sábado, 8 de junho de 2013

A MÚSICA DE CHICO BUARQUE (A PERMUTA DOS SANTOS) E A POLÍTICA BRASILEIRA


A PERMUTA DOS SANTOS, DE CHICO BUARQUE E A NOSSA REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA


Ouvi hoje a música A permuta dos santos, de Chico Buarque, lindamente interpretada por Mônica Salmaso (embora eu seja daqueles que preferem ouvir Chico com Chico). E fiquei pensando num fenômeno que vem me incomodando muito, depois de assistir a algumas cenas dantescas  dentro da realidade política de nossos dias. A música, conforme vocês podem conferir, fala da necessidade de se incomodar os santos para que eles se lembrem do povo que sofre. E possam, então, providenciar os milagres e as melhoras que tanto deles se esperam.
É aquela dinâmica que dita a antropologia, quando retrata a  competitividade humana que podemos, didaticamente, sintetizar da seguinte forma: O ser humano, como todos os mamíferos e animais de sangue quente são, profundamente, competitivos. O homem, por sua racionalidade e inteligência, o é de forma muito mais forte e sistematizada. Pois ele, por ser inteligente, blefa, engana, joga, cria associa elementos da intersubjetividade para, com isto, justificar os próprios benefícios. A partir de quê, tudo faz, pensa e realiza para perpetuar e garantir estes mesmos privilégios, e, assim, sempre.
O que se sente na pele é ponto básico de sustentação para as atitudes, as ações da pessoa. O que se subjuga por meio dos critérios técnicos, das ideologias, que geram normas, leis e condutas, sempre privilegiando aqueles que as fazem em detrimento de quem as cumpre.
 Daí, pergunto, como pode um parlamentar, um político - deputado, senador, etc. - representar o povo brasileiro, se as condições de vida deles que governam são completamente contraditórias e até antagônicas às daqueles que são governados? E o pior, numa relação custo/benefício em favor deles próprios  sem considerar as reais condições de vida do povo.
Se como parlamentar represento o povo que passa fome, mora mal, usa o transporte urbano de péssima qualidade, está sem trabalho, sem renda, etc. no íntimo das pessoas existiriam condições reais  para que isto acontecesse? E as regras que norteiam tais processos? Quem as faz? Quem as cumpre? Este sim, ao meu ver, o grande, o complexo problema com o qual convivemos diuturnamente, e, sobre ele é que deveríamos nos debruçar para resolver de forma definitiva, não há, outra saída. Ou descentralizamos - com a máxima urgência - o poder de decidir e a riqueza produzida, e, mais rápido ainda, desassociando uma coisa da outra, ou sucumbiremos todos ao caos absoluto que circunda, há milênios, nossa realidade e nossas vidas.
A floclórica e bela música do Chico fala sobre a retirada dos santos de suas casas, indo de carroça e de jumento para as igrejas alheias, para que assim, incomodados, por estarem no lugar que não lhes pertencem  se lembrem de fazer o que é preciso para que seus fiéis, que sofrem dos mesmos males, possam receber os benefícios que lhes são próprios: casa, chuva, comida, conforto, vida, saúde, cidadania, etc. 
Se se constata a lógica que os santos devam ser  incomodados, para assim, fazerem os  milagres, não aconteceria o mesmo para que os políticos pudessem conceber e aprovar leis, decretos e políticas públicas que revertam, de fato nos benefícios concretos das pessoas do povo?
 Quem mora bem quer melhor sempre melhor ainda, o que não se torna possível se todos tiverem o direito do bem morar e assim, sucessivamente. Não teríamos recursos, condições, espaço para que todos morem tão bem. É preciso, portanto, sucumbir a maioria a morar em periferias, a se virarem em kitnets mínimas ou barracos de papelão e lona  para que a elite, da qual fazem parte os  políticos; pelas condições de vida que lhes são próprias se refestelem no eterno bem-estar e nas excelentes condições de vida que lhes são dadas.
Assim pensando e sob a "batuta buarqueana" imagino que, para se legitimar e democratizar a representatividade política seria preciso que os governantes sofressem na pele o que sofre o povo que eles governam, por quem foram eleitos e, em última análise, deveriam representar. É preciso que o político ganhe o que ganha o povo, coma o que ele come, se transporte nos ônibus miseráveis, sujos, lotados e caros. Tenham filhos nas escolas públicas caindo aos pedaços. Precisem  dos hospitais e serviços de saúde que atiram como esmola a um povo que morre à mingua, sem força ou consciência para gritar, ou mesmo, estender a mão em súplica. Pois é induzido para não enxergar tais processos e se acomodar na mandala do chute a gol, no ganho exclusivo do galã da novela, ou nas meias-verdades-meias-mentiras com que a mídia se presta a para informar as massas, numa inquieta repetitória de fome, miséria, opressão, violência, etc. etc. etc.
Finalizando, a música fala que, se os santos incomodados,  sem conforto e privacidade. Se mesmo assim, eles não fizerem os milagres esperados, não intercedendo junto ao universo para que os problemas sejam resolvidos e as dores minoradas, eles seriam, então, abandonados dentro de seus sofrimentos e tendo que se virarem sozinhos. Voltando para casa a pé, sem as procissões que os tiraram de suas respectivas zonas de conforto, ou sejam das igrejas a cada um deles dedicadas onde viviam, confortavelmente, como os políticos em seus palácios.
Em síntese, quem representa povo tem que ter vida, sabores, bens e coisas iguais ao povo e não, o contrário. Só posso representar em assembleia os alunos de uma instituição, por exemplo, se eu for aluno dela. Então como pode o político, humano e competitivo representar quem passa fome se ele nunca soube o que isto? Quem mora na periferia sob o sol e a chuva enquanto o seu representante degusta de palácios, mansões, banquetes, não tem contas a pagar e o dinheiro sobra a rodo, para implementar mais medidas em seu favor, e, igualmente, contra o povo?
A ordem é portanto,uma só: permutar povo e político as condições de vida real, para que todos possam sentir na pele as mesmas angústias, carências, dores e sofrimentos. Caso contrário tudo não passa de uma balela, de uma escabrosa, mas "elegantizada" mentira que nos impõem ao longo de toda a história. Povo pobre precisa de político pobre que o represente, de fato. Que busque a solução para os problemas da própria pobreza: educação, saúde, alimentação, moradia, ser cidadão...
...E o mestre Chico Buarque dá-nos, com isto uma bela lição de política. Resta-nos aprendê-la e fazer a permuta, o que, por enquanto, será bem difícil. Pois já foram vendidos todos os ingressos para a Copa das Confederações 2013. É, vamos de novo andar muitos quilômetros para trás. Rumo ao caos.

Dá-lhe Chico!!!!


(Antonio da Costa Neto)

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