quinta-feira, 30 de abril de 2020

ODE À NOBREZA DE VÓ HERCULANA




ODE À NOBREZA DE VÓ HERCULANA
Minha vó Herculana
sempre teve toques de nobreza.
Pele alva, tez macia,
boca cheia de doces cerejas.
Os cabelos longos
com ondas de ouro e prata
presos no alto da cabeça
mostravam que estava sempre coroada.
Sim, minha vó teve a vida toda,
não só toques, mas hábitos de rainha.
Ela possuía um paletó imenso, lindo,
de um veludo cor de ouro que lhe servia de manto
jogado nas costas, de forma
altiva e elegante em todas as noites de frio.
E se sentava cheia de pompa na cadeira de braços,
no jardim, entre lírios, margaridas e rosas brancas
que eram as que ela mais gostava.
Tinha nas mãos o cetro da agulha de crochê
que cosia como ninguém:
um trabalho fino, belo, imperial
que ela sempre vendia
para as pessoas mais ricas da cidade:
as Caetanas,
D. Elvira, a esposa do Juiz;
D. Helena Brenner,
Lela Caixeta e muitas
mães das alunas ricas
do colégio interno das
freiras eram as suas clientes
mais notáveis.
Minha vó gostava de soltar pipa,
um brinquedo que nunca abandonou
e me levava para o pasto do S. Sebastião,
para fazer isto, por horas,
sem o obstáculo dos fios elétricos
(uma figura).
Também preferia almoçar cedo
para sentir que já era de tarde, pois
dizia que as manhãs a angustiava
(e eu herdei isto dela).
Era destas pessoas que conversavam com galinhas
e varria com cuidado o chão
à sombra da amoreira
que tinha no quintal – o seu recanto predileto.
Mas o que mais sabia fazer era
dar risadas com esplendor de oração.
E do alto de sua majestade,
ria de tudo, confortavelmente,
com as bochechas de maçãs
e a corrente de pérolas que brilhava
em sua boca de gente rica.
Minha vó não tinha só toques de nobreza.
Pois, de vez em quando,
ela furava o dedo na agulha
de crochê que era o seu cetro de rainha
e saia um sangue azul que era uma beleza.

(Antonio da Costa Neto - do livro Simplesmente azul)

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