terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

...E O QUE É O ESPORTE NA ORDEM DAS COISAS?




Continuo fazendo as reflexões sobre a questão relativa à interferência do simbólico no concreto, segundo as definições e conceitos da moderna psicologia transpessoal, com a qual concordo integralmente. Minha concepção é a de que os grandes problemas do mundo estão ligados ao muito pouco entendimento deste aspecto por parte das pessoas, deixando um espaço imenso para que o poder, a política, os detentores do capital, o Estado opressor, a educação, enfim, as organizações iníquas da sociedade as oprima e as explore tão facilmente ao longo dos milênios que constituem a história das civilizações.
Hoje, de forma particular, gostaria de falar um pouco sobre o esporte, este monstro sagrado que arrasta multidões, que provoca delírios, encantos, e, ultimamente, sangue, morte, violência e crime. Qual seria o papel de tamanha importância que o esporte exerce sobre as pessoas? Que sentido tem, do ponto de vista político e social? Por que o governo, as organizações mundiais dos desportos – especialmente do futebol – fazem o maior empenho, gastam, investem tanto? Só para verem as pessoas felizes, pulando como macaquitos desgovernados, tontos e se refastelando de prazer nas arquibancadas dos estádios, dos autódromos, das quadras, das pistas? Por que se faz do atleta bem-sucedido um autêntico rei, com uma renda bilionária e capacidade de adquirir mansões cinematográficas, fazer viagens fabulosas ao redor do mundo e ganhar títulos e honrarias de verdadeiras celebridades intocáveis? Teria o esporte esta importância toda se as pessoas fossem suficientemente assistidas, educadas, satisfeitas com a vida que levam? Suspeito que não. Mas ao contrário, ele também é utilizado para esconder a miséria humana, para trapacear as pessoas, para enganá-las no jogo competitivo da vida?
Enfim, gostaria de responder a estas e outras perguntas afins, sempre buscando o olhar crítico, o pensamento dual - que existe em todas as coisas - para que enxerguemos o inegável “lado bom” do esporte e demais atividades físicas; mas percebendo com nitidez a sua grande perversidade, os desserviços ideológicos, humanos e sociais que prestam e que, na maioria das vezes não nos é permitido dar conta deles., tornando-nos inocentes úteis e manipuláveis por meio de recursos e estratégias que eu diria, cruéis e desumanas, mas que sabiamente, são acobertadas pela comoção das galeras, o encanto das multidões, a alegria de ver o seu time ganhar, o seu País ser o vencedor. O olé, o gol, o ponto, o chegar primeiro; embora possa estar faltando em nossas casas o alimento, o emprego, o remédio, o vestuário, as condições para uma vida digna em todos os seus aspectos, o que é o mínimo que nós, cidadãos comuns deveríamos ter e exigir.
Mas voltando à interação do simbólico com o real, o esporte nos faz calar a boca. O conjunto das humilhações que sofremos com um salário indigno, por exemplo, ou pior que isso, com o desemprego, o turbilhão do transporte de massa, a carestia do aluguél, o desrespeito dos patrões e dos chefes no trabalho, as endemias, a miséria, a violência, são facilmente descarregados e esquecidos quando podemos xingar o juiz da partida de futebol; extravasar nossas mágoas, estilhaçar nossos demônios internos, confraternizando a vitória que julgamos ser nossa, mas que não muda em nada as nossas vidas; apenas nos instrumentaliza para aguentarmos mais e termos onde descarregar.
Quando soltamos nosso grito primal de dor que se transforma num gol de placa, e ainda, marcado por aquele meu ídolo cheio de dinheiro e de status, e, como ele representa o meu país, eu me sinto um pouco na sua pele e me alegro com suas alegrias, me sinto também dono da sua fortuna, do seu patrimônio. E tenho mil delírios em acompanhar pela televisão a viagem de férias que ele faz, os hotéis luxuosos por onde se hospeda e assim por diante. Nosso ego se gratifica diante desta simbologia toda e, a partir daí nos sentimos inteiros, completos e felizes mesmo sem ter nada disso. Mas o cérebro humano aceita aquela mensagem como se fosse real. Aí, ficamos felizinhos, doces, descarregados, manipuláveis. Voltamos a trabalhar e produzir, a pagar o aluguél caro, o imposto injusto, a ser explorados e consumidos, sonhando com a próxima partida, o gol, a reportagem na televisão onde nosso ego nos eleva a nova celebridade, ainda que simbólica e pronto.
Isso sem contar a exarcebada violência ora concreta, ora simbólica do ganhar a qualquer custo, selecionando os mais capazes e dando a eles a honraria de vencedores. E o quanto mais chutes, mais gritos, urros, socos; melhor. Paramos o mundo para aplaudir os machos na copa do mundo ou as glórias das olimpíadas, enquando sociedades inteiras padessem de fome, de doenças, do desconforto, das secas ou enchentes, da guerra e de todos os males.
Assim a vida se torna fácil para os exploradores do povo, para os políticos pouco responsáveis, os empresários altamente competitivos. Fazendo transparecer como normal, justo e legítmo o acúmulo do capital, a concentração da riqueza, a socialização da miséria. Precisamos enxergar com mais sabedoria a ideologia do esporte, da escola, da igreja, das empresas, enfim, da sociedade moderna como um todo, para tirarmos conclusões que possam nos beneficiar, orientando-nos para caminhos mais gratificantes, construindo por fim, um Brasil melhor e mais justo, que, inclusive os grandes atletas pensam e dizem que estão ajudando a construir. Coitados, mal sabem que estão ajudando a piorar as coisas, melhorando-as para eles próprios e para as elites que eles tão bem representam.
No esporte, assim como na moderna sociedade, quem executa a regra, a norma não a ajuda a construir. Elas já vêm prontas e dfinidas nos manuais técnicos. Então, para que eu seja um jogador competente eu tenho que cumprir as regras que me foram impostas. Aí temos a figura do árbitro que policia a sua execução. E o comportamento fora da regra não muda o esporte, mas exclui o indivíduo do jogo, da partida, da maratona, enfim, da prática desportiva em si. E simbolicamente, isto é uma profunda lição de ditadura, onde quem tem poder cria a regra – para garantir os direitos e interesses próprios – e a impõe ao povo que terá de cumprí-la para ser aceito naquela dada realidade social, ou será excluído dela, expulso, preso, demitido, o que, no mundo de hoje é muito mais que um crime. E o esporte passa esta lição como se fosse a coisa mais natural do mundo.
No esporte, para ser feliz o indivíduo tem que se conformar. Nele o conformista é feliz, pois a não-conformidade consiste em arbítrio, em falta, em expulsão, o que a platéia em peso aplaude e se descarrega psicologicamente, mal sabendo que coloca em suas costas naquele momento uma imensa carga política, humana e social. Carga esta que transporta com muito sacrifício e que, no final das contas é usada contra si mesma, ou seja, contra o povo, a massa de trabalhadores, as classes populares.
Não quero aqui fazer a apologia do anti-esporte, pois sei do seu papel e da importância dele para a saúde, o bem-estar, a alegria das pessoas, mas espero que ele seja usado só para isto, e não, como subterfúgio pleno e barato; enganador das pessoas, principalmente das mais humildes e sem mais informação; para que estas se mantenham aniquiladas à função crítica que devem exercer enquanto atores sociais.
O esporte não pode ser elevado à categoria de esconder a miséria humana, servindo como amortecedor das consciências. Que vivamos o esporte em sua intensidade, mas separando com sabedoria o mal do bem, a alienação política da alegria. Pois já estamos no mundo há alguns milênios, e, grandinhos que somos, não podemos mais nos deixar enganar pelo gosto doce do chocolate como a criança tola que cai tão facilmente na lábia de um sequestrador. Já passa um pouco da hora da humanidade acordar para a vida. E poder vivê-la com a abundância possível.
Afinal, do ponto de vista estritamente psicológico, o esporte nada mais é uma demonstração nazi-fascista e esquisofrênica de selvageria, de exploração e de horror, mas fantasiada de lúdico, de graça, de alegria. E nós ainda pagamos pra ver. Aplaudimos, nos curvamos, chegamos às lágrimas, nos vendemos, prestamos reverências. Pobres de nós. Ainda temos muito o que aprender nesta vida.

Antonio da Costa Neto







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