de abril de 2010

SILÊNCIO, ESTÃO DORMINDO...

(Foto da Ana Luiza, minha sobrinha-neta. Nasceu ontem)

______________

A visão de uma criança adormecida nos acalma.

Faz-nos meditar.

O olhar sedetém.

Acaricia vagarosamente.

O olhar se torna, então, uma experiência poética de felicidade.

Sentimos que a criança que vemos dormindo no berço,

dorme também na nossa alma.

E a alma fica tranquila, como a criança.

É por isso que, mesmo depois de apagada a luz,

ida a imagem física,

vai conosco aimagem poética

como uma experiência de ternura.

domingo, 4 de abril de 2010

ALGO ASSIM...


Algo assim
harmonioso como o cemáforo
que insiste em iluminar de vermelho
(da mesma cor do sangue)
o engarrafamento engessado.
Ao lado, uma criança parruda,
preta e nua,
grita e puxa o próprio saco
como se quisesse extirpá-lo.
Acho que procurava uma dor maior
capaz de neutrazlizar
a fome que a fazia chorar.
Enquanto isso,
a torre de arame
desvirgina a núvem
espessa dona da tarde de inverno.
Há vinte e três dias
chove e faz frio,
intensamente,
sobre a cidade.
Há mais de cinquenta anos
chove e faz frio.
Intensamente.
Dentro de mim.
____________

Antonio da Costa Neto. In "Poemas para os anjos da terra". Ainda inédito.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

BBB-10: O BRASIL SERIA MESMO UM PAÍS DE TOLOS?


Com a escolha do Marcelo Dourado para vencedor do BBB-10, com uma votação simbolicamente igual à população brasileira, realmente, nós precisamos parar e rever com muita seriedade nosso padrão de evolução, cultura, ética e desenvolvimento humano. Primeiro, porque damos margem para que esta palhaçada exista. Segundo, assistindo ou não a este programa patético, é impossível não saber de tudo que ali ocorre, pois o monstro global é unipresente em todos os momentos. Para nos ocultar do BBB, só se nos trancarmos num quarto de olhos e ouvidos hermeticamente tapados. E terceiro, que, com ou sem meios para isto, nós votamos religiosamente enchendo os bolsos da mesma globo que nos aliena de tudo, para que ela faça a sua própria fortuna e a dos Dourados da vida.
Desde o primeiro dia deste famigerado BBB-10 que estou cantando a mesma pedra: - "Este programa foi feito para o Dourado ganhar o prêmio." "Alguma razão têm a Globo e o seu mascote Bial para manipularem as coisas, alterarem as regras das provas, editar imagens que interessam para "endeuzarem" esta figura, etc. Pois só sendo muito tolo e muito ingênuo para não compreender os biquinhos e gracejos - um tanto efeminados demais - do Bial, a personalidade, a pouca inteligência dos demais participantes e tudo mais que demonstra a montagem grosseira da manipulação do prêmio pago pelo povo brasileiro, não raro, em troca das moedas que comprariam o leite para crianças famintas dentro de casa.
O que acontece de fato é que, no BBB-4, o mesmo Marcelo Dourado que saiu do programa sem receber nada, sofrendo retaliações outras por parte da Globo e alegando o exagero da exposição de sua imagem, entrou na justiça contra a Rede Globo de Televisão, que foi condenada a pagar o prêmio ao então ex-BBB, o que daria hoje, com juros e correção monetária, os exatos um milhão e meio de reais, o que ele acabou de faturar.
A Globo poderia pagar o prêmio de outra forma, mas teria igualmente de desembolsar uma grana alta para um outro ganhador dentro do esquema normal. Mas, sequiosa de ambição por esta migalha que para ela significa, criou a gangue Boninho/Bial, com o que poderia economizar um bom dinheiro e criar um novo esquema do programa, ainda que meio torto e esquisito. Mas que, para a inteligência e criticidade do telespectador brasileiro seria muito bom. E melhor ainda, ninguém perceberia esta estratégia maquiavélica.
Pois então, na 109ª Vara Cível da cidade do Rio de Janeiro, corre um processo movido pelo Senhor Marcelo Pereira Dourado contra a Rede Globo de Televisão. E que, o Juiz Dr. Luiz Sérgio Alves Santarém, deu, em primeira estância ganho definitivo de causa para Dourado, tendo em vista a gravidade dos elementos por ele expostos. A não ser por isso, jamais a Rede Globo o convidaria para voltar ao programa. Basta ver no youtube, por exemplo, as várias colocações que o Marcelo Dourado fez ao sair do BBB-4, quando deixou o reallity-show, dizendo cobras e lagartos a respeito da emissora e do programa. Confira e veja você mesmo se a esperta Globo poderia, espontaneamente, depois de tudo, convidá-lo a voltar a pisar em sua e casa, e, mais ainda, nas mesmas condições de antes.
E nós, população brasileira pagamos o vlaor principal, as custas e as multas do processo, com os votos imbecis que damos e ainda nos consideramos felizes e premiados. Seríamos mesmo um país de tolos? Quando será que a Globo abrirá um paredão ridículo e não receberá sequer um voto? Eu gostaria muito de viver para ver este dia chegar. Será que viverei por pelo menos uns 1500 anos? Talvez mais?
E os BBB's, "coitados, tão bobinhos", se servindo de chacotas, como a tonta da Lia se desmanchando em cachoeiras, a Maroca conversando pelos cotovelos, o Cadu gastando sua já minúscula inteligência, a avoada Fernanda achando ainda que uma mulher iria ganhar, etc. etc. etc. E até na final, os valores foram invertidos. O Cadu, por exemplo, o melhorzinho deles foi o último classificado. Mas também, sendo um autêntico MMPC - muito músculo e pouco cérebro - a sua inteligência discreta fez com que ficasse ligado a amizadezinhas piegas e não fez muita coisa inteligente que poderia ter feito em favor dele próprio. E o que dizer da mentira deslavada do BBB da diversidade, que nada mais fez do que mostrar de que ali não é lugar para homossexual algum,colocando os coloridos num ambiente fálico, homofóbico, e, no final de tudo, altamente preconceituoso. Um horror.
A dissimulada e morna Fernanda, sagaz oportunista ficou nem segundo plano. Enquanto o líder, o grande campeão Dourado é o símbolo vivo da homofobia sim, da prepotência, da mesquinhez, do individualismo exacerbado: um psicopata. Basta ver a forma como ele tratava "os diferentes" do programa, embora dissimuladamente. Lembro que numa festa quando começou a tocar a música Robocope gay, dos Mamonas Assassinas, ele que cantava e dançava, parou na hora, trancou a boca e se sentou num canto até o exato momento em que acabou a música. É truculento, preconceituoso, violento, burro, sem educação, sem ética, sem princípios até nas atitudes íntimas, incluindo os arrotos à mesa, as colocações indiscretas e pouco oportunas. Extremamente egoísta, dissimulado, frio, arrogante, insensível, um verdadeiro animal, a quem a Rede Globo vem mitizar dentro de nossas casas e aos olhos de nossas crianças, como se ensinasse a elas que é este o caminho a seguir, numa sociedade como a nossa, ávida e necessitada de valores antagônicos a estes.
O que eu não acredito é que a esta altura da evolução da humanidade, nós brasileiros ainda nos deixamos cair neste tipo de armadilha, nos levando pelos faniquitos do Bial, pela sua postura pouco respeitosa para com o povo que paga o seu salário milionário. O Brasil trocou o tempo todo a bondade pela truculência, a honestidade pela esperteza, a sinceridade amorosa pelo preconceito, a homofobia, o egoísmo. E no final das contas restaram os piores exemplares para disputarem a malfadada final do jogo, dando às gerações mais jovens um péssimo exemplo do que seja uma conduta cidadã e correta frente aos conflitos que todos enfrentamos e enfrentaremos no futuro que espera este país.
É, o Brasil involui a cada dia. Mas também com a nossa Globo, o nosso catolicismo, a nossa educação, carnaval e o nosso futebol nada e nem ninguém irá nos segurar rumo ao abismo incomensurável. E programas como o BBB e, mais especialmente, o BBB-10 significam um grande impulso neste sentido. Vamos começar a agir começando por incluir em nossa idumentária de todos os dias, o nariz de palhaço. Por que é o que ainda somos, e, justamente, no pior sentido da palavra. Assim como é uma vaca a Lia, do mesmo BBB-10, é claro.
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Átilla Bontempo da Motta Fraga
Assistente jurídico e estudante de Jornalismo.
Rio de Janeiro/RJ