terça-feira, 14 de abril de 2009

O HOMEM; AS VIAGENS - Carlos Drummond de Andrade


O homem, bicho da terra tão pequeno

Chateia-se na terra

Lugar de muita miséria e pouca diversão.

Faz um foguete, uma cápsula, um módulo

Toca para a lua

Desce cauteloso na lua

Pisa na lua

Planta bandeirola na lua

Experimenta a lua

Coloniza a lua

Civiliza a lua

Humaniza a lua.

Lua humanizada: tão igual à terra.

O homem chateia-se na lua.

Vamos para marte — ordena a suas máquinas.

Elas obedecem, o homem desce em marte

Pisa em marte

Experimenta

Coloniza

Civiliza

Humaniza marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.

Vamos a outra parte?

Claro — diz o engenho sofisticado e dócil.

Vamos a vênus.

O homem põe o pé em vênus,

Vê o visto — é isto?

Idem

Idem

Idem.

O homem funde a cuca se não for a júpiter

Proclamar justiça junto com injustiça

Repetir a fossa

Repetir o inquieto

Repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.

O espaço todo vira terra-a-terra.

O homem chega ao sol ou dá uma volta

Só para te ver?

Não-vê que ele inventa

Roupa insiderável de viver no sol.

Põe o pé e:

Mas que chato é o sol, falso touro

Espanhol domado.

Restam outros sistemas fora

Do solar a col-Onizar.

Ao acabarem todos

Só resta ao homem

(estará equipado?)

A dificílima dangerosíssima viagem

De si a si mesmo:

Pôr o pé no chão

Do seu coração

Experimentar

Colonizar

Civilizar

Humanizar

O homem

Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas

A perene, insuspeitada alegria

De con-viver.

(Texto publicado em homenagem à inteligência, à sensibilidade e à bondade do meu amigo e conterrâneo Inácio José de Paula)


Nenhum comentário: