Insisto na tese de que problemas complexos não podem ser resolvidos com soluções simplistas e isoladas. Assim, claro que é bem-vindo o programa das várias bolsas criadas pelo Governo Federal, por exemplo, as quotas para os afro-descendentes nas universidades, mas não podem ser medidas isoladas e pronto. Assim, elas não passam de ações assistencialistas, uma forma de varrer o lixo para debaixo do tapete. Uma bela maneira de se evitar as mudanças necessárias que envolvem uma profunda rearticulação da economia, nova distribuição de renda e medidas profundas no redirecionamento do ensino em todos os níveis para que não se resolva o problema, apenas no gargalo de saída, o que, em última análise, não passa de uma grande mentira e mais um - entre muitos - processo de enganação das pessoas.
Assim também é o tão debatido problema da violência nos estádios, os conflitos entre torcidas, os crimes, espancamentos, mortes e violência que vêm aumentando em taxas alarmantes nos últimos tempos. A violência nos estádios não é gratuita. Ela é o fruto da reunião de pessoas que estão desempregadas, com dívidas, com o nome sujo no mercado, sem dinheiro para o aluguél, a alimentação, os remédios. Ou por riquinhos, autênticos filhinhos de papai, a quem faltam valores, sensibilidade, compaixão, empatia. Pessoas compradas, sem amor, cheias de cinismo e de maldade.
A violência acontece porque falta às pessoas que ali se aglomeram, de uma maneira geral, educação, sensibilidade, cultura, valores. Isto associado aos problemas pessoais que acumulam, as dificuldades que as perseguem no dia a dia, como a falta de emprego, de dignidade. O transporte urbano precário, as filas, o calor insuportável, as desavenças nas famílias; claro, tudo isto eclode frente a aula de competição e violência que o próprio esporte representa.
Muito me estranha porque os psicólogos não colocam a boca no trombone neste sentido. São medrosos ou cegos? Temos que pensar seriamente neste sentido e tomar providências mais que urgentes para a solução desta problemática tão grave e séria a que nos achamos todos expostos direta ou indiretamente. A ânsia pessoal em ver o seu time ganhar. O vigor que surge naturalmente em função da vitória ou da derrota, a adrenalina que aflora nestas ocasiões precisa ser canalizada para o mais próximo, o que está de lado, surgindo, naturalmente, a vontade de gritar, de bater, de esmurrar que vai aumentando gradativamente à medida que tal ação é recíproca, chegando ao total descontrole em meio ao turbilhão das multidões desenfreadas das galeras dos estádios, das pistas, das quadras, enfim, do esporte competitivo, seja ele o qual for.
O futebol, por exemplo, e mais ainda, o vôleibol, embora possa não parecer são esportes altamente violentos do ponto de vista dos processos do inconsciente. Sem chutes, murros, berros e caretas eles não acontecem e não significam nada. Ficam sem graça, frios, desinteressantes. A rigidez das normas que os acercam também constitui outra realidade política, social e psicologicamente grotesca. Elas são rijas, fixas, milimétricas. Exigindo do atleta e sendo cobrada pelas torcidas uma alta performance em nível de detalhes mínimos, de toques, de formas, de contato, de relação com o outro, com o que joga, com o adversário. Aliás esta é uma palavra que por si já explica muita coisa.
A ânsia no ganhar a qualquer custo, ainda que seja nos pênaltes ou saques finais - nos casos do futebol e do vôlei - mas sem deixar claro que se há quem ganha, naturalmente tem que haver quem perde e precisará, em conseqüência, descarregar as suas mágoas, suas dores seus sentimentos de perdedor, de vencido, o que é lógico, gera mais violência, num ciclo altamente vicioso, latente, interminável.
A concepção sistêmica da ciência nos alerta que os problemas têm pelo menos quatro pontos de sustentação que precisam ser vistos se quisermos solucioná-los, e, que são: causa, efeito, processo e resultado e a especificiidade de cada situação exige que atuemos, ao mesmo tempo nestes segmentos todos, sob pena da interferência negativa constante de um no outro neutralizar as ações isoladas que são tomadas e que podem não significar nada. Pelo contrário, podem até atuar na ampliação do problema e cada um dos seus resultantes no campo macro em que necessariamente atuam.
Investir somente na polícia para resolver o problema da violência urbana é apenas uma meia verdade que camufla o problema e adia a sua exteriorização ainda mais grave a médio ou longo prazos. É só esperar para ver. A complexidade deste tipo de situação exige investimentos em qualidade de vida, distribuição de renda, orientação familiar, respeito, educação, cidadania, espiritualidade, valores, etc. o que o governo precisa ultimar providências e não justificar eternamente o não fazer, num discurso sempre bonito mas cada vez mais controverso e vazio.
Proibir as torcidas organizadas é uma piada de extremo mal-gosto. Policiar os estádios e o comportamento do torcedor é um outro crime, uma outra espécie de violência que se comete contra as pessoas. O que deve ser feito é não usar mais o esporte e as práticas físicas como subterfúgios para esconder as mazelas sociais geradas pelo Estado incompetente, inoperante e uma sociedade ingênua e acomodada. Se o torcedor tiver a barriguinha cheia, um lar aconchegante, uma cama quentinha para repousar depois da explosão do jogo. Educação, dignidade, emprego, cidadania, valores, sensibilidade, nada disso acontece.
Estamos historicamente atrasados de séculos. Já passa muito da hora de vivermos esta nova realidade, ainda que experimentalmente, não só nos estádios mas na vida. É preciso que distribuirmos o prazer de ser e de estar, as condições de uma vida digna no sentido mais amplo possível. A alegria de ser gente e de ser cidadão, poder trabalhar e ajudar a construir a sociedade dos sonhos de cada um é talvez a experiência tardia que nos falta. Quem sabe possamos pensar em experimentá-la. Enquanto é tempo, pois ainda resta uma esperança esquálida, que se esvai a cada momento.
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Antonio da Costa Neto
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