quinta-feira, 9 de abril de 2009

METADE - Oswaldo Montenegro



...E que a força do medo que tenho

não me impeça de ver o que anseio

e que a morte de tudo que acredito

não me tape os ouvidos e a boca

porque metade de mim é o que eu grito

mas a outra metade é silêncio


Que a música que eu ouço ao longe

seja linda, ainda que tristeza

que a mulher que eu amo seja

pra sempre amada,

mesmo que distante

porque metade de mim é partida

mas a outra metade é saudade


Que as palavras que eu digo

não sejam ouvidas como prece

nem repetidas com fervor

apenas respeitadas

como a única coisa que resta

a um homem inundado de sentimento

porque metade de mim é o que eu ouço

mas a outra metade é o que calo


Que essa minha vontade de ir embora

se transforme na calma e na paz que eu mereço

que essa tensão que me corrói por dentro

seja um dia recompensada

porque metade de mim é o que eu penso

e a outra metade é um vulcão


Que o medo da solidão se afaste

que o convívio comigo mesmo

se torne ao menos suportável

que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso

que eu me lembre ter dado na infância

porque metade de mim é a lembrança do que fuie

a outra metade eu não sei


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria

pra me fazer aquietar o espírito

e que o teu silêncio

me fale cada vez mais

porque metade de mim é abrigo

mas a outra metade é cansaço


Que a arte nos aponte uma resposta

mesmo que ela não saiba

e que ninguém a tente complicar

porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer

porque metade de mim é a platéia

e a outra metade é a canção


E que a minha loucura seja perdoada

porque metade de mim é amor

e a outra metade

também ...

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