quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

RESENHA COMENTADA DO LIVRO O ÓCIO CRIATIVO DE DOMENICO DE MASI




RESENHA BIBLIOGRÁFICA COMENTADA
DO LIVRO
O ÓCIO CRIATIVO (*)
DE
DOMENICO DE MASI

POR:

ANTONIO DA COSTA NETO (**)


“O trabalho poderá tornar-se uma fonte de felicidades, como já o é para muitos empresários e altos executivos, se as empresas transformarem a competitividade em competência e a destrutividade em relações solidárias. Se elas forem mais cuidadosas com a estética de seus ambientes e objetos de trabalho. Se adotarem boas maneiras nas relações interpessoais e introduzirem um pouco da alma feminina em seus castelos embarricados pelos homens. Se abrirem uma brecha nos seus muros de proteção permitindo a entrada de um pouco de ar puro. Aí sim, o trabalho, junto ao calor do convívio cordial se tornará uma oportunidade para a socialização, o prazer e a melhoria contínua da qualidade da vida.Igualmente, para que a empresa tenha este carisma será sempre necessária a presença de chefes que incutam o entusiasmo, liberem os grupos dos procedimentos inúteis, gratifiquem os criativos, olhem para o futuro, promovam a inovação e tenham coragem de enfrentar o desconhecido.Para tanto, as condições ideais ainda são aquelas descritas por Platão em O banquete: comodidade, um grupo de amigos criativos, paixão pela beleza e pela verdade, liberdade carismática, tempo à disposição sem a angústia de prazos e vencimentos improrrogáveis. Felicidade, afinal, consiste também no fato de não ter prazos a cumprir.Precisamos, portanto, educar as pessoas para o ócio, enriquecendo as coisas de significado, preparando-as para gozarem a vida e não, apenas, para exercerem profissões. Enfim, para descobrirem que o paraíso existe e que é aqui na terra. Mas o inferno também existe e consiste em não se dar conta de que vivemos num paraíso.”

                                                                                                                                (Domenico De Masi)
I – O AUTOR E A OBRA

Domenico De Masi, sociólogo italiano que expôs neste livro suas ponderações sobre a sociedade e o trabalho, sempre atento aos conceitos de uma visão de futuro. Responde a perguntas feitas por Maria Serena Palieri sobre a sociedade pós-industrial, desenvolvimento sem emprego, globalização, sociedade e tempo livre, compondo assim um ‘livro-entrevista’ denso, caprichoso e instigante.
O autor é um insatisfeito com o modelo social centrado da idolatria do trabalho e propõe um novo paradigma baseado na simultaneidade entre trabalho, estudo, jogo e lazer, no qual os indivíduos são educados para privilegiar a satisfação de necessidades radicais, como a introspecção, a amizade, o amor, as atividades lúdicas, a ecologia, a paz, a convivência pacífica, o que, inteligentemente chama de ócio criativo.
Alerta ainda que o ócio pode transformar-se em violência, neurose vício e preguiça. Mas pode também elevar-se a arte, criatividade, liberdade e bem-estar. Lembra-nos que é no tempo livre que devemos passar a maior parte de nossos dias e neles concentrar nossas melhores potencialidades.
Elabora temas sobre a feminilização, o declínio das ideologias tradicionais e dos sujeitos sociais emergentes. Domenico De Masi critica o modelo social do ocidente; sobretudo, dos Estados Unidos, advogando as seguintes premissas: crescimento do tempo livre e decrescimento do trabalho, distribuição equânime da riqueza produzida, do saber, do poder e a educação para melhorar a vida como um todo e não, apenas, o trabalho e a produção.

II – SINOPSE DA OBRA

Comecemos a falar do período da história de 70 milhões de anos atrás, quando se tem notícia dos primeiros sinais de vida na terra. Passemos depois para 700 mil anos passados, quando o homem aprendeu a se criar, a andar ereto, a cuidar da prole. Mais tarde, a descoberta do cérebro com seus 100 bilhões de neurônios, dos quais mais de l5 bilhões constituem o córtex cerebral, responsável pela racionalização, o pensamento lógico, que passou a ser, ao longo da própria história, o mais desenvolvido e valorizado.Assim, o ser humano deixou de se importar com a estética, a beleza, o bem-estar, sendo apenas a lógica necessária à vida. Também por isso, a maioria dos ambientes de trabalho ainda é horrível, com cores neutras, móveis e decoração do tipo hospitalar, nenhuma preocupação com o bom gosto, a estética.
Depois do auto desenvolvimento humano veio a descoberta da semente, novas formas de crescimento, a necessidade de aprender, o advento do papel da mulher. Mas, aprendizagem, até então, significava colonizar o cérebro com o objetivo de moldá-lo de acordo com os interesses do grupo de referência. Filosofia era, segundo Francis Bacon um amontoado de tagarelices de velhos estonteados para jovens desocupados. Vindo a ocorrer, mais tarde, um salto de época, ou mudança de paradigma, resgatando novos valores para a ciência, a cultura, o aprendizado. Gerando novas epistemologias e novas formas de ver o mundo e os seus processos. Ultrapassando a importância do puro e simples trabalho manual – uma coisa feita para macacos – bastando observá-lo por alguns minutos para aprender a fazê-lo e repeti-lo para sempre.
Mudança de paradigma apenas acontece quando coincidem: novas fontes energéticas e novas divisões do trabalho e do poder. A mudança de um ou de alguns destes aspectos é apenas inovação. Mudança só acontece quando todos mudam em ondas (ou períodos) curtas, médias, breves ou longas.
Vem depois o direito de propriedade, diferenciando substancialmente o homem dos outros animais e o trabalho é sistematizado, segundo Marx, para produzir coisas espirituais para os ricos e idiotices e imbecilidades para o trabalhador; culminando com a Encíclica Papal de João Paulo II, de que a caridade deve ser exercida pelos ricos, e, a paciência, pelos pobres.
Certos trabalhos, como os domésticos, se adéquam à natureza das mulheres, criando-se assim, uma massa – uma mediocridade coletiva – que de acordo com Stuart Mill, que vem culminar com a televisão como instrumento de dominação consensual, inclusive para facilitar a burocracia e dificultar a criatividade, intervindo na natureza humana para melhor dominá-la.
A passagem de uma economia de produção para uma economia de serviços faz com que paulatinamente os ricos se tornem menos e muito mais ricos e os pobres aumentem em número e em pobreza. O que muito influiu os partidos de esquerda que, difundiram que quanto mais fracos são os países capitalistas, mais chances têm de chegarem ao poder; ou conquistando votos, ou estabelecendo alianças com forças da direita, pagando este apoio com uma política conservadora.
Chegamos a ponto de que o único emprego remunerado disponível é do intelectual criativo. Aquele que não estiver preparado para isto, terá como futuro o desemprego. O trabalho de produção decresce numa dimensão geométrica, enquanto o criativo cresce numa proporção apenas aritmética e os operários braçais deixarão de ser uma força revolucionária. Tudo hoje é tecnologia. Até um frango tem mais tecnologia do que carne. Enquanto isto, muitos economistas – conselheiros do príncipe – fazem tudo para ocultarem esta dura realidade.
Deveria ser melhor divulgado o número de empregos que são suprimidos e, não só, os que são criados. O futuro pertence aos que sabem usar mais a cabeça e menos as mãos. A pesquisa, a psicologia, o marketing, a arte, a educação, estas são as funções do futuro e não mais a guerra, o petróleo, a fabricação de parafusos e geladeiras. Milhões de homens ainda conseguem os meios de sobrevivência estritamente necessários somente por meio de um trabalho cansativo e fisicamente desgastante, moral e espiritualmente deturpador e são obrigados a considerar uma sorte, a desgraça de terem achado o tal trabalho. O atual modelo capitalista reflete paradoxos que são desonestamente ocultos por cientistas e sociólogos europeus e americanos. Como, por exemplo, a poderosa importância da tecnologia que não pode mais ser dirigida por indivíduos isolados.
Precisamos absorver os princípios fundamentais da sociedade pós-industrial: a) passagem da produção de bens para a produção de serviços; b) importância dos profissionais liberais e dos técnicos em relação aos operários; c) a importância do saber tecnológico como um primado das ideias; d) gestão integrada do desenvolvimento técnico; e) criação de uma tecnologia intelectual: máquinas inteligentes e capazes de substituir o esforço racional humano. Portanto, é a subjetividade que orientará a vida e o trabalho daqui para frente, como podemos refletir a partir do poema de Carlos Fuentes quando nos indaga: “Viemos aqui para chorar. Estamos por morrer ou por nascer?”
Como a geração dos revolucionários do passado, somos nós aqui a termos a responsabilidade de mudança. E devemos começar por nós mesmos aprendendo a não rejeitar antecipadamente o novo, o surpreendente, aquilo que parece ser radical. O que significa afastar os destruidores de idéias, que, apressadamente, reprovam qualquer proposta nova como irracional. Eles defendem tudo aquilo que já existe como racional, independente do quanto possa ser absurdo ou superado.
Isto significa lutar pela liderança de expressão, pelo direito de manifestar as próprias ideias e reivindicar este processo de reconstrução antes que o totalitarismo retorne às praças, tornando impossível uma transição pacífica rumo à democracia do Séc. XXI.
Vamos ter de inventar algo novo, além da matéria similar, dos motores e da inteligência artificial; dos recursos materiais como o barro, o ferro, a fabricação de materiais; incluindo aí a subjetividade que é a satisfação de desejos de indivíduo para indivíduo e daí para os nichos de mercados. O homem sempre oscilou entre dois desejos: o de distinguir e o de homogeneizar num processo de dois séculos de homogeneização absolutamente imposto pela indústria. Hoje, a tecnologia nos permite diferenciar, e é o que estamos fazendo. Evoluímos da homogeneização para a diferenciação, o que nos referenda Toffler, quando nos fala da desmassificação da mídia, criando ambientes inteligentes armazenados pelo computador; trabalhando em casa, estabelecendo relações virtuais com amigos e parentes; conjugando o pequeno, o grande, o individual e o coletivo.
O artesanato era pequeno e bonito, depois veio a indústria grande e feia. Atualmente, conseguimos de forma distinta as duas dimensões, fazemos compras nos supermercados e encomendamos um móvel sob medida a um carpinteiro. As coisas mudam, confluem-se; o presente é o porvir, o coração da sociedade é a informação, o tempo livre e a criatividade científica jamais deram tanta importância à estética, fazendo o que é belo possuir sentido. A burocracia, uma doença endêmica, está dando lugar à saúde criativa, exigindo que não só nos oponhamos ao projeto do outro, mas, para sobreviver, teremos de ter um projeto próprio.
A fabricação achata a diversidade. Os poucos milhardários do mundo são mais ricos do que a metade da população planetária como um todo, o que, mais que um absurdo é um crime. As várias formas de co-globalização estão presentes e potencializam seus efeitos nefastos reciprocamente, são eles: a) conhecer e mapear o planeta; b) escambo – troca de mercadorias; c) colonização material dos povos limítrofes; d) invasão dos mercados com as próprias ideias e moedas; e) globalização psicológica, sem dúvida, o efeito mais forte.
Vivemos em uma cidade e trabalhamos em outra, tiramos férias em uma terceira; tudo mescla certa fragilidade impotente gerando uma competição cada vez mais opressiva entre concorrentes mais numerosos e mais aflitos com o perigo de perder o que está em jogo. A globalização aumenta os níveis de competitividade, provocando oscilação entre a euforia e o temor. Achatando cada vez mais a diversidade, num astuto plano de exploração e selvageria.
Ao contrário, a civilização nasce do tempo livre, do jogo, do sexo, do prazer. É, portanto, impossível só trabalhar quando trabalhamos e só jogar quando jogamos, não misturando estas coisas e tendo como único objetivo desempenhar um trabalho e ser pago por ele. E só quando o trabalho estiver pronto que começamos o jogo, mas nunca antes, de conformidade com Henry Ford.
Foi a indústria que separou o lar do trabalho, a vida das mulheres da vida dos homens, o cansaço da diversão e o trabalho assumiu uma importância desproporcionada, tornando-se a categoria dominante na vida humana em relação a qualquer outra coisa. “É melhor que a vida e o trabalho se separem... eles têm lógicas e culturas diversas e a riqueza da existência está em combinar os tempos e os âmbitos de cada um. Segundo Aris Acornero, a justaposição de ambos é um mito a ser esconjurado.”
Meu parecer é justamente o oposto. Quanto mais a natureza do trabalho se limita a mera execução e implica em puro esforço físico, mais ele se priva da dimensão cognoscitiva, da dimensão lúdica e da dimensão da flexibilidade. A plenitude da atividade humana apenas é alcançada quando se acumulam o estudo, o trabalho e o jogo. Aquele que é mestre na arte de viver faz pouca distinção entre o seu trabalho e o seu tempo livre, entre a sua mente e o seu corpo, entre a sua educação e a sua recreação. Distingue uma coisa da outra com dificuldade. Almeja a excelência em qualquer coisa que faça, deixando aos demais a tarefa de decidir se está trabalhando ou se divertindo. Ele acredita que está sempre fazendo as duas coisas ao mesmo tempo.
A intelectualidade prescinde à habilidade manual, devemos usar mais a cabeça do que a força física e entre as habilidades intelectuais a mais apreciada é a criatividade e o aspecto técnico prescinde do estético. É a estética que conduz à subjetividade. É preciso melhorar o produto e o processo da sua confecção, assim teremos mais objetos e mais tempo livre para usufruir deles. Minimalismo do consumo; já temos muitos livros e muitos discos, é chegado o momento de desfrutá-los. Outros valores emergentes são a emotividade e a feminilidade. Devemos valorizar sem temor a esfera afetiva. A racionalidade permite-nos executar bem as nossas tarefas, mas sem a emotividade não é possível criar nada de novo.
É chegado o fim do ‘homossexualismo masculino’ intelectual ou separatismo machista das dimensões intelectuais entre os homens. Já faz parte do passado as mulheres, quase sempre semi-analfabetas, que ficavam confinadas em casa, em convívio com as escravas e entregues aos serviços domésticos, grosseiros, humilhantes e quase pueris. O que se referia à beleza, à solidariedade, à natureza, à emotividade era relegado a um segundo plano e delegado à mulher, ao lado da criação dos filhos e do ensino. E muitas delas ainda conduzem o machismo que, como a hemofilia, quem padece da doença são os homens, mas quem transmite são as mulheres, o que advém deste modelo machista de se viver.
Partimos agora para uma sociedade andrógina, sem papéis hierárquicos rígidos para homens e mulheres. Hoje são as máquinas que realizam as funções cansativas e repetitivas, deixando para os humanos de todos os gêneros, e, sem distinção, as atividades flexíveis, intuitivas e estéticas. A sociedade deve facilitar a riqueza da pluralidade, com poder de decisão tanto de mulheres quanto de homens. Os homens estão perdendo a hegemonia e adotam medidas femininas: cuidando do corpo, usando adornos e cores vistosas, demonstrando amor, afetividade, cuidando da casa e das crianças. As mulheres estão se desenvolvendo na vida pública, com mais acesso às poltronas do poder. O nascimento de um filho altera a vida dos dois: pai e mãe. E ao desejo e a busca da plenitude dá-se o nome de amor, e, não mais, de autoritarismo e competição.
Somos nômades e começou a era do horror ao domicílio fixo. Primeiro fomos nômades, depois, sedentários. O nomadismo difuso leva à elasticidade mental para lidar com novas pessoas, momentos e lugares, vendo a sociedade por ângulos diversos. Mudar de lugar estimula a criatividade, viaja-se com a mente mesmo que o corpo não se mova. Contudo, o excesso de recursos de hoje em dia, zera o número de pessoas que não se movem, para o quê, precisamos de uma maior autonomia e independência. Quem não dispõe de pelo menos dois terços do próprio dia é um escravo, não importando o que seja no resto: homem de Estado, comerciante, funcionário público ou estudioso; recobrando aqui uma citação de Nietzsche.
Necessitamos de uma redução mais que drástica dos horários de trabalho e acabar com a força supérflua, tanto dentro quanto fora da empresa. Proponho cinco ou seis horas por dia, de três a quatro dias por semana e três semanas por mês de trabalho. É errada a convicção de que quanto mais o empregado permanecer na empresa mais produzirá, pois o que se pede hoje ao trabalhador são ideias e não coisas. Quanto mais se fica na empresa, preso, como num aquário, menos se tem estímulos criativos. Esta forma torna a organização um amontoado de regulamentos inúteis à sua eficiência e danosos à sua produtividade.
A ordem é expulsar o “overtime”, sendo o tempo ideal de trabalho vinte e oito horas semanais e três semanas por mês. As pessoas devem aprender a curtir mais o tempo livre e usá-lo para si. Ficar no emprego mais tempo que o necessário só serve para inventar coisas prejudiciais e aumentar gastos e custos para as empresas que são habitudinárias como paquidermes e repetem a vida inteira as mesmas coisas sem que percebam a sua inutilidade.
Bertrand Russel, em O elogio do ócio afirma que é possível garantir para toda a humanidade um nível razoável de qualidade de vida, desenvolvendo e equilibrando a capacidade de trabalho, evitando que quem tem trabalho morra de trabalhar, enquanto o restante morre de fome, o que ele chama de “o antagonismo do absurdo” ou “o sistema do caos”.
As organizações têm uma compulsão ao conservadorismo e para expulsá-la, pequenos retoques já não bastam. Precisamos ousar mais, incluindo o teletrabalho, a semana brevíssima, melhorando a organização, as formas de trabalhar e a vida das pessoas que passarão a planejar um fim de semana com três ou quatro dias, a repensar seus relacionamentos, a cuidar melhor do jardim, da casa, das crianças e da sua própria emotividade, para assim poderem curtir melhor o tempo livre que passarão a ter, com o quê, automaticamente, melhorarão o mundo.
Vamos ter que mudar toda a existência da organização e a vida do empregado dentro e fora dela. Agora, com a Internet, tudo pode ser modificado com muito mais facilidade. Devemos evitar que o indivíduo, uma vez liberto, depois de décadas contínuas, não saiba lidar com esta nova situação, tendo dificuldades para enfrentar este impacto de liberdade. Uma pessoa que não tem tempo livre há anos precisará de uma reeducação para aprender a utilizá-lo, é lógico.
As gerações atuais são muito mais fluidas, móveis e centradas em interesses rápidos e transitórios, enquanto a ideologia social continua a mesma. Assistimos ainda a passeatas de trabalhadores, de massas oprimidas, mas não de homens e mulheres bem de vida. Há poucos ricos e infinitos pobres. A dita classe média vem se desfavorecendo assustadoramente desde o final do Séc. XIX. Mas, por feliz sorte, o poder está saindo paulatinamente das mãos dos que possuem para as mãos dos que sabem. Porém dos que sabem o quê? E como utilizam este saber, o que na verdade, constitui um outro sério problema: a questão da ideologia do saber, este vírus terrível que invade e consome as escolas, as universidades. Ninguém é mais explorador ou explorado apenas, mas, ambas as coisas ao mesmo tempo e a grande divisão entre ricos e pobres durou até os anos 60 e a educação formal das pessoas deveria deixar isto às claras. Hoje a forma mais adequada de se garantir a produtividade na empresa é, justamente, melhorar a qualidade de vida dentro e fora dela. É preciso deslocar o trabalho para onde estão os trabalhadores e sermos nômades em busca do lazer, do estudo e da cultura.
A maior exploração é se apropriar da criatividade dos outros e as empresas fazem isto naturalmente, mantendo as pessoas em um baixo nível de idéias, utilizando apenas as suas capacidades executivas, fazendo-as perder a habilidade de inventar, transformando-as em robôs, em peões digitais, num autêntico neo-fordismo, mantendo, com isto, um imenso desperdício de inteligência.
Quanto mais propicia a organização o desenvolvimento da criatividade, mais eficiente ela é. E não, porque sabe explorar mais seus funcionários. O que mede o desenvolvimento organizacional é o grau de criatividade e não, a capacidade de usar e explorar as pessoas, o que não passa de um nazismo camuflado.
Numa organização criativa os dias livres deveriam ser móveis, compartilhados socialmente, dedicados ao desenvolvimento e ao lazer das pessoas, ás suas famílias, amigos e à coletividade, o que deveria ser feito paulatina e equilibradamente.Eliminar o domingo de forma brusca e repentina seria devassar a economia dos estádios e das paróquias, mas é preciso que comecemos a aprender a descansar a qualquer hora do dia e dia da semana, atendendo aos pedidos de cada organismo.
Aí, faremos nós mesmos as nossas próprias instalações elétricas, prepararemos, com prazer o nosso pão em casa, cuidaremos das crianças, dos animais e dos parentes idosos. O trabalho doméstico será mais bem distribuído entre os sexos. Os homens poderão se dedicar mais ao afeto e à paternidade, desobrigando a mulher de se responsabilizar sozinha pelo mundo familiar, diminuindo a distância entre os trabalhos intelectual e manual e a masculinização da tecnologia. As atividades, inclusive as intelectuais e de execução serão mais delegadas às máquinas, cabendo aos seres humanos a escolarização, o lazer, os trabalhos flexíveis, criativos e agradáveis.
O teletrabalho passa a criar uma maior unidade espaço/tempo entre as pessoas, substituindo o conflito por movimentos difusos, unificando interesses e criando alianças para o futuro. As interações serão muito mais do que físicas, sendo preciso e possível lidar com a inovação sem fazer mais vitimas. Sem impedir o progresso, mas geri-lo de forma a criar uma felicidade mais coletiva e mais definida, adquirindo uma nova noção de tempo, uma nova noção de espaço. Nosso futuro será projetado por um certo, um outro “Bill Gattes”.
Aqueles que assimilam rapidamente as novas categorias se projetam para o futuro. O restante forma o grande exército de perdedores. No mundo de hoje, a velocidade impera, quem é lento fica à mercê. Quem é rápido, decide. O mundo exclui quem não é rápido. Privilegia-se a produção de ideias, exige-se corpo quieto e mente inquieta, o que eu chamo de “ócio criativo”: ter mais tempo para “bolar”, para “idear”.
O mundo atual é uma fábula onde a rapidez comanda e no lugar das fadas estão os engenheiros, dos feitiços, estão as fórmulas químicas e as quotações da Bolsa; no lugar dos duendes estão os bits. Nossos avós padeciam no tédio de dias sempre iguais, nós padecemos da vertigem de momentos diversos, dilatados, acelerados, excessivos, o que requer sabedoria e estilo para sincronizar-se com os ritmos frenéticos do mundo. Marcelo Marchesi explica: “... linda é a vida de hoje, vive-se mais tempo e morre-se mais vezes. Somos mordidos pelo bicho carpinteiro da velocidade urbana, consumimos o luxo de raras pausas, sonhando ou perseguindo a tranquilidade perdida. Dentro de nós conflituam os espíritos da vertigem, da calma, o espírito nômade e o espírito sedentário. O ócio é uma arte e nem todos são artistas.”
O trabalho na era pós-industrial pode conjugar as vantagens das pequenas empresas artesanais, rapidez nos processos de decisão, flexibilidade, pouca burocracia com as vantagens da grande empresa; rapidez, intercomunicação, aprendizado. As pessoas podem ficar em casa como na oficina do artesão. Mas, ao mesmo tempo, pode se comunicar com os outros. Como na fábrica industrial, os processos mais rápidos, instantâneos, impera a simultaneidade entre fatos e fenômenos. O mundo é mágica.
Reduz-se a fratura entre tempo de trabalho e tempo de vida. As empresas, hoje dependem de seus empregados inseridos na sociedade e não, separados dela. O trabalho responde a outras necessidades urbanas, como o caos do trânsito, a poluição e isto exige interdisciplinaridades e contatos simultâneos com todas as dimensões do planeta.
Tempos atrás, quando se rezava, se rezava, quando era hora de diversão, nós nos divertíamos. Agora, pelo contrário, somos propensos a integrar estes momentos: enquanto trabalhamos rimos, brincamos e fazemos observações sobre o mundo exterior. Estamos introjetando a epistemologia da descontinuidade e da complexidade. Valorizamos a qualidade de vida e não queremos perder horas no engarrafamento nem o contato com a família. Vivemos num espaço ao mesmo tempo virtual e planetário.
Amanhã, teremos mais tempo para o amor físico, para a apoteose do gosto e do afeto. O trabalho reduzirá as relações obrigatórias com os outros deixando mais tempo para o contato afetivo com os verdadeiros amigos, os eleitos por cada um de nós.
Muitos amores sinceros nascem em locais de trabalho, muitos casamentos. Mas atribuir ao trabalho o mérito principal pela socialização é, no mínimo, um exagero. A empresa ainda não é particularmente adequada para fecundar amizades. Pois não escolhemos nossos colegas de trabalho, superiores e clientes. Apenas a luta de classes é que cimenta a união entre os trabalhadores. Em muitas empresas reina o clima de indiferenças, suspeitas recíprocas e medo. Nelas, o convívio é artificial e até as festas e comemorações são frias, tristes e patéticas. As panelinhas, as falsas alianças, os bandos de puxa-sacos, são grupos minados pela desconfiança, a transitoriedade, o carreirismo.
Muitos empresários e altos executivos entendem por flexibilidade o que lhes é cômodo: poder demitir quantos e quando quiserem. Quem faz sermão aos jovens para não ambicionarem emprego fixo, geralmente o tem e faz tudo para não perdê-lo. É preciso tomar um superior cuido para não se criar um terrorismo tecnológico para possibilitar o teletrabalho.
Formas existem muitas: empresas de trabalho a distância, escritórios-satélites, centros comunitários, trabalhos a domicílio, gerando vantagens de autonomia para o trabalhador em relação aos tempos, aos métodos, redução dos custos do estresse e do cansaço. Melhoria da gestão da vida familiar e social, relações de trabalho mais personalizadas, redução das horas de prestação de serviços, flexibilização da possibilidade de se passar mais tempo em casa. E as desvantagens de isolamento, marginalização do contexto e da dinâmica da empresa, redução de chances na carreira, problemas de reestruturação do espaço em casa, dos hábitos pessoais e das relações familiares. Dificuldades para ações coletivas entre colegas e ações sindicais. Deverá ser criado o tele sindicato. Os empregados se sentirão estranhos e distantes da empresa.
Outras vantagens ainda para a sociedade seriam: o trabalho definido em zonas isoladas, periféricas, com mais trabalho para as chamadas categorias excluídas. Descongestionamento de áreas superpovoadas, redução do tráfego e da poluição, melhor manutenção do meio-ambiente, das ruas e das estradas. As desvantagens sociais imediatas seriam os custos com as instalações de cabos, tarifas de comunicação, áreas de trabalho pouco protegidas, renda não declarada ao fisco e redução da dimensão coletiva do trabalho.
Como vimos as vantagens são muito maiores do que as desvantagens: persistência ao trabalho, queda da resistência às mudanças, desaparecimento da cultura do “overtime”, dos chefes que querem manter os subalternos na palma da mão. Criando a necessidade de se reorganizar o trabalho e a própria vida. Contudo, teremos muitas resistências, sendo a maior delas, sem dúvida, o masoquismo coletivo: nem sempre as pessoas querem viver melhor e ser mais felizes.
Os aristocratas distinguiam-se não pelo que faziam, mas pelo que não faziam. Quem era da nobreza não devia trabalhar é para isto que existiam os servos, os operários e os escravos. Estamos emergindo da era da atividade física para a atividade intelectual. Atividade física pura ou atividade mental pura são extremos teóricos. O homem pensa e age o tempo todo, é que nos acostumamos a ativar o corpo e esquecer a mente.
Apenas o corpo é que conta. Se uma pessoa está com febre é considerada doente. Mas se está triste ou deprimida é tida como saudável. O tratamento psicanalítico ainda é considerado um luxo, mas o da pneumonia, por exemplo, é uma necessidade. Estamos numa fase de adestramento do corpo em muitas frentes, cuja desmaterialização começa com a invenção da escrita e se acelera pelo Séc. XX com o rádio, o cinema, a tv, dando um grande salto, quase um voo com a internet.
Hoje em dia, a luta da mente prevalece à do corpo. Só nos lembramos dele quando nos faz sofrer ou rejeitá-lo. É quando corremos para as dietas, a ginástica, os tratamentos físicos, etc.
Sempre consideramos o trabalho uma atividade física cansativa e que desejávamos que acabasse o quanto antes. Só estamos motivados quando desejamos que alguma coisa continue, se prolongue. Ninguém nunca diz antes de começar um trabalho físico: “que ótimo, posso começar a trabalhar”, enquanto o trabalho criativo suscita o desejo de iniciá-lo.
O trabalho físico, para sobreviver, é sempre realizado sob a vigilância do patrão, enquanto a criatividade só exige dedicação e amor. A pessoa deverá se sentir atraída para o trabalho e só então ele será realizado pelo puro prazer. Nossa tendência natural é a de eliminar o dever físico e ampliar o prazer criativo. O trabalho poderá ser um prazer se for predominantemente intelectual, inteligente e livre.
Deve provocar cansaço, e, ao mesmo tempo, euforia. Quando é só físico, o trabalho trás o cansaço, a prostração, a vontade de parar. Quando é intelectual e criativo, o cansaço pode até não ser percebido: quem compõe música, escreve poesia ou pinta um quadro, pode até cair de cataplexia. Um poeta escreve versos até adormecer. No trabalho intelectual a motivação é tudo, ele pode nos agradar a tal ponto, que não nos damos conta de que nos cansamos. Até mesmo o esgotamento psíquico não permite um desligamento instantâneo, como acontece com o físico, o que acelera enormemente a dimensão do problema.
Se estou em busca de uma ideia, minha mente pode trabalhar por noites a fio sem parar nunca. Mas a organização do trabalho intelectual ainda é pouco difundida, conhecida ou estudada, enquanto sobre o trabalho físico existem bibliotecas inteiras, estudos, laboratórios, pesquisas.
Um sujeito pode passar horas em uma rede e estar trabalhando só com a cabeça. A rede é a antítese da linha de montagem, mas o grande problema é que ela nos foi proibida por muitos anos, criando outros arquétipos mentais. Assim como os peixinhos vermelhos quando saem do aquário continuam, em pleno mar, nadando em círculos por vários dias. Os seres humanos trabalham fechados dentro das empresas há mais de duzentos anos e não saem de dentro dela mesmo que a parede de vidro caia e não exista mais.
As atividades criativas também possuem suas regras, o desafio é criá-las respeitando os limites e não, impondo-os. O artista ama os vínculos e o jogador ama as regras. No trabalho criativo as regras são um desafio e no trabalho executivo, um limite que nos obriga a fazer mais e mais coisas desagradáveis num mesmo espaço de tempo possível.
As pessoas gastam vinte ou mais anos para aprenderem o que, de fato, poderiam aprender em três meses. Explorar o trabalho intelectual é, muitas vezes, utilizar as pessoas aquém de suas potencialidades e este é um capítulo da novela da grande infelicidade que gera medo e raiva, coisas que existem sem motivo e que são inúteis à produtividade, sendo mantidas pela alienação, a força física e a chantagem psicológica. Conduzindo ao desespero pessoal, familiar e social. O trabalhador – sobretudo o masculino – se quiser fazer carreira tem que estar disponível a um sem número de transferências, imposições e dogmas, sem nenhum questionamento.
Na Atenas de Péricles era no ócio que se criavam as ideias filosóficas, artísticas e políticas, o que requeria o “não suar” mantendo corpos e mentes sãos. A competição poética era frequente, pois entendiam que a máquina psíquica era descontínua e necessitava de ser sempre treinada, enquanto a física era contínua, daí a preferência pelos exercícios mentais contínuos.
Algumas máquinas psíquicas produzem mais ideias ao amanhecer, outras ao entardecer ou à noite, algumas produzem continuamente, outras são intermitentes. Algumas são produtivas por um tempo, parando depois de grandes intervalos ou para sempre. Relembrando Oscar Wilde, só os medíocres dão o melhor de si o tempo todo e as organizações precisam interiorizar isto.
Às vezes as obras de juventude feitas na miséria são infinitamente melhores do que as da maturidade que são construídas com muito mais recursos e acontece também o oposto. Muitos estreiam com obras-primas de baixo custo e são medíocres para o resto da vida, ou o grande passo artístico, intelectual e criativo pode ser dado nas vésperas da morte. Não há como delimitar espaço ou tempo, a criatividade está muito mais agregada à possibilidade de acolher e de elaborar estímulos do que, propriamente, dos recursos disponíveis, regras, estatutos e normas.
É muito importante cultuar a fecundidade ideativa com agregação, liderança e incentivo à criatividade que tanto pode ser estimulada pela opulência ou pela miséria. O ser humano é diverso e complexo e haveremos de estudá-lo caso a caso. Apenas os gênios é que criam obras extraordinárias sob condições desastrosas, perseguidos por credores, encarcerados ou moribundos, como o Marquês de Sade, Marx ou Gramsci. A criatividade precisa de veículos, estímulos, desafios e não, de regras e barreiras burocráticas. O trabalho criativo requer uma relação cheia de caprichos com o tempo, o prazer, a vontade, a inspiração e a escolha.
Se o trabalho só físico tivesse escolha, as pessoas escolheriam não fazê-lo. Daí a coerção psicológica do tipo gozar o ócio é pecado; quem é ocioso é ladrão, viciado, criminoso e vai para o inferno.
As atividades intelectuais implicam no cansaço mental. Muito trabalho físico exige pouco repouso, mas para poucas idéias é preciso muito ócio. O ócio criativo não é parar o corpo e a mente. É aquela trabalheira mental que acontece quando dormimos à noite, por exemplo. Criar não significa não pensar. Significa não pensar regras obrigatórias, não ser assediado pelo cronômetro, não obedecer aos percursos da racionalidade e todas aquelas maluquices que Taylor e Fayol inventaram para bitolar o trabalhador e torná-lo eficiente. O ócio criativo é um instrumento da ideação, é uma matéria-prima, da qual o cérebro se serve para, mais uma vez, produzir ideias. O ócio é profundamente necessário para o desenvolvimento de ideias e estas, são fundamentais para o desenvolvimento da sociedade. Devemos, portanto, educar as pessoas também, eu diria, até principalmente, para o ócio e não só para o trabalho, como infelizmente acontece até os nossos dias.
Educá-las não para o ócio dissipador e alienante, que nos faz sentir vazios, inúteis e nos afundar no tédio, na depressão e nos subestimar. Mas no ócio criativo que torna a mente ativa, que nos faz sentir livres, fecundos e em crescimento. Não no ócio que nos depaupera, mas no que nos enriquece, alimentado por estímulos ideativos e interdisciplinaridades. Nele, as intuições surgem das hibridações de mundos diversos. Assim, ir ao cinema, ao teatro, à praia, tomar um chope, dançar, bater papo ou sair de férias, e até mesmo ficar sem fazer nada, não é tempo perdido, mas estímulo para intuir, para aprender coisas, compreender, executar e inventar outras.
Hoje, quanto mais tempo um executivo passa dentro de um escritório, menos produtivo é e menos ideias tem. Entretanto, com medo de mudarem seu esquema, as empresas pagam as pessoas para não produzirem nada. Os executivos vivem num quartel psíquico, são infelizes e limitados. Eles moram em casas belas e confortáveis em bairros agradabilíssimos, mas passam a maior parte do tempo trancafiados. Sonham para os filhos desempregados um emprego como o deles e os filhos esconjuram aquele emprego como se fosse uma peste.
Acho mesmo que os executivos de meia idade são pessoas doentes. E pior, sofrem de uma doença contagiosa. Transmitem aos mais jovens uma vida baseada no excesso de esforço, na subordinação, ao invés da dignidade. Eles deveriam ser isolados para não contaminarem. Mas, ao mesmo tempo, deveriam ser tratados com carinho. São uns alienados e infelizes e depois da aposentadoria vivem da solidão e do saudosismo.
O executivo fica, em geral, mais de dez horas por dia na empresa e assim ela condiciona também as suas noites. Uma executiva, por exemplo, quando faz amor à noite, não faz amor, o que faz amor é a máquina que está instalada dentro dela. A empresa é uma instituição totalitária como uma prisão ou um hospício. Ela suga a inteligência e condiciona as emoções e os afetos. O coletivo prevalece sobre o individual e a cultura da empresa tornou-se o motor de todas as demais organizações, elas discriminam o feminino, fazem prevalecer a aristocracia. Nelas consumam-se desperdícios incríveis, principalmente de tempo e inteligência, e, em nome da racionalidade realizam as escolhas mais inadequadas.
As empresas mais inflexíveis exigem que seus empregados sejam flexíveis, numa brutal incoerência. Nelas multiplicam-se os procedimentos burocráticos, frauda-se o fisco e pagam-se manobras. A sociedade é, em tese, democrática, mas as empresas continuam cada vez mais hierárquicas, piramidais e autoritárias. Seus chefes não são eleitos pela base, mas nomeados pelo topo e, muitas vezes, vêm de fora e são impostos a qualquer custo. Aos subordinados só resta aceitarem as novas imposições das quais tomam conhecimento por meios de comunicação externos e não, da própria empresa, como era de se esperar.
Assim, como sua cópia autêntica, as comunidades sociais funcionam pessimamente. Exatamente porque o indivíduo igualitário é gerido por grupos, ditatorialmente, o que, de acordo com Tocqueville, significa contrariar o homem, diminuí-lo e lembrá-lo a todo instante da sua condição ínfima de subalterno, secundarizado e dependente.
Os novos presidentes das organizações chegam de fora, são portadores da discórdia, e, muitas vezes, são escolhidos por minorias e sob condições escusas e secretas. As organizações têm de ser salvas de sua estupidez gratuita, liberadas das restrições absurdas do taylorismo e reavivadas com boas doses de motivação e descentralizadas por meio do teletrabalho.
A demarcação entre estudo, trabalho e tempo livre deve desaparecer por completo, passando para uma concorrência leal e solidária capaz de garantir a produção e a distribuição da riqueza. Tudo isto pode e deve ser feito, graças ao progresso e à difusão cultural é possível eliminar o carrasco e o estresse. Mas, para tanto, os novos executivos
deverão tomar consciência da exploração que praticam, identificar seus opositores e se agregarem a novas alianças.
A nossa identidade dependerá da capacidade de produzirmos ideias, de viver o tempo livre, do nosso estudo e da nossa sensibilidade estética.Os seres humanos viveram o ócio durante milênios, foi a sociedade industrial que estabeleceu a lei da eficiência baseada na relação entre o trabalho e o tempo necessário para a sua execução. A introdução desta medida foi uma coisa imposta, forçando a natureza humana. Vivemos aturando o tempo imposto e é chegada a hora de viver o tempo escolhido. O ritmo infernal da sociedade industrial não nos deixa sobrar um minuto para respirar e compreendemos a importância de ter tempo porque o tínhamos e não era suficiente.
Chegou o tempo em que a vida aumenta e o trabalho diminui. Temos mais tempo, mais cultura e mais consciência disto. Diante desta revolução é esperada uma angústia existencialista como retratam os filmes e romances como A náusea, de Sartre e O tédio, de Maravia que, em síntese, revelam o desejo obstinado de libertar os fracos dos domínios dos poderosos. Mas, dentre estes, frios e entediantes, eu sempre preferi Albert Camus que é mais caloroso e cheio de generosidade. Como esquecer O mito de Sísifo, A peste ou O estrangeiro?
O tédio aumenta porque estamos acostumados a associar tudo na vida a uma só coisa: o trabalho que passou a ser, há milênios, o nosso compromisso-chave e este compromisso tem que passar a ser minoritário do ponto de vista temporal. Somos como o prisioneiro do filme de Tim Robbins, muita liberdade de repente pode nos encher de alegria ou nos atirar num buraco feito de pânico, de medo ou de tédio.
O tédio, por sua vez, pode ser vivido como uma paralisação ou como medida dissipativo-criminosa. Para não sê-lo, é preciso transformá-lo em ócio criativo, preenchendo o tempo, agora livre, com atividades escolhidas por vontade própria, ao invés da coação dos escritórios ou da linha de montagem. É a situação do poeta, do artista, do amante do xadrez, ou de quem adora computador, pintura, voluntariado ou alpinismo.
A criatividade se nutre do desperdício de milhares de horas de reflexão e exercícios que são uma perambulação do corpo e da mente que mais cedo ou mais tarde acaba desembocando em uma ação positiva; em uma obra de arte, um novo teorema, uma canção, versos, arranjos florais, jardins. Posso criar obras concretas esculpindo uma estátua ou fazendo um bolo. Enquanto estou sentado o cérebro passeia e eu escrevo. Somo as virtualidades do cinema às mais recentes evoluções da informática e da eletrônica. Faço artes gráficas no computador, transplanto fotografias, manipulo imagens.
De que serve viver se você não se sente viver? Saber viver hoje implica uma pedagogia baseada na solidariedade, nos princípios estéticos e criativos e o trabalho deve ser ensinado como um prazer criativo e estimulante. Deve-se ensinar também o não-trabalho: a viver prazerosamente e com sabedoria, apenas se deliciando, nada ,mais.
Outra palavra de ordem é criatividade. Os tecnocratas têm medo dela e da inovação, enquanto os criativos temem o imobilismo. Vencerão os criativos, pois a sociedade pós-industrial se alimenta de inovação, premia a iniciativa e joga fora o imobilismo. Hoje, o subalterno do engenheiro é outro engenheiro atualizado e ágil o que mina as bases da antiga concepção de chefia, cria uma organização por projetos e leva a uma rotação de lideranças. O trabalho nunca foi coisa para autodidata, tem que ser ensinado e aprendido durante pacientes anos de dedicação. Da mesma forma, o tempo livre prescinde de profundos aprendizados.
Os jovens de hoje, em 2 015 não poderão dar-se ao luxo de serem desonestos, pois lá os valores emergentes serão escolarização, emotividade, estética, subjetividade, confiança, estabilidade, feminilização, qualidade de vida, desestruturação do tempo e do espaço e a virtualidade. Será dada menos atenção ao dinheiro, posses e bens materiais e ao poder. Maior atenção ao saber, ao convívio social, ao jogo, ao amor, à introspecção. Os métodos pedagógicos deverão valorizar mais o diálogo, a escuta, a solidariedade, a criatividade.
A sociedade pós-industrial é menos ligada à agressividade, pois sua estrutura tem a forma de rede com um número potencialmente infinito de nós e malhas. As relações dela decorrentes são muito mais evolutivas, requerendo novas formações para a necessária mudança de paradigma. Deveremos então nos atualizar ininterruptamente, adquirindo formação filosófica, ética, estética, linguística, técnica, econômica, psicológica, política, ecológica, cultural e sociológica, que deverá dar-se ao mesmo tempo. Será cada vez mais difícil separar o treinamento da formação e o jogo do trabalho e do prazer.
Haveremos de partilhar a riqueza ao invés de só aumentá-la. Ensinaremos que é inútil e pouco inteligente gastar energia para se tentar angariar novos bens se ainda não usufruímos realmente do que já dispomos. É inútil comprar livros ou discos quando ainda não lemos e nem ouvimos os que temos. Em outros tempos os ricos descansavam e os pobres se esfalfavam. Hoje isto se inverteu: os ricos correm doidos para cuidarem de seus negócios enquanto os pobres são obrigados à inércia do desemprego. E quem trabalha é obrigado a ficar aquém de sua capacidade, o que é alienante e aviltante.
É preciso educar para a complexidade, quanto mais a pessoa souber administrar esta realidade, mais madura será. A sociedade industrial simplificava os problemas complexos, transformando-os em vários problemas simplificados. A pós-industrial, por sua vez, dispõe de instrumentos potentes para enfrentar problemas de igual dimensão, encontrando muito mais facilmente as soluções adequadas frente ao saber secularmente acumulado. Assim, problemas, soluções e técnicas tornam-se uma corrente mais rica e mais humana porque o ser humano é igualmente complexo e aspirar administrar a complexidade com um pensamento simples e linear significa observar apenas a continuidade dos fluxos e suas várias fases. Já o pensamento complexo significa, ao contrário, aceitar o seu caráter mesclado, incongruente, descontínuo, e, para isto, precisamos de uma educação permanente para a descontinuidade e para a mudança.
A abordagem linear e a exigência de continuidade completamente anacrônicas despertam o medo e a insegurança diante do novo. O medo quase apocalíptico de algumas pessoas diante do novo nasce da dificuldade de enfrentar a descontinuidade. Temos medo de ter uma vida muito melhor do que a de nossos avós. Quanto mais ricas as pessoas, mais cínicas elas são. Têm medo de perderem justamente o privilégio que não merecem. Foi este o medo que serviu de base para o fascismo. A pedagogia da era industrial ensinava a separar as coisas: trabalho é trabalho e lazer é lazer. Hoje, pelo contrário, temos que perder o medo de encarar estas coisas juntas, acopladas, inter-complementares e simultâneas.
Ajudei, em 65 a retirar da máquina uma senhora totalmente ensanguentada, que acabava de ter amputados os quatro dedos e ainda gritava: - “... minha Nossa Senhora, meu Jesus Cristo, não vou poder mais trabalhar...” é uma das passagens demonstradas por Toffler.
Temos que usar a criatividade no trabalho juntando fantasia à concretude, é preciso saber realizá-las, mas unir fantasia a uma concretude medíocre será uma criatividade pobre. Mas podemos unir fantasia e concretude em altos níveis e realizar assim uma criatividade valiosa.É preciso unir pessoas que são mais lógicas com pessoas preferencialmente sonhadoras, para que ambas se ajudem mutuamente, realizando assim grandes projetos ricos e criativos. É este o único caminho para as nossas organizações, a única saída para que a vida continue a existir.
Não basta só juntar pessoas, é preciso ter uma liderança carismática para uma nova definição das regras do jogo. É necessário educar para a criatividade, ajudando a pessoa a encontrar a sua vocação autêntica, parceiros adequados e criar um contexto mais próprio. Descobrir formas de explorar os vários aspectos do problema que a preocupa. Fazer com que a sua mente fique relaxada e como estimulá-la para que crie ideias justas. Principalmente, educá-la para não temer e não dificultar o fluir incessante das inovações. Pois como dizia Heráclito: “É na mudança que as coisas repousam.”
Vamos, portanto, operacionalizar a mudança do processo executivo para o ideativo, da substância, para a forma, do duradouro para o efêmero, da prática para a estética, da precisão para a aproximação, do científico para o pós-científico. O que significa a necessária substituição de uma cultura do sacrifício e da especialização cuja finalidade era o consumismo, para uma visão pós-moderna do bem-estar e da interdisciplinaridade, cujo fim é o crescimento do subjetivo, da afetividade e da melhoria da qualidade do trabalho e da qualidade da vida.
Os mitos greco-romanos que propunham qualquer inovação eram severamente castigados como Ícaro, Sísifo, Ptolomeu e Ulisses. Uma máquina é uma maquinação e um expediente é uma armadilha contra a natureza. Para que aconteça o verdadeiro salto para a qualidade é preciso que existam pessoas desligadas da prática, que se dispunham de um tempo livre do esforço físico e que tenham gosto em inovar, seja por meio de especulações mentais ou experimentos, por meio dos quais a natureza é observada, cutucada e provocada.
Devemos caminhar da exatidão para a aproximação, evoluindo para depois de Galileu, Newton e Descartes, buscando um mundo cujo centro não seja mais a rigidez, mas e flexibilidade e que esta substitua a simples execução. O homem é um ser pensante, mas suas grandes obras se realizam quando ele não calcula e nem pensa, mas sonha. Não é o ângulo reto e nem a linha reta dura e inflexível que me atraem, mas a curva livre e sensual. De curvas é feito todo o universo, disse Oscar Niemeyer.
Até os Estados Unidos se fundam na economia do ócio, isto, é claro, sem se dar conta; o que é comum em todos os países ditos avançados. Neles, a ética do trabalho é a ética da escravidão e o mundo pós-industrial não precisa mais de escravos. O trabalho já pode ser retirado do trono onde foi colocado pelos patrões, pelos filósofos e pela igreja católica no final do Séc. XVIII. Nos anos passados foi o trabalho que colonizou o tempo livre, nos anos futuros será o tempo livre que colonizará o trabalho. Afinal, aquele que só trabalha perde o tempo precioso, como diz um famoso provérbio espanhol.
Em muitas escolas, principalmente de administração, os horários são estressantes e a competitividade não conhece limites de modo a preparar o aluno exclusivamente para a vida profissional, com eficiência e sem escrúpulos. Sem qualquer interesse residual para o lazer, os afetos familiares, a liberdade de pensamento, conduzindo o futuro profissional para atividades tediosas, estúpidas e mal pagas. A missão que temos dentro de nós é a de educar a nós mesmos e aos outros a contaminar o estudo com o trabalho, o jogo e o prazer até fazer do ócio uma arte refinada, uma escolha de vida e uma fonte infindável de ideias. Até chegarmos ao ócio criativo, em que confluam e se misturem suavemente produção de sentido com produção de riqueza, alegria com aprendizado, pluralismo com identidade, fantasia e concretude, sensualidade e andragogia, racionalidade e afetividade. Criando um clima que sublima o cansaço em jogo, a música, as prescrições alegres, e, as poucas regras introjetadas, aceitas e construídas por todos e transcendentes de arte, sonhos, beleza e amor.
A organização aprende com a própria experiência, metaboliza as mais modernas técnicas construtivas, comunicativas e estéticas. Inclui e acolhe os sentimentos de estranheza entre quem participa e quem assiste. É uma festa doce, não-agressiva que cria a riqueza e amplia a economia do dom e não a do lucro.
Balançar-se numa rede parece-me ser o símbolo por excelência do trabalho criativo, perfeita antítese da linha de montagem, a qual foi símbolo do trabalho alienado. Em síntese, dar sentido às coisas de todos os dias, sempre lindas. Admirar quadros, assistir televisão, ler um livro, provocar discussão com o motorista do táxi, jogar conversa fora com os mendigos, admirar a sábia beleza de uma garrafa ou das carruagens que ainda passam pelas ruas.
A ideia de gozar o ócio sempre incomodou ao rico, pois com o advento da sociedade ociosa tudo muda. A escolha de um bom colchão é mais importante do que a de uma escrivaninha funcional. A escolha de um amigo com quem passear ou tirar férias é mais importante do que a escolha do colega de trabalho. É mais importante a escolha da faculdade que prepara para a vida do que a que prepara só para o exercício da profissão. O que conta não é o estresse da carreira, mas a serenidade da sabedoria.
Educar para o ócio significa ensinar a escolher um bom filme, uma peça de teatro, espetáculo de dança ou um livro. Ensinar como estar bem consigo mesmo, a habituar-se às atividades domésticas e com a produção de inúmeras coisas que antes comprávamos. Ensinar o ócio requer uma escolha atenta dos lugares justos para repousar, para amar e se divertir.
É preciso ensinar o jovem a se virar nos meandros do trabalho, nos meandros do prazer. Educar para a solidão e para a companhia, para a solidariedade, o voluntariado. Há tudo o que ensinar e tudo o que aprender. É necessário ter um sábio convívio com o ócio como produto também da educação.
Não existem mais motivos pelos quais a grande massa da população deva continuar sofrendo as privações do trabalho. Somente um ceticismo idiota para nos induzir a trabalhar tanto, quando não há mais necessidade disto. Educar para o ócio significa enriquecer as coisas de significado.
A criatividade e a inovação não podem brotar nas organizações que ainda são administradas com métodos, tempos e sistemas de comandos concebidos há mais de cem anos, onde o executar é tudo sendo proibido inovar e criar.
Temos que evitar métodos que sirvam apenas a um capitalismo disfarçado de social-democracia. O ócio criativo deve incluir a ginástica que harmoniza o corpo e a poesia que encanta a alma. Nele, a guerra deve ser em função da paz e as coisas úteis em função das belas. É muito mais agradável trabalhar com pessoas que descansam, se divertem e gozam a vida.
O trabalho é profissão e o ócio é arte e os escravos do trabalho são os que pararam de pensar, de sonhar, de amar. Os mestres da vida são os que amam apagar a sua distinção com a arte. Só atendo à plenitude da qualidade da vida quando consigo a serenidade natural da alegria, beneficiando a todos e sem prejudicar a ninguém. Viver o ócio criativo é ter a certeza de que o paraíso existe e é nesta terra. Mas o inferno também existe e consiste em não se dar conta de que vivemos num paraíso.

III – COMENTÁRIOS E CONCLUSÃO

O ócio criativo de Domenico De Masi uma obra absolutamente indispensável aos que lidam com as necessidades de transformação do mundo, da sociedade e da melhoria concreta da qualidade de vida. Numa linguagem rica, calorosa e bem-humorada, o autor consegue tratar de temas cruciais e necessários a todos os que trabalham com gente, educam, sentem, sofrem, vivem. Provoca a revolução inadiável frente aos conflitos porque passa o mundo, na plenitude do caos humano, social, político, ético, cultural, econômico e ecológico que ora atravessamos.
Um texto que abre perspectivas marcantes para a condução de princípios perseguidos pela humanidade há milênios. Uma leitura obrigatória aos estudantes de todas as ciências sem exceção, pois visa a construção de um mundo melhor, apoiada num novo ciclo pós-científico, na sensibilidade aguçada, na cooperação, na feminilidade, na autêntica parceria entre todos os povos.
O tema central está fincado nas condições políticas, na distribuição do poder e da riqueza para que todos possam viver com dignidade. Na redução drástica do tempo de trabalho, melhorando a vida das pessoas dentro e fora da empresa, para que todos possam ter acesso ao trabalho e a uma vida com muito mais qualidade, mais prazer e para o que, precisam ser continuamente educados e reeducados. Junção de ideias estranhas e pessoas de diferentes modos de pensar e estilos de vida. Construção coletiva das poucas necessárias regras de conduta, num mundo gerido pela ética, a estética e a justiça social, são as saídas que o autor advoga para as organizações e a sustentabilidade da vida humana.
Retrata o amor, a sensibilidade, a beleza, a paz, o teletrabalho, a descentralização do poder de decidir e a drástica redução do tempo de serviço como instrumentos para se viver o tempo livre e transformá-lo em ócio criativo e em novas ideias rumo a uma vida mais com melhor qualidade para todos. Enfim, o texto trata de sabedorias políticas e filosóficas indispensáveis frente a gravidade da conduta humana e do risco iminente nos tempos em que vivemos. Apresenta propostas novas e originais que, uma vez colocadas em prática por todos: governantes, empresários, trabalhadores, homens e mulheres comuns, poderão significar esperanças de melhorias concretas e garantias de uma vida digna e decente para todos, sem distinção.
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(*) Livro-entrevista em que o sociólogo italiano Domenico De Masi (nascido em 1 938) responde a perguntas elaboradas por Maria Serena Palieri sobre mundo atual, tempo livre e globalização. Publicado no Brasil pela Editora Sextante, do Rio de Janeiro, 2000 – 336 págs. Tradução de Lea Manzi - Resenhista: Antonio da Costa Neto.

(**) MsC em educação e administração, consultor e professor universitário. Autor de artigos e livros, dentre os quais, Paradigmas em educação no novo milênio (Ed. Kelps, 2 003) e Escolas & Hospícios – ensaio sobre a educação e a construção da loucura (Ed. Vozes, 2 005) e Poemas para os anjos da terra (Ed. Kelps, 2007).  "No prelo" - Ed. Kelps: Simplemente azul (poemas).
 E-mail: antoniocneto@terra.com.br

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