terça-feira, 28 de janeiro de 2014

POR QUE SOMOS TÃO BURROS - Artigo de André de Leones

 


Por que somos todos tão estúpidos? Por que, em plena “sociedade da informação”, as pessoas vivam justamente o paroxismo da desinformação, da ignorância, da imbecilidade? Por que as pessoas, por exemplo, confundem filosofia com metafísica e saem por aí dizendo cretinices como “a filosofia não serve pra nada?”
As pessoas não sabem que todas as ciências modernas foram criadas, sim, por filósofos? Que, por exemplo, o protocolo “www”, alicerce da internet tal e qual a utilizamos cotidianamente, foi criado por Tim Berners-Lee, e que Berners-Lee se inspirou, entre outras coisas, nos estudos de um filósofo e sociólogo chamado Ted Nelson? As pessoas acham que a medicina, as engenharias, a biologia, a física e a química foram criadas por indivíduos desde aqueles dias assim, especializadíssimos? As pessoas acham que a filosofia trata apenas de coisas abstratas, sem nexo e sem conexão com a realidade imediata?
As pessoas são burras? Você, leitor, é burro? Eu sou burro? O burro é burro? O que é burro? Eu acho que todos somos muito burros, sim. Eu mesmo sou uma anta. O Lino, quando eu ainda estava em Silvânia, disse que eu sou um sujeito muito inteligente, mas ele que me desculpe, porque eu não sou, não. Eu sou é burro demais. Já passei por um monte de coisas e nunca aprendi nada. Li uma pá de livros e estou sempre relendo um ou outro pra ver se gravo alguma coisa que preste. Cometo sempre os mesmos erros. Pior do que isso: há quem me pague para cometer erros.
O mundo é mesmo um globo superpovoado por gente burra, não? Mas aonde eu quero chegar? Exatamente aqui: as pessoas falam o tempo todo sobre um monte de coisas, mas não fazem ideia do que estão falando. As pessoas são, em tese, animais racionais, mas agem o tempo todo de forma irracional. Mas por que isso acontece? Por que as pessoas viraram as costas para toda a tradição cultural do Ocidente? As pessoas, em geral, estiveram, em algum momento, de frente para toda a tradição cultural do Ocidente?
Por que as pessoas, para usar aquele mesmo exemplo, dizem que “a filosofia não serve para nada” sem, contudo, saber, de fato, o que é filosofia? As pessoas, quando usam o termo “filosofia”, têm consciência do que estão falando? Sabem que filosofia não é só metafísica e abstrações e masturbação mental, mas também estética, lógica, epistemologia, ontologia (não, eu não escrevi “odontologia”, eu escrevi “ontologia”) e um monte de outras coisas?
Voltando novamente ao ponto: por que isto acontece? Eu digo que isso acontece por culpa da escola. Todo mundo, ou quase todo mundo passa anos e anos na escola estudando coisas como história, geografia, álgebra e trigonometria, mas ninguém sabe para quê. Um engraçadinho poderia dizer: Para passar no vestibular. Não é pouca coisa, está certo, mas e daí? Existe algum significado real em entender as causas e consequências da Revolução Francesa? Existe algum significado real em saber calcular uma hipotenusa? Existe algum significado real em saber desenhar a fórmula estrutural do ácido sulfúrico? Você, professor de física, pergunte ao seu aluno do primeiro ano: Por que estudar o movimento retilíneo uniformemente variado? Você, professor de literatura, pergunte ao seu aluno do terceiro ano: Por que estudar a Geração de 45?
E não aceite como resposta qualquer coisa associada a passar no vestibular. Pergunte pelo significado real (se é que existe algum) de cada uma dessas coisas. E, afinal, quando confrontado com aquele silêncio sepulcral, pergunte a si mesmo, professor: O que eu estou fazendo aqui? Por que eu estou aqui?! Eu penso que a forma como os jovens são educados é errada. A maneira como conteúdos e conceitos são transmitidos é errada. O modo como procuram criar cidadãos conscientes é errado porque os educadores muitas vezes não são cidadãos conscientes. O que acontece, então? E qual seria a “maneira correta”? O que acontece é que o estudante conclui o ensino médio, mas é incapaz de formular um raciocínio completo e coerente. O que acontece é que muitos professores são incapazes de formular raciocínios completos e coerentes. O que acontece é que o professor de exatas despreza as humanidades porque não enxerga nelas qualquer “funcionalidade”, qualquer “valor prático”. 
O que acontece é que o professor de humanidades despreza as exatas porque nunca conseguiu calcular aquela maldita hipotenusa. O que acontece é que ninguém sabe nada sobre coisa alguma. Os alunos não aprenderão enquanto não houver uma reforma ou mesmo uma revolução no ensino. Os alunos não aprenderão enquanto os educadores não compreenderem que têm de ser mais flexíveis. Os alunos não aprenderão enquanto os educadores não se adequarem a eles, porque, sim, o sistema que precisa se adequar aos estudantes, não o contrário.
Como fazer um adolescente entender e obedecer a uma disciplina, para os padrões dele, desgraçadamente rígida? Como pretender que um adolescente “fique quieto e aprenda” quando o que é ensinado, da forma como é ensinado, simplesmente não o interessa? Como pretender que um adolescente “fique quieto e aprenda” quando ele sequer pode escolher as disciplinas que mais lhe interessam? Com a desculpa de oferecer uma “formação ampla” aos estudantes, acabam oferecendo uma formação nula. Como pretender que um adolescente “fique quieto e aprenda”, por exemplo, geografia quando, no fim das contas, nem o professor de geografia compreende o que é que está ensinando e por quê? O que temos hoje no sistema educacional em todo o mundo é uma cadeia de erros que perpetua a burrice, a apatia, o desinteresse.
Uma cadeia de erros que forma milhares de profissionais especializadíssimos, mas - inacreditavelmente - despreparados. Uma cadeia de erros que está relegando ao abismo toda uma tradição cultural porque as pessoas não pensam mais, as pessoas não raciocinam mais, as pessoas não têm mais bases para pensar e para raciocinar, não têm mais bases para se situarem historicamente, filosoficamente. Como uma pessoa acéfala, amante das novelas e séries globais toscas que, não, não abordam a realidade cotidiana, mas uma idealização cretina da mesma, como uma pessoa assim pode ter subsídios para, por exemplo, apreciar a contento um material riquíssimo como a adaptação de A Pedra do Reino, na mesma Globo? 
As pessoas vivem dispersas no vácuo, girando e girando pela eternidade afora, sem qualquer referência, divorciadas dos outros e de si mesmas, divorciadas até mesmo de Deus, posto que a ideia de Deus, como defende Baudrillard, perdeu-se em razão de simulacros e de rituais vazios, perdeu-se nos vãos da burocracia das religiões. No fundo, além de burros, somos todos ateus. E, não, as coisas não vão melhorar.
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(*)André de Leones
Orgulhosamente para o Jornal A VOZ
de Silvânia-Goiás
(*) um jovem e brilhante escritor silvaniense, radicado em Sampa e escrevendo coisas maravilhosas, fazendo loucuras, nos encantando. Me orgulho de ser seu conterrâneo, amigo.

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