quarta-feira, 26 de março de 2008

AINDA SOBRE SÍLVIA CALABRESI


Não só o Brasil, mas o mundo todo ficou estupefato e mudo frente à violência e às torturas de que fora acusada a empresária goiana Sílvia Calabresi Lima. Um singular horror, motivo de vergonha e de surpresa, por podermos constatar que um ser humano em tese bem sucedido, com conforto material e condições sólidas de vida seria capaz de fazer.

Amarrar e amordaçar uma criança indefesa e deixá-la presa em uma escada na área de serviços do apartamento de luxo situada em área nobre da capital. Quebrar seus dedos, arrancar unhas, dar socos, tapas, pontapés, mutilar sua língua e outras partes do seu corpo. Além, é claro de um conjunto de agressões verbais, psicológicas, morais, indução ao medo, ao terror e tudo que se pode imaginar neste pântano infernal e medonho. Certamente, o mais absoluto dos horrores.

Indagada se tinha consciência do que fazia, a empresária responde: - "Eu não sabia o que estava fazendo, na minha cabeça aquilo não era tortura, mas educação. Peço perdão. Me perdoem pelo que eu fiz."

Indignei-me com tudo isto. Perdi algumas horas de sono pensando em tudo isto. Fiz reflexões a respeito e procurei me informar sobre o caso. Foi quando soube que a D. Sílvia, a autora do crime, fora também adotada, que passou anos de sua infância em instituições de assistência a menores, que teria sido abandonada pelos pais biológicos, passara necessidade e, certamente, sofrera de violência, fome maus tratos e coisas mais.

Aí as coisas me pareceram um pouco mais claras. Sempre defendi a tese de que nada é gratuito ou tem geração espontânea dentro ou fora das pessoas, interferindo em suas relações e ações no mundo. Nesta ótica, quem violenta é porque foi violentado. Tortura, porque foi torturado, e, igualmente faz o bem quando o recebeu e foi afetivamente orientado para isto. É claro que isto não justifica e nem é base de perdão para o crime horrendo uma vez cometido, mas, ao meu ver, atenua a culpa, a dor, multiplicam-se as causas e ampliam-se os responsáveis.

Soube que a mãe adotiva da empresária também será processada e o deveria mesmo, não só pela omissão, mas por ser uma das possíveis causadoras do lamentável fato. Ninguém que tenha sido educado com amor, carinho, diálogo, afeto, espiritualidade e satisfação de suas necessidades materiais básicas jamais tomaria este tipo de atitude. Jamais. A não ser em caso de doentes mentais graves e que, igualmente, deveriam ser submetidos a tratamentos dignos, responsáveis e em tempo hábil. É o mínimo que se espera de que se propõe a criar, amar e educar uma criança.

A família, as relações, o meio onde a criança vive a sua primeira infância, ou seja, de 0 a 5 anos de idade são os grandes responsáveis pelo que a pessoa se torna, seus atos, omissões, personalidade, escolhas. Acredito mesmo que somos produtos do meio. E as energias densas e sutis que circulam nossas vidas, da concepção aos primeiros cinco anos definem tudo: caráter, posicionamento na vida, vocação, sexualidade, gostos, desejos, sonhos, tudo.

Pela minha ótica, Suzane von Richthofen, aquela menina de S. Paulo não é tão criminosa assim. Mas o monstro foi criado por quem foi por ele destruído, por exemplo. Boa parte da culpa é das próprias vitmas que providenciaram uma criação absolutamente doentia para quem tem a fria coragem de assassinar os próprios pais. Os garotos que incendiaram o Indio Pataxó em Brasília foram apenas os executores de um crime planejado pelas relações com seus pais, com a escola, com a sociedade competitiva, com os horrores do mundo contemporâneo. Assim como os que estão atrás das grades e que são os meros executivos das tragédias que se viram envolvidos. Temos muitos e mais culpados e para cada crime deveria ter um galpão de dimensões imensas nos presídios para abrigar a todos os responsáveis direta ou indiretamente por cada caso. Reduzindo assim drasticamente a culpa e a pena dos que são geralmente acusados, presos e condenados.

A dinâmica da vida é feita por uma concepção sistêmica e integrada e nela, nada é por acaso. Tudo é dual e tem as suas razões bem definidas no plano do universo maior. Cabe a nós relativisar as verdades dos fatos, aproveitando suas sabedorias, os conhecimentos, as experiências que agregam para que sirvam de alento para melhorarmos o mundo. Para reduzirmos a dor e o sofrimento. Em tudo há uma seiva de beleza, basta que saibamos encontrar. Há sempre uma luz que orienta para a paz, a harmonia, a serenidade. E já é mais que tempo de encontrarmos tudo isto, mesmo nas relações mais prosáicas e nos fatos mais asquerosos e horripilantes. Mesmo na monstruosidade que agora presenciamos.


Antonio da Costa Neto

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